Para os meus amigos e para todos os que, de uma forma ou de outra, habitam os caminhos que vamos percorrendo ano após ano.
Que o sonho se cumpra!
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
1970 - 40 anos
Há 40 anos Michel Foucault dava a sua Leçon inaugurale au Collège de France com o título L’Ordre du discours.
Eis um pequeno excerto de homenagem antes que o ano termine dado que não é o momento de exprimir o reconhecimento da importância do seu filosofar para a formação do pensar de muitos de nós que tacteávamos entre perplexidades e equívocos, entre rebeldias e revoluções, entre a razão, o inconsciente e muitas outras aventuras.
“[…] A educação pode muito bem ser, de direito, o instrumento graças ao qual todo o indivíduo, numa sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso ; sabemos no entanto que, na sua distribuição, naquilo que permite e naquilo que impede, ela segue as linhas que são marcadas pelas distâncias, pelas oposições e pelas lutas sociais. Todo o sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que estes trazem consigo.
Eis um pequeno excerto de homenagem antes que o ano termine dado que não é o momento de exprimir o reconhecimento da importância do seu filosofar para a formação do pensar de muitos de nós que tacteávamos entre perplexidades e equívocos, entre rebeldias e revoluções, entre a razão, o inconsciente e muitas outras aventuras.
“[…] A educação pode muito bem ser, de direito, o instrumento graças ao qual todo o indivíduo, numa sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso ; sabemos no entanto que, na sua distribuição, naquilo que permite e naquilo que impede, ela segue as linhas que são marcadas pelas distâncias, pelas oposições e pelas lutas sociais. Todo o sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que estes trazem consigo.
Eu sei perfeitamente que a separação que tenho vindo a fazer entre rituais da fala, sociedades de discurso, grupos doutrinários e apropriações sociais, é demasiado abstracta.
Na maior parte das vezes estão ligados uns aos outros e são como grandes edifícios que asseguram a distribuição dos sujeitos falantes nos diferentes tipos de discurso e asseguram a apropriação dos discursos a certas categorias de sujeitos. Numa palavra, são os grandes procedimentos de sujeição do discurso. O que é, no fim de contas, um sistema de ensino senão uma ritualização da fala, senão uma qualificação e uma fixação dos papéis dos sujeitos falantes; senão a constituição de um grupo doutrinal, por difuso que seja; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com os seus poderes e os seus saberes? O que é a "escrita" (a dos "escritores") senão um sistema de sujeição semelhante, que assume talvez formas um pouco diferentes, mas em que as grandes decomposições são análogas? Será que o sistema jurídico, o sistema institucional da medicina, também eles, pelo menos em alguns dos seus aspectos, não são sistemas semelhantes de sujeição do discurso?"
domingo, 26 de dezembro de 2010
Para os meus amigos
Era o seu primeiro Natal . Escrevi para ela o pequeno texto que agora dedico também a todos os meus amigos que não desistiram de ser crianças. Feliz Natal!
Um dia, quando eu já for velhinho e a alvura me vestir o rosto, hás-de ler esta carta. Regressarás, então, à festa do teu primeiro Natal, aquele em que, pela primeira vez, foste recebida no calor do afecto daqueles que te amam e, em ti, regressaram eles também ao seu primeiro Natal, aquele em que, pela primeira vez, foram recebidos no calor do afecto daqueles que os amavam. Recordarás, então, a lareira, as filhós, os doces, os aromas, os sabores, os manjares, o presépio, a festa, o encontro. E abrirás os olhos ao sorriso que te há-de inundar a alma na memória que da festa e do encontro se há-de fazer. E sorrirás também quando o silêncio te encaminhar para o mais profundo e íntimo encontro de que és capaz: tu própria. Tu e as memórias que te habitam. Tu e os sonhos que te fazem. Descobrirás o arco-íris e com ele iluminarás as pontes que hás-de construir sobre os rios que hás-de atravessar. Nele viajarás até às estrelas e nelas hás-de morar com o sonho que te habitar. Descobrirás, então, que a estrela és tu e apenas em ti, no mais fundo, puro e íntimo silêncio de ti encontrarás tudo o resto: tudo o que pensaste e hás-de pensar, tudo o que fizeste e hás-de fazer, tudo o que disseste e hás-de dizer, tudo o que foste e hás-de ser. Viajarás, então, pura e leve, nas asas do tempo, tecidas de luz. E gostarás! Gostarás da infinita vertigem do voo íntimo e claro que te há-de revelar. E desejarás nunca quebrar o encanto que te ilumina o olhar, nunca deixar de voar em ti para além de ti. Descobrirás que a viagem se faz no silêncio íntimo do encontro com o sonho que nos habita, que toda a viagem se faz no regresso aos rostos que nos habitam o silêncio. Descobrirás o sol e a lua, a luz e a sombra. A tua sombra. Com ela viajarás sempre. Hás-de amá-la como amarás o rosto inquieto do amor que te há-de invadir. Com ela habitarás o silêncio e a memória, com ele vestirás os dias de arco-íris. E gostarás. E sorrirás aos rostos que te habitam o silêncio e neles te encontrarás. Neles descobrirás o outro e os valores que fazem da diferença a razão de ser homem e mulher: a liberdade, a solidariedade, a tolerância, o respeito. E serás feliz!
Um dia, quando eu já for velhinho e a alvura me vestir o rosto, há-de haver a festa do primeiro Natal, aquele em que, pela primeira vez, o teu sonho será recebido no calor do afecto dos que o amam. E nós, que te amamos e contigo regressámos ao primeiro Natal, aquele em que, pela primeira vez, fomos recebidos no calor do afecto dos que nos amavam, sorriremos encantados. Felizes. Como tu.
Um dia, quando eu já for velhinho e a alvura me vestir o rosto, hás-de ler esta carta. Regressarás, então, à festa do teu primeiro Natal, aquele em que, pela primeira vez, foste recebida no calor do afecto daqueles que te amam e, em ti, regressaram eles também ao seu primeiro Natal, aquele em que, pela primeira vez, foram recebidos no calor do afecto daqueles que os amavam. Recordarás, então, a lareira, as filhós, os doces, os aromas, os sabores, os manjares, o presépio, a festa, o encontro. E abrirás os olhos ao sorriso que te há-de inundar a alma na memória que da festa e do encontro se há-de fazer. E sorrirás também quando o silêncio te encaminhar para o mais profundo e íntimo encontro de que és capaz: tu própria. Tu e as memórias que te habitam. Tu e os sonhos que te fazem. Descobrirás o arco-íris e com ele iluminarás as pontes que hás-de construir sobre os rios que hás-de atravessar. Nele viajarás até às estrelas e nelas hás-de morar com o sonho que te habitar. Descobrirás, então, que a estrela és tu e apenas em ti, no mais fundo, puro e íntimo silêncio de ti encontrarás tudo o resto: tudo o que pensaste e hás-de pensar, tudo o que fizeste e hás-de fazer, tudo o que disseste e hás-de dizer, tudo o que foste e hás-de ser. Viajarás, então, pura e leve, nas asas do tempo, tecidas de luz. E gostarás! Gostarás da infinita vertigem do voo íntimo e claro que te há-de revelar. E desejarás nunca quebrar o encanto que te ilumina o olhar, nunca deixar de voar em ti para além de ti. Descobrirás que a viagem se faz no silêncio íntimo do encontro com o sonho que nos habita, que toda a viagem se faz no regresso aos rostos que nos habitam o silêncio. Descobrirás o sol e a lua, a luz e a sombra. A tua sombra. Com ela viajarás sempre. Hás-de amá-la como amarás o rosto inquieto do amor que te há-de invadir. Com ela habitarás o silêncio e a memória, com ele vestirás os dias de arco-íris. E gostarás. E sorrirás aos rostos que te habitam o silêncio e neles te encontrarás. Neles descobrirás o outro e os valores que fazem da diferença a razão de ser homem e mulher: a liberdade, a solidariedade, a tolerância, o respeito. E serás feliz!
Um dia, quando eu já for velhinho e a alvura me vestir o rosto, há-de haver a festa do primeiro Natal, aquele em que, pela primeira vez, o teu sonho será recebido no calor do afecto dos que o amam. E nós, que te amamos e contigo regressámos ao primeiro Natal, aquele em que, pela primeira vez, fomos recebidos no calor do afecto dos que nos amavam, sorriremos encantados. Felizes. Como tu.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Aos amigos
Que a amizade
seja a força que anima
o tempo incerto
que habita os dias
em que inventamos o sonho
que nos faz humanos.
-----
Feliz Natal para os amigos
e para todos os que por este cantinho
vão passando sem deixar sua pegada
seja a força que anima
o tempo incerto
que habita os dias
em que inventamos o sonho
que nos faz humanos.
-----
Feliz Natal para os amigos
e para todos os que por este cantinho
vão passando sem deixar sua pegada
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Para a mãe
Quando o dia da mãe ainda não estava sujeito ao calendário das compras comemorava-se no dia em que o calendário católico festeja a "Imaculada Concepção" - 8 de Dezembro.
Também comemoro a nova data mas em 8 de Dezembro aqueço a alma no regaço da memória de minha mãe. Não é pouco!
1.
A mãe olha-nos sem cansaço,
Também comemoro a nova data mas em 8 de Dezembro aqueço a alma no regaço da memória de minha mãe. Não é pouco!
1.
A mãe olha-nos sem cansaço,
envolve-nos na ternura do abraço
do seu olhar
e em cada abraço seu
adormecemos
adormecemos
outra vez no ninho do regaço
de que nascemos.
Mais do que a vida de que nascemos
a mãe olha-nos
e em cada olhar seu nascemos
outra vez
outra vez
porque no olhar da mãe
nasce e renasce o amor
que nos fez.
2.
A mãe recebe o filho do berço
envolve-o no peito
e fala-lhe em silêncio
enquanto lhe beija a testa
e acaricia a cabecita loura
nos seus cabelos ralos
com o sorriso do seu olhar.
O seu menino agradece-lhe
no sorriso encantado
que faz a mãe sentir-se mãe
e o pai – que os olha embevecido –
sentir-se pai
(já que não pode ser mãe).
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Para o meu pai
No dia em que meu pai morreu não chorei;
ainda a ausência não se anunciara irreversível.
Chorei mais tarde quando a memória já não era capaz
de guardar a ausência no canto da alma
que meu pai habitava.
O tempo
- esse insidioso embrulho dos dias –
secou-me as lágrimas
e adoçou, na mais pura candura do gesto inocente,
a memória dos dias que não tivemos.
Hoje recordo a notícia insuspeita dessa noite sombria
e, apaziguado, alimento a memória
nos sonhos que meu pai gosta de me ver.
E sorrio.
E vejo-o sorrindo
no encantamento do olhar iluminado
saltando do rosto envelhecido.
Soltam-se-me as lágrimas.
Com elas rego a memória com que faço
os sonhos do tempo que habito.
E sorrimos.
ainda a ausência não se anunciara irreversível.
Chorei mais tarde quando a memória já não era capaz
de guardar a ausência no canto da alma
que meu pai habitava.
O tempo
- esse insidioso embrulho dos dias –
secou-me as lágrimas
e adoçou, na mais pura candura do gesto inocente,
a memória dos dias que não tivemos.
Hoje recordo a notícia insuspeita dessa noite sombria
e, apaziguado, alimento a memória
nos sonhos que meu pai gosta de me ver.
E sorrio.
E vejo-o sorrindo
no encantamento do olhar iluminado
saltando do rosto envelhecido.
Soltam-se-me as lágrimas.
Com elas rego a memória com que faço
os sonhos do tempo que habito.
E sorrimos.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
1970 - 40 anos
Há 40 anos foi Let it Be.
Os Beatles em seus derradeiros acordes
e (des)encantamentos.
So, let it be!
Os Beatles em seus derradeiros acordes
e (des)encantamentos.
So, let it be!
Talvez Poema
Olho-me no teu olhar e maldigo
aqueles que te roubaram o sorriso
na dor dos que te morreram
sem causa e sem sentido
Olho-te e maldigo aqueles
que te incendiaram a alma
com o grito desmedido
das bombas de fome e de sangue
no horror sem nome dos que te mataram
sem razão e sem destino.
Olho-me na tua dor
e morrem-me os dias claros
perfumados de bela-luz e rosmaninho
entre giestas e carvalhos
em que inventávamos sonhos
nas margens encantadas da minha aldeia.
O que te fizemos, menina de Bagdad,
nas mil e uma noites feridas de morte e desencanto?
De que te vestimos, menino da minha aldeia,
esvaziado sem pudor de sonhos e fantasias sem par?
aqueles que te roubaram o sorriso
na dor dos que te morreram
sem causa e sem sentido
Olho-te e maldigo aqueles
que te incendiaram a alma
com o grito desmedido
das bombas de fome e de sangue
no horror sem nome dos que te mataram
sem razão e sem destino.
Olho-me na tua dor
e morrem-me os dias claros
perfumados de bela-luz e rosmaninho
entre giestas e carvalhos
em que inventávamos sonhos
nas margens encantadas da minha aldeia.
O que te fizemos, menina de Bagdad,
nas mil e uma noites feridas de morte e desencanto?
De que te vestimos, menino da minha aldeia,
esvaziado sem pudor de sonhos e fantasias sem par?
(In)comunicação burocrática na escola - 1.2 Limites e disfunções da burocracia
Os limites do modelo burocrático dependem fundamentalmente na sua entrópica incapacidade de se adaptar à mudança e de lutar contra a incerteza em resultado da sua extrema formalização e regulamentação através das regras impessoais e dos documentos escritos que continuamente produz. A burocracia assenta em tarefas que passam à rotina, perdendo a capacidade de auto-correcção (Crozier). Como consequência desta incapacidade, o modelo burocrático vai ter necessidade de combater as disfunções que ele próprio criou. Assim, vão surgir comportamentos não previstos nos regulamentos, conflitos entre sub-grupos, estratégias de controlo (nas repartições e níveis hierárquicos e funcionais), que conduzem à perda da unidade processual e a um certo entorpecimento dos funcionários; além disso, poderá haver "deslocação dos objectivos" e "ritualismo dos funcionários" (Merton), rotina, etc. Ora, a superação destas disfunções faz-se, dada a incapacidade de a organização burocrática se abrir ao exterior e à mudança, através da produção de novas regras impessoais, do reforço do controlo e centralização das decisões, isolamento dos estratos hierárquicos com reforço da identificação no grupo e maior pressão dos indivíduos nesses quadros (as diferentes categorias tendem a acentuar o seu isolamento e a comunicar cada vez menos entre si de modo a proteger o grupo e o poder que ele detém). Este processo é acompanhado do desenvolvimento do poder paralelo de forma a poder responder ao aumento das regras e normas impessoais. É o "círculo vicioso burocrático" (Crozier; Merton ref. por Freire 1993: 145) que Gouldner caracteriza de uma forma mais simples sendo, também, de âmbito mais restrito: a um abaixamento da motivação do pessoal que o modelo provoca segue-se o desencadeamento de vigilâncias mais atentas; estas vão originar o aparecimento de tensões e a consequente perda de eficácia e funcionalidade às quais a organização responde com a produção de novas regras e normas impessoais para fazer baixar essas tensões; as novas regras e normas vão provocar nova baixa de motivação com o consequente aumento de vigilâncias mais atentas, etc., etc. num processo que só termina quando o modelo burocrático já não conseguir resistir à mudança. Adopta, então, a mudança que lhe é típica: a "mudança em crise" (Freire, 1993: 146): conduzida de cima para baixo, habitualmente acompanhada de perturbações graves e do reforço da iniciativa e poder pessoal, decisões arbitrárias e autocráticas até ao seu ponto de funcionamento normal. Até que nova crise se manifeste e seja obrigada a mudar. "A crise é, pois, a forma própria e particular de mudança de uma organização de tipo burocrático" (Idem, p. 146).
(In)comunicação burocrática na escola - 1.1 Características principais das organizações burocráticas
1. A definição de competências, dos deveres, dos direitos e da hierarquia da autoridade é feita através de regras fixas e impessoais, ou seja, por leis e regulamentos administrativos;
2. A divisão do trabalho e a hierarquia da autoridade é baseada na especialização funcional e na subordinação na qual se exerce um controlo legal dos graus inferiores pelos superiores;
3. A gestão da organização utiliza predominantemente documentos escritos nas comunicações intra-burocráticas que são conservados em arquivos;
4. O funcionamento da organização repousa sobre a clara separação entre a actividade dos funcionários e a sua vida privada;
5. O desempenho das funções administrativas burocráticas pressupõe uma formação profissional avançada dos funcionários que são seleccionados para o emprego e promoção com base nas suas competências técnicas;
6. As funções administrativas, ao contrário do que acontecia tradicionalmente nos modelos paternalistas e carismáticos, passaram a ser desempenhadas "a tempo inteiro";
7. O funcionamento de uma organização burocrática obedece a regras gerais, formais e impessoais. O seu conhecimento representa uma aprendizagem técnica especializada. É também uma fonte de poder;
8. A autoridade baseia-se na repartição: "as ordens são executadas porque os regulamentos estabelecem que está dentro da competência normal de uma repartição dar essas ordens". (Pugh et al., cit. in Worsley, 1977, p. 305);
2. A divisão do trabalho e a hierarquia da autoridade é baseada na especialização funcional e na subordinação na qual se exerce um controlo legal dos graus inferiores pelos superiores;
3. A gestão da organização utiliza predominantemente documentos escritos nas comunicações intra-burocráticas que são conservados em arquivos;
4. O funcionamento da organização repousa sobre a clara separação entre a actividade dos funcionários e a sua vida privada;
5. O desempenho das funções administrativas burocráticas pressupõe uma formação profissional avançada dos funcionários que são seleccionados para o emprego e promoção com base nas suas competências técnicas;
6. As funções administrativas, ao contrário do que acontecia tradicionalmente nos modelos paternalistas e carismáticos, passaram a ser desempenhadas "a tempo inteiro";
7. O funcionamento de uma organização burocrática obedece a regras gerais, formais e impessoais. O seu conhecimento representa uma aprendizagem técnica especializada. É também uma fonte de poder;
8. A autoridade baseia-se na repartição: "as ordens são executadas porque os regulamentos estabelecem que está dentro da competência normal de uma repartição dar essas ordens". (Pugh et al., cit. in Worsley, 1977, p. 305);
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(In)comunicação burocrática,
1.1 características,
1969-40 anos
sábado, 13 de novembro de 2010
1970 - 40 anos
Em Novembro apareeceu The man who sold the world de David Bowie.
As radios continuam a passar a versão dos Nirvana mas Cobain tinha apenas três anos quando o "camaleão" a gravou...
As radios continuam a passar a versão dos Nirvana mas Cobain tinha apenas três anos quando o "camaleão" a gravou...
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Talvez Poema
Regresso à minha aldeia.
Bem sei da irreversibilidade do tempo
– esse algoz das noites brancas – mas
deixem-me saudar a primavera no canto do cuco
e os pés descalços na terra fumegante do primeiro arado;
deixem-me acordar as manhãs
no balido das ovelhas do Ti António
e correr vinhedos e pinhais
nas encostas barrentas do outeiro;
deixem-me cavalgar a ribeira
em correrias salpicadas de risos inocentes;
deixem-me mergulhar no regaço quente de minha mãe
e na doçura disfarçada do sorriso no olhar de meu pai;
deixem-me regressar a mim.
Prometo não me perder.
Bem sei da irreversibilidade do tempo
– esse algoz das noites brancas – mas
deixem-me saudar a primavera no canto do cuco
e os pés descalços na terra fumegante do primeiro arado;
deixem-me acordar as manhãs
no balido das ovelhas do Ti António
e correr vinhedos e pinhais
nas encostas barrentas do outeiro;
deixem-me cavalgar a ribeira
em correrias salpicadas de risos inocentes;
deixem-me mergulhar no regaço quente de minha mãe
e na doçura disfarçada do sorriso no olhar de meu pai;
deixem-me regressar a mim.
Prometo não me perder.
domingo, 7 de novembro de 2010
Para uma menina que faz hoje anos
No dia em que nasceste
floriram rosas no meu jardim.
Das pétalas de rubor incandescente
soltaram-se gotas perfumadas
de sonhos e fantasia.
(era quase Inverno)
Há quem jure que
no chão onde caíram
nasceram arco-íris de encanto
e todos os dias a terra sorri para te saudar.
Ainda bem.
Que faria o inverno sem o encanto
dos dias perfumados
no rubor das rosas do meu jardim?
E eu?
Que faria sem o arco-íris?
floriram rosas no meu jardim.
Das pétalas de rubor incandescente
soltaram-se gotas perfumadas
de sonhos e fantasia.
(era quase Inverno)
Há quem jure que
no chão onde caíram
nasceram arco-íris de encanto
e todos os dias a terra sorri para te saudar.
Ainda bem.
Que faria o inverno sem o encanto
dos dias perfumados
no rubor das rosas do meu jardim?
E eu?
Que faria sem o arco-íris?
sábado, 30 de outubro de 2010
La vida es una tombola
"Já pensaste no jogador que teria sido se não tivesse tomado cocaína?!" (Maradona).
No dia do seu 50º aniversário vale a pena lembrar a fragilidade de um homem que alguns chamaram "deus" e a beleza do seu jogo.
No dia do seu 50º aniversário vale a pena lembrar a fragilidade de um homem que alguns chamaram "deus" e a beleza do seu jogo.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Talvez poema
Não sei!
Da luz da varanda do meu quarto
proclamo bem alto
(para que não restem dúvidas)
a qualidade do meu não saber;
proclamo com a voz que me faz viver
(para que todos fiquem a saber)
a clareza da minha certeza;
proclamo com a força do eco do meu grito
(para que todos fiquem convencidos)
a minha ignorância sobre o amor a vida a morte
e o futuro que me espera
entre tantas coisas sábias que os sábios sabem
e eu não sei.
Espero vivo e amo.
É-me bastante.
Da luz da varanda do meu quarto
proclamo bem alto
(para que não restem dúvidas)
a qualidade do meu não saber;
proclamo com a voz que me faz viver
(para que todos fiquem a saber)
a clareza da minha certeza;
proclamo com a força do eco do meu grito
(para que todos fiquem convencidos)
a minha ignorância sobre o amor a vida a morte
e o futuro que me espera
entre tantas coisas sábias que os sábios sabem
e eu não sei.
Espero vivo e amo.
É-me bastante.
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
(In)comunicação burocrática na escola 1. Burocracia na escola
"The choice is only between bureaucracy and dilettantism in the field of administration". Weber
"Só quem tenha tido o atrevimento de pedir a um computador que forneça uma lista completa de títulos sobre burocracia poderá ter a noção exacta da quantidade de papel já gasta na discussão do assunto, rivalizando em volume com a produção da própria burocracia."
Beetham
A consideração da escola como organização, não sendo unívoca, não deixa, contudo, de ser aceite como tal pela generalidade dos investigadores, quer sendo entendida como "organização burocrática" (na linha de Weber) ou "organização complexa burocrática" (Etzioni), quer como "organização formal" e "organização de serviços" (Blau e Scott), ou como "sistema aberto" (Thompson) e "contingencial" (Goodlad), quer ainda como "organização cultural" (Crozier e Friedberg), quer mesmo como "escola de serviço público" (Formosinho). É, pois, possível deparar com uma grande quantidade e diversidade de conceitos, de pontos de vista e de teorias sobre a escola como organização. Como veremos e a reduzida enumeração anterior faz antever nem todos os modelos assumem os mesmos princípios ou fundamentos, embora todos pretendam, por caminhos diferentes e até divergentes, atingir os objectivos e finalidades previamente definidos do modo mais fiel e adequado. Igualmente com os menores custos. Portanto, o mais eficaz e eficientemente possível.
Segundo Weber, eram também a eficácia e a eficiência que tornavam a racionalidade burocrática tecnicamente superior a todas os outras formas de organização, semelhante à superioridade da produção mecânica em relação à manual (é evidente a influência da racionalidade taylorista), uma vez que era mais rápida, clara e efectiva, além, naturalmente, da continuidade, da impessoalidade e da imparcialidade com que o funcionário desempenha as suas funções. Como consequência eliminam-se os favoritismos, os actos discricionários, os compadrios ou pressões pessoais. Para tal, recorre-se ao "império da regra" (à semelhança do "império da lei", na teoria do estado (Freire, 1993, p. 76). A burocracia pode ser, segundo o seu criador, o meio mais eficiente para organizar os recursos humanos de forma a obter os fins desejados. Tudo isto constitui os seus méritos.
Estaríamos, pois, perante um modelo perfeito, "aplicável a todas as espécies de tarefas administrativas" (Worsley, 1977: 305), (empresas, organizações de beneficência, hospitais, partidos políticos, forças armadas, escolas, etc.). A perfeição, porém, não é um atributo humano. O modelo weberiano está, por conseguinte, também marcado com o selo da imperfeição humana: tem virtudes e defeitos, méritos e limites.
"Só quem tenha tido o atrevimento de pedir a um computador que forneça uma lista completa de títulos sobre burocracia poderá ter a noção exacta da quantidade de papel já gasta na discussão do assunto, rivalizando em volume com a produção da própria burocracia."
Beetham
A consideração da escola como organização, não sendo unívoca, não deixa, contudo, de ser aceite como tal pela generalidade dos investigadores, quer sendo entendida como "organização burocrática" (na linha de Weber) ou "organização complexa burocrática" (Etzioni), quer como "organização formal" e "organização de serviços" (Blau e Scott), ou como "sistema aberto" (Thompson) e "contingencial" (Goodlad), quer ainda como "organização cultural" (Crozier e Friedberg), quer mesmo como "escola de serviço público" (Formosinho). É, pois, possível deparar com uma grande quantidade e diversidade de conceitos, de pontos de vista e de teorias sobre a escola como organização. Como veremos e a reduzida enumeração anterior faz antever nem todos os modelos assumem os mesmos princípios ou fundamentos, embora todos pretendam, por caminhos diferentes e até divergentes, atingir os objectivos e finalidades previamente definidos do modo mais fiel e adequado. Igualmente com os menores custos. Portanto, o mais eficaz e eficientemente possível.
Segundo Weber, eram também a eficácia e a eficiência que tornavam a racionalidade burocrática tecnicamente superior a todas os outras formas de organização, semelhante à superioridade da produção mecânica em relação à manual (é evidente a influência da racionalidade taylorista), uma vez que era mais rápida, clara e efectiva, além, naturalmente, da continuidade, da impessoalidade e da imparcialidade com que o funcionário desempenha as suas funções. Como consequência eliminam-se os favoritismos, os actos discricionários, os compadrios ou pressões pessoais. Para tal, recorre-se ao "império da regra" (à semelhança do "império da lei", na teoria do estado (Freire, 1993, p. 76). A burocracia pode ser, segundo o seu criador, o meio mais eficiente para organizar os recursos humanos de forma a obter os fins desejados. Tudo isto constitui os seus méritos.
Estaríamos, pois, perante um modelo perfeito, "aplicável a todas as espécies de tarefas administrativas" (Worsley, 1977: 305), (empresas, organizações de beneficência, hospitais, partidos políticos, forças armadas, escolas, etc.). A perfeição, porém, não é um atributo humano. O modelo weberiano está, por conseguinte, também marcado com o selo da imperfeição humana: tem virtudes e defeitos, méritos e limites.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
In memoriam
Para o Alfonso
Eis-me perante as cinzas em que se tornaram
tuas dores teus dramas teus amores ancorados
no corpo em que moravas deliciado
nos sonhos que inventavas
como se o tempo te envolvesse no solfejo
da sua partitura
e lhe pertencesses sem reservas
e sem rasuras.
Eis-me, meu amigo, perante ti
Vejo-te no sorriso delicado dos abraços
em que nasciam as gargalhadas
em que nos ouvíamos nas conversas
em que nos fazíamos.
Vejo-te inteiro na memória do tempo
sem contornos como se o tempo
fosse apenas a condição de estar vivo
e cronos escapasse à subjugação mecânica
do relógio a que nos acorrentamos
nas minudências dos dias sombrios que nos afundam
esvaziados das promessas
que um dia nos fizemos entre murmúrios
de maresia inalados no sol poente.
Eis-me perante mim
Vejo-te no meu olhar
obscurecido na sombra da tua ausência
iluminado na luz da tua presença
e assim ficamos
abraçados na memória que nos ficou
do tempo eterno que nos sobrou.
É o que nos resta
por agora.
Ambos o sabemos
Eis-me perante as cinzas em que se tornaram
tuas dores teus dramas teus amores ancorados
no corpo em que moravas deliciado
nos sonhos que inventavas
como se o tempo te envolvesse no solfejo
da sua partitura
e lhe pertencesses sem reservas
e sem rasuras.
Eis-me, meu amigo, perante ti
Vejo-te no sorriso delicado dos abraços
em que nasciam as gargalhadas
em que nos ouvíamos nas conversas
em que nos fazíamos.
Vejo-te inteiro na memória do tempo
sem contornos como se o tempo
fosse apenas a condição de estar vivo
e cronos escapasse à subjugação mecânica
do relógio a que nos acorrentamos
nas minudências dos dias sombrios que nos afundam
esvaziados das promessas
que um dia nos fizemos entre murmúrios
de maresia inalados no sol poente.
Eis-me perante mim
Vejo-te no meu olhar
obscurecido na sombra da tua ausência
iluminado na luz da tua presença
e assim ficamos
abraçados na memória que nos ficou
do tempo eterno que nos sobrou.
É o que nos resta
por agora.
Ambos o sabemos
terça-feira, 19 de outubro de 2010
(In)comunicação burocrática na escola - Introdução
"Não há dúvida de que [na escola] os objectivos são confusos e é frequente a inexistência de acordo quanto à sua natureza entre o corpo docente, os pais e as autoridades" (MORRISH, I, 1981.pag.79).
A transposição do modelo burocrático weberiano, caracterizado por um elevado grau de racionalidade e cujo modelo é a racionalidade industrial, económica e técnica (Marcuse) para a escola enfrenta algumas dificuldades. Com efeito, se as próprias organizações empresariais, orientadas para a produção de bens materiais e de consumo, sentem dificuldades em racionalizar a sua actividade, i.é, em determinar, com rigor e segurança, quais os objectivos e os recursos e meios (humanos, técnicos e financeiros) necessários à sua consecução eficaz e eficiente, muito mais difícil se torna fazê-lo na administração escolar, dada a profusão de variáveis e de recursos de que depende (técnicos, financeiros e humanos, como as demais organizações, mas também, pais, professores, alunos e funcionários, autarquias, estado, etc.). De resto, a consideração da escola como organização, na linha das organizações empresariais, não só não é pacífica, como envolve aspectos que a indiciam como complexa, ambígua e polémica. Como veremos, sistémica e contingencial.
Neste sentido, tanto o meio socio-cultural, como o envolvimento e contexto espaço-temporal assumem na escola enquanto organização um papel em larga medida determinante, tanto para a sua estruturação quanto para a sua eficácia e eficiência (Gabarro, 1971 e Baldrige, 1975 in Gomes 1993: 32). Nestas circunstâncias, o recurso a outros modelos organizacionais é uma tentativa para salvaguardar a consecução dos objectivos, previamente definidos, através da mobilização inteligente dos recursos disponíveis. "Na perspectiva da consecução das metas e da sua racionalidade, escreve Costa Rico (1993, p.3), [as escolas] devem ser administradas, i.é, devem ser reguladas e ordenadas através de procedimentos de planificação, organização, direcção, coordenação e controlo tendentes a assegurar o seu óptimo funcionamento".
Poder-se-ia, eventualmente, considerar a escola como um fábrica em que as matérias primas seriam os alunos, os materiais didácticos e os livros os inputs, o processo de transformação estaria na comunicação/discussão entre professores e alunos, tanto individualmente como em grupo, as tarefas dos alunos, inter-acção informal entre eles, discussões, etc. e o produto final (output) tomaria a forma dos alunos educados e, de preferência, idênticos, uniformes e normalizados. Contudo, embora os estudos não abundem, temos a convicção de que a escola não se confunde com as organizações empresariais. Cremos mesmo que nem de uma "empresa educativa" se trata. Com efeito, distintos são os actores, nas suas motivações, objectivos e finalidades, nos seus saberes, funções e conflitos e, ainda, na sua organização grupal e comunicacional, distintos são os meios e os recursos, distintos são os objectivos, os resultados e os produtos. Além do mais, a complexidade organizacional é uma evidência na escola, como o é igualmente a mobilidade e a mudança da maior parte dos actores que nela actuam, sobretudo os professores e os alunos. A própria divisão entre pessoal docente, discente, administrativo e auxiliar aponta para uma complexidade e ambiguidade administrativas que não tem paralelo nas organizações empresariais, nem, por certo, nas militares e hospitalares, apesar das analogias que entre elas se possam estabelecer.
A transposição do modelo burocrático weberiano, caracterizado por um elevado grau de racionalidade e cujo modelo é a racionalidade industrial, económica e técnica (Marcuse) para a escola enfrenta algumas dificuldades. Com efeito, se as próprias organizações empresariais, orientadas para a produção de bens materiais e de consumo, sentem dificuldades em racionalizar a sua actividade, i.é, em determinar, com rigor e segurança, quais os objectivos e os recursos e meios (humanos, técnicos e financeiros) necessários à sua consecução eficaz e eficiente, muito mais difícil se torna fazê-lo na administração escolar, dada a profusão de variáveis e de recursos de que depende (técnicos, financeiros e humanos, como as demais organizações, mas também, pais, professores, alunos e funcionários, autarquias, estado, etc.). De resto, a consideração da escola como organização, na linha das organizações empresariais, não só não é pacífica, como envolve aspectos que a indiciam como complexa, ambígua e polémica. Como veremos, sistémica e contingencial.
Neste sentido, tanto o meio socio-cultural, como o envolvimento e contexto espaço-temporal assumem na escola enquanto organização um papel em larga medida determinante, tanto para a sua estruturação quanto para a sua eficácia e eficiência (Gabarro, 1971 e Baldrige, 1975 in Gomes 1993: 32). Nestas circunstâncias, o recurso a outros modelos organizacionais é uma tentativa para salvaguardar a consecução dos objectivos, previamente definidos, através da mobilização inteligente dos recursos disponíveis. "Na perspectiva da consecução das metas e da sua racionalidade, escreve Costa Rico (1993, p.3), [as escolas] devem ser administradas, i.é, devem ser reguladas e ordenadas através de procedimentos de planificação, organização, direcção, coordenação e controlo tendentes a assegurar o seu óptimo funcionamento".
Poder-se-ia, eventualmente, considerar a escola como um fábrica em que as matérias primas seriam os alunos, os materiais didácticos e os livros os inputs, o processo de transformação estaria na comunicação/discussão entre professores e alunos, tanto individualmente como em grupo, as tarefas dos alunos, inter-acção informal entre eles, discussões, etc. e o produto final (output) tomaria a forma dos alunos educados e, de preferência, idênticos, uniformes e normalizados. Contudo, embora os estudos não abundem, temos a convicção de que a escola não se confunde com as organizações empresariais. Cremos mesmo que nem de uma "empresa educativa" se trata. Com efeito, distintos são os actores, nas suas motivações, objectivos e finalidades, nos seus saberes, funções e conflitos e, ainda, na sua organização grupal e comunicacional, distintos são os meios e os recursos, distintos são os objectivos, os resultados e os produtos. Além do mais, a complexidade organizacional é uma evidência na escola, como o é igualmente a mobilidade e a mudança da maior parte dos actores que nela actuam, sobretudo os professores e os alunos. A própria divisão entre pessoal docente, discente, administrativo e auxiliar aponta para uma complexidade e ambiguidade administrativas que não tem paralelo nas organizações empresariais, nem, por certo, nas militares e hospitalares, apesar das analogias que entre elas se possam estabelecer.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
1970 - 40 anos
Simon and Garfunkel Song for the asking
Há 40 anos foi a última canção do último álbum de originais de Simon and Garfunkel por um dos melhores compositores da pop music.
Há 40 anos foi a última canção do último álbum de originais de Simon and Garfunkel por um dos melhores compositores da pop music.
(In)comunicação burocrática na escola -Apresentação
Vêm aí tempos em que muito falará de burocracia. Tem sido sempre assim quando a ADD sai do turpor em que habitualmente se encontra.
O propósito do texto que agora começo a colocar aqui prende-se com a convicção segundo a qual a burocracia que caracteriza a organização da escola e da educação ser intrínseca e, livre-nos Deus, endémica ou, se preferirem, orgânica. É como se se tivesse instalado na estrutura orgânica (se de um organismo se tratar o que está longe de ser evidente) da organização escola e da educação e sem ela não pudesse já ser entendida ou considerada. Não deveria ser assim, deveríamos (ou deveremos?!) fazer com que assim não fosse. Claro. Todos estaremos de acordo. Contudo, voltamos à velha distinção kantiana entre “ser” e “dever ser”: o primeiro refere-se à realidade que nos é possível conhecer, à que empiricamente nos é dada; o segundo volta-se para o domínio ético, para o empenhamento livre e pessoal. O primeiro está marcado por uma certa passividade nossa, ou mais kantiano, uma “receptividade”, agora em relação ao “dever” não há passividade que nos possa valer: ou se é activo e, portanto, interventivo ou não há ética para ninguém. (Pois claro estão a pensar bem: nem toda a intervenção é eticamente louvável. Claro que também haverá quem esteja a pensar que mesmo não sendo louvável não deixa de ser uma ética. Bom, é melhor regressar a Kant…)
O texto que agora inicia a sua divulgação aqui já não é recente. Exponho-o sem alterações justamente porque, apesar de ter sido escrito para uma finalidade académica precisa há mais de uma década, me parecer ser interessante confrontá-lo com a actualidade e constatar quão distantes ou próximos estamos dele. Apresento-o em fragmentos (como os anteriores de resto) aproveitando a sua estrutura inicial. Para quem gosta de perspectivar a globalidade aqui vai:
Introdução
1. Burocracia na escola
1.1 Características principais das organizações burocráticas
1.2 Limites e disfunções da burocracia
1.3 E a escola?
2. A escola como sistema aberto e contingencial
Conclusão.
Sejam bem-vindos.
O propósito do texto que agora começo a colocar aqui prende-se com a convicção segundo a qual a burocracia que caracteriza a organização da escola e da educação ser intrínseca e, livre-nos Deus, endémica ou, se preferirem, orgânica. É como se se tivesse instalado na estrutura orgânica (se de um organismo se tratar o que está longe de ser evidente) da organização escola e da educação e sem ela não pudesse já ser entendida ou considerada. Não deveria ser assim, deveríamos (ou deveremos?!) fazer com que assim não fosse. Claro. Todos estaremos de acordo. Contudo, voltamos à velha distinção kantiana entre “ser” e “dever ser”: o primeiro refere-se à realidade que nos é possível conhecer, à que empiricamente nos é dada; o segundo volta-se para o domínio ético, para o empenhamento livre e pessoal. O primeiro está marcado por uma certa passividade nossa, ou mais kantiano, uma “receptividade”, agora em relação ao “dever” não há passividade que nos possa valer: ou se é activo e, portanto, interventivo ou não há ética para ninguém. (Pois claro estão a pensar bem: nem toda a intervenção é eticamente louvável. Claro que também haverá quem esteja a pensar que mesmo não sendo louvável não deixa de ser uma ética. Bom, é melhor regressar a Kant…)
O texto que agora inicia a sua divulgação aqui já não é recente. Exponho-o sem alterações justamente porque, apesar de ter sido escrito para uma finalidade académica precisa há mais de uma década, me parecer ser interessante confrontá-lo com a actualidade e constatar quão distantes ou próximos estamos dele. Apresento-o em fragmentos (como os anteriores de resto) aproveitando a sua estrutura inicial. Para quem gosta de perspectivar a globalidade aqui vai:
Introdução
1. Burocracia na escola
1.1 Características principais das organizações burocráticas
1.2 Limites e disfunções da burocracia
1.3 E a escola?
2. A escola como sistema aberto e contingencial
Conclusão.
Sejam bem-vindos.
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Talvez poema
Estranho entre estranhos
vagueio sem rumo pela cidade
Ninguém me conhece não conheço ninguém
E, contudo, algo me liga a esta gente que desliza
de rosto cerrado perseguindo a sombra
de um destino que lhe escapa.
Olho-me nesses rostos
nocturnos que descem as avenidas
e vejo-me sozinho
estranho entre estranhos
no meio da solidão
que desliza anónima até ao rio
e se afoga no mar
sem memória e sem remédio.
A guitarra que grita desafinada
no beco adormecido assalta-me o peito
indefeso e nele deposita a sombra
dos dias de cinza em que me vejo
estranho entre estranhos
vagueando pela cidade sem rumo e sem destino.
(Será apenas a mim que esta angústia
atormenta como a chuva miudinha
que me molha sem piedade debaixo do guarda-chuva?)
vagueio sem rumo pela cidade
Ninguém me conhece não conheço ninguém
E, contudo, algo me liga a esta gente que desliza
de rosto cerrado perseguindo a sombra
de um destino que lhe escapa.
Olho-me nesses rostos
nocturnos que descem as avenidas
e vejo-me sozinho
estranho entre estranhos
no meio da solidão
que desliza anónima até ao rio
e se afoga no mar
sem memória e sem remédio.
A guitarra que grita desafinada
no beco adormecido assalta-me o peito
indefeso e nele deposita a sombra
dos dias de cinza em que me vejo
estranho entre estranhos
vagueando pela cidade sem rumo e sem destino.
(Será apenas a mim que esta angústia
atormenta como a chuva miudinha
que me molha sem piedade debaixo do guarda-chuva?)
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Páginas de Caderno
Compromisso
Tenho um compromisso comigo e com os meus alunos: ajudá-los a crescer com o que lhes ensino.
O que lhes ensino vai muito além dos conteúdos programáticos e disciplinares. O que lhes ensino está para além da classificação que corresponde à avaliação que faço do empenhamento e saber de cada um. O que lhes ensino provém da filosofia mas está apara além dos conteúdos programáticos dessa disciplina.
Ensino-lhes a viver, a pensar, a ser homem e mulher eticamente louváveis, sem receio de se verem olhos nos olhos no espelho.
Ensino-lhes a diferença como condição da eticidade do agir, como razão de ser do que se é.
Ensino-lhes o respeito pelo outro, por aquele que não sou eu, por tudo o que me é distinto.
Ensino-lhes a liberdade como “princípio supremo da moralidade” - liberdade de ser, de pensar, de dizer e de fazer.
Ensino-lhes a solidariedade como valor central do reconhecimento da nossa historicidade frágil de homens que se reconhecem imperfeitos, limitados, inacabados, em construção uns com os outros, todos com todos nas suas especificidades.
Ensino-lhes o presente como a dimensão do tempo em que nos é destinado viver.
Ensino-lhes a dinâmica do tempo na sua historicidade e devir no qual todo o presente se faz passado e todo o futuro se fará presente, se se fizer, se se realizar, se se actualizar.
Ensino-lhes a palavra como condição de humanidade no dizer que fazemos uns com os outros.
Ensino-lhes a auto-estima nos textos que constroem. Inicialmente pouco consistentes, hesitantes, descoordenados; depois cada vez mais coerentes, articulados, profundos. Claro que nem todos chegam ao mesmo nível. Mas é também claro que, de modos diferentes, os textos exprimem um amadurecimento intelectual e pessoal que me fazem confiar na dimensão formativa essencial da escrita no crescimento global das crianças e adolescentes.
Ensino-lhes a autonomia como condição da sua própria dignidade pessoal e dos valores que a sustentam: a liberdade, a solidariedade, o respeito, a tolerância.
Ensino-lhes a tolerância como condição da douta ignorância em que se funde todo o processo de busca e construção dos modos de ser, pensar, dizer e fazer.
Ensino-lhes que só quem sabe que não sabe, quem tem a humildade de reconhecer o que sabe como um passo para mais saber está em condições de se construir permanentemente em busca e um aperfeiçoamento progressivo, sem fim.
Ensino-lhes que a humildade é irmã gémea (talvez siamesa) da humilhação e que, portanto, não é necessariamente uma virtude e que, portanto, é necessário manter a humildade nos limites da douta ignorância, nos limites da dignidade e da responsabilidade, reconhecendo-a como passo importante no crescimento pessoal, não como desvalorização humilhante perante o outro e si próprio.
Ensino-lhes que a humildade é uma qualidade ética e a humilhação é uma afirmação de força, de poder. Aquela resulta da nossa disponibilidade para crescer e é, por isso, expressão da nossa força; esta é o resultado da nossa fraqueza.
Ensino-lhes que a ignorância que não se reconhece, que se acha sábia, que nunca tem dúvidas, que nunca se engana é sempre arrogante.
Ensino-lhes o efémero da vida humana e a importância do aprender com aqueles que o tempo não esmagou e cuja memória resiste à usura quotidiana.
Ensino-lhes o rigor e a disciplina como condição de equilíbrio entre o desejo e o dever, entre o ócio e o trabalho, entre o divertimento e o estudo.
Ensino-lhes o estudar e o aprender como condição de crescimento e de elevação pessoal.
Ensino-lhes a vida.
E neste ensinar me vou também alimentando e fazendo.
Tenho um compromisso comigo e com os meus alunos: ajudá-los a crescer com o que lhes ensino.
O que lhes ensino vai muito além dos conteúdos programáticos e disciplinares. O que lhes ensino está para além da classificação que corresponde à avaliação que faço do empenhamento e saber de cada um. O que lhes ensino provém da filosofia mas está apara além dos conteúdos programáticos dessa disciplina.
Ensino-lhes a viver, a pensar, a ser homem e mulher eticamente louváveis, sem receio de se verem olhos nos olhos no espelho.
Ensino-lhes a diferença como condição da eticidade do agir, como razão de ser do que se é.
Ensino-lhes o respeito pelo outro, por aquele que não sou eu, por tudo o que me é distinto.
Ensino-lhes a liberdade como “princípio supremo da moralidade” - liberdade de ser, de pensar, de dizer e de fazer.
Ensino-lhes a solidariedade como valor central do reconhecimento da nossa historicidade frágil de homens que se reconhecem imperfeitos, limitados, inacabados, em construção uns com os outros, todos com todos nas suas especificidades.
Ensino-lhes o presente como a dimensão do tempo em que nos é destinado viver.
Ensino-lhes a dinâmica do tempo na sua historicidade e devir no qual todo o presente se faz passado e todo o futuro se fará presente, se se fizer, se se realizar, se se actualizar.
Ensino-lhes a palavra como condição de humanidade no dizer que fazemos uns com os outros.
Ensino-lhes a auto-estima nos textos que constroem. Inicialmente pouco consistentes, hesitantes, descoordenados; depois cada vez mais coerentes, articulados, profundos. Claro que nem todos chegam ao mesmo nível. Mas é também claro que, de modos diferentes, os textos exprimem um amadurecimento intelectual e pessoal que me fazem confiar na dimensão formativa essencial da escrita no crescimento global das crianças e adolescentes.
Ensino-lhes a autonomia como condição da sua própria dignidade pessoal e dos valores que a sustentam: a liberdade, a solidariedade, o respeito, a tolerância.
Ensino-lhes a tolerância como condição da douta ignorância em que se funde todo o processo de busca e construção dos modos de ser, pensar, dizer e fazer.
Ensino-lhes que só quem sabe que não sabe, quem tem a humildade de reconhecer o que sabe como um passo para mais saber está em condições de se construir permanentemente em busca e um aperfeiçoamento progressivo, sem fim.
Ensino-lhes que a humildade é irmã gémea (talvez siamesa) da humilhação e que, portanto, não é necessariamente uma virtude e que, portanto, é necessário manter a humildade nos limites da douta ignorância, nos limites da dignidade e da responsabilidade, reconhecendo-a como passo importante no crescimento pessoal, não como desvalorização humilhante perante o outro e si próprio.
Ensino-lhes que a humildade é uma qualidade ética e a humilhação é uma afirmação de força, de poder. Aquela resulta da nossa disponibilidade para crescer e é, por isso, expressão da nossa força; esta é o resultado da nossa fraqueza.
Ensino-lhes que a ignorância que não se reconhece, que se acha sábia, que nunca tem dúvidas, que nunca se engana é sempre arrogante.
Ensino-lhes o efémero da vida humana e a importância do aprender com aqueles que o tempo não esmagou e cuja memória resiste à usura quotidiana.
Ensino-lhes o rigor e a disciplina como condição de equilíbrio entre o desejo e o dever, entre o ócio e o trabalho, entre o divertimento e o estudo.
Ensino-lhes o estudar e o aprender como condição de crescimento e de elevação pessoal.
Ensino-lhes a vida.
E neste ensinar me vou também alimentando e fazendo.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Recomeço
Regresso hoje ao convívio dos amigos e visitantes deste cantinho blogosférico confiando na benevolência de todos e esperando continuar a merecer a vossa estima, após tamanha ausência da escrita (não da leitura) aqui e nos vossos jardins.
O regresso é sempre um recomeço. Como se alguma coisa tivesse ficado inacabada e a ela voltássemos no regresso de uma viagem que empreendêramos no silêncio do tempo que nos transporta além da vontade, arrastados por circunstâncias que nos habitam os dias em que nos fazemos, alentados na consciência da inevitabilidade da viagem e na crença do regresso. E recomeçamos. É o fado.
O regresso é sempre um recomeço. Como se alguma coisa tivesse ficado inacabada e a ela voltássemos no regresso de uma viagem que empreendêramos no silêncio do tempo que nos transporta além da vontade, arrastados por circunstâncias que nos habitam os dias em que nos fazemos, alentados na consciência da inevitabilidade da viagem e na crença do regresso. E recomeçamos. É o fado.
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
A vida na estrada
Vi este vídeo no Em@. É impossível ficar indeferente a tais imagens de dor e de perda.
Compete-nos fazer a nossa parte para que o drama não se dê.
Mesmo desconhecendo o que o futuro nos destina.
Em boa verdade, é essa incapacidade de dominar o tempo que nos impõe o imperativo de zelar para que o nosso agir possa impedir a desgraça. Como um dever.
Compete-nos fazer a nossa parte para que o drama não se dê.
Mesmo desconhecendo o que o futuro nos destina.
Em boa verdade, é essa incapacidade de dominar o tempo que nos impõe o imperativo de zelar para que o nosso agir possa impedir a desgraça. Como um dever.
sábado, 31 de julho de 2010
Talvez poema
Espelho
Olho-me no teu olhar e
não me reconheço.
O tempo passou por mim
deixando marcas
no rosto e no olhar.
A vida já não é o tempo
que há-de vir.
A vida bebo-a em cada instante
do tempo em que me vejo
nos passos que dou presos à sombra
como um cão de guarda fiel
ao dono que o alimenta
e estima.
O tempo a ti, pelo contrário,
adoçou-te os gestos e o olhar.
São agora borboletas construindo arco-íris
em campos de hortências e alfazema.
Olho-me no teu olhar e
não me reconheço
nos caminhos que habito
nos sonhos que invento.
E fico só.
Olho-me no teu olhar e
não me reconheço.
O tempo passou por mim
deixando marcas
no rosto e no olhar.
A vida já não é o tempo
que há-de vir.
A vida bebo-a em cada instante
do tempo em que me vejo
nos passos que dou presos à sombra
como um cão de guarda fiel
ao dono que o alimenta
e estima.
O tempo a ti, pelo contrário,
adoçou-te os gestos e o olhar.
São agora borboletas construindo arco-íris
em campos de hortências e alfazema.
Olho-me no teu olhar e
não me reconheço
nos caminhos que habito
nos sonhos que invento.
E fico só.
1970 - 40 anos
Há 40 anos foi Traz outro amigo também e o Canto moço nele.
Para sonhar com a memória.
Para sonhar com a memória.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Daniel Faria
Daniel Faria (10 de Abril de 1971-9 de Junho de 1999) é um poeta, um enorme poeta. De uma melancolia triste herdeira do Só, as palavras afundam-se na nossa condição de homens como sementes do pão com que saciamos a fome de viver. São assim os grandes poetas. Batem-nos por dentro no estômago, na cabeça, no coração, no corpo inteiro. E batem forte até estremecermos de fragilidade, da fragilidade que nos magoa ante a beleza tamanha da flor de cerejeira. É assim Daniel Faria na serôdia maturidade dos seus 28 anos. É assim nas palavras prenhes de vida e de morte, especialmente de morte, com que veste a sua humana metafísica de dúvidas. Era assim na sua figura frágil de eremita carregando o peso todo da sua condição inquieta.
De um livro lindíssimo - Legenda para uma casa habitada -, que tem a Igreja de Sta Maria, projecto de Álvaro Siza Vieira em Marco de Canaveses, como pano de fundo e publica os poemas com que Daniel Faria venceu o concurso A Casa de Deus (1990), retiro as palavras de Sophia, que lhe servem de prefácio (juntamente com as de Mário Cláudio e de Nuno Higino, co-autor do projecto (ele não gosta de o ser), enquanto pároco da paróquia onde foi construída):
“Não são versos apenas misteriosos mas versos que põem o mistério a ressoar em redor de nós, poemas que nos inquietam um pouco, ou como diria Sócrates “que não nos deixam dormir”
Para que visses
Tão sinuosos como o interior dos búzios
E o dispersar assustado dos cardumes
Os olhos onde já não estão
Nem eles próprios nem outros
A florir
Versos que convocaam a vida entrelaçada das criaturas da natureza, às vezes tão leves que mal os compreendemos outras vezes tão reais que ouvimos o zumbido das abelhas e a sua cólera – ou o verso sobre a formiga que carrega a ordem e armazena a fadiga – ou o verso da flor tão lírico que brilha de evidência
Se fosse pássaro baterias as asas para destruir a armadilha
Se fosses insecto deixarias círculos apenas ao redor da luz
Se fosses abelha farias zumbir a revolta
Mas és voo pela sombra
Se fosses formiga carregarias a ordem, armazenarias a fadiga
Se fosses flor polinizarias a terra
Serias coroa incorruptível
Se fosses flor através das estações
Agora está morto e lembro claramente o corte de dor que me anunciou a sua morte. Era um poeta muito mais novo do que eu por isso muitas vezes fala uma linguagem desconhecida, mas a densidade dos seus poemas como uma aparição súbita mostra aqueles fragmentos que a nossa alma relembrará
Ainda que adormeçam os pastores
Não se há-de tresmalhar a canção
Do forasteiro
Sei bem que não mereço um dia entrar no céu
Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra”
Sophia de Mello Breyner Andresen
Acrescento este:
Eu peneiro o espírito e crivo o ritmo
Do sangue no amor, o movimento para fora
O desabrigo completo. Peneiro os múltiplos
Sentidos da palavra que sopra a sua voz
Nos pulsos. Crivo a pulsação do canto
E encontro
O silêncio inigualável de quem escuta
Eis porque as minhas entranhas vibram de modo igual
Ao da cítara
Eu peneiro as entranhas e encontro a dor
De quem toca a cítara. A frágil raiz
De quem criva horas e horas a vida e encontra
A corda mais azul, a veia inesgotável
De quem ama
Encontro o silêncio nas entranhas de quem canta
Eis porque o amor vibra no espírito de quem criva
O músico incompleto peneira a ideia das formas
Eu sopro a água viva. Crivo
O sofrimento demorado do canto
Encontro o mistério
Da cítara
Daniel Faria
De um livro lindíssimo - Legenda para uma casa habitada -, que tem a Igreja de Sta Maria, projecto de Álvaro Siza Vieira em Marco de Canaveses, como pano de fundo e publica os poemas com que Daniel Faria venceu o concurso A Casa de Deus (1990), retiro as palavras de Sophia, que lhe servem de prefácio (juntamente com as de Mário Cláudio e de Nuno Higino, co-autor do projecto (ele não gosta de o ser), enquanto pároco da paróquia onde foi construída):
“Não são versos apenas misteriosos mas versos que põem o mistério a ressoar em redor de nós, poemas que nos inquietam um pouco, ou como diria Sócrates “que não nos deixam dormir”
Para que visses
Tão sinuosos como o interior dos búzios
E o dispersar assustado dos cardumes
Os olhos onde já não estão
Nem eles próprios nem outros
A florir
Versos que convocaam a vida entrelaçada das criaturas da natureza, às vezes tão leves que mal os compreendemos outras vezes tão reais que ouvimos o zumbido das abelhas e a sua cólera – ou o verso sobre a formiga que carrega a ordem e armazena a fadiga – ou o verso da flor tão lírico que brilha de evidência
Se fosse pássaro baterias as asas para destruir a armadilha
Se fosses insecto deixarias círculos apenas ao redor da luz
Se fosses abelha farias zumbir a revolta
Mas és voo pela sombra
Se fosses formiga carregarias a ordem, armazenarias a fadiga
Se fosses flor polinizarias a terra
Serias coroa incorruptível
Se fosses flor através das estações
Agora está morto e lembro claramente o corte de dor que me anunciou a sua morte. Era um poeta muito mais novo do que eu por isso muitas vezes fala uma linguagem desconhecida, mas a densidade dos seus poemas como uma aparição súbita mostra aqueles fragmentos que a nossa alma relembrará
Ainda que adormeçam os pastores
Não se há-de tresmalhar a canção
Do forasteiro
Sei bem que não mereço um dia entrar no céu
Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra”
Sophia de Mello Breyner Andresen
Acrescento este:
Eu peneiro o espírito e crivo o ritmo
Do sangue no amor, o movimento para fora
O desabrigo completo. Peneiro os múltiplos
Sentidos da palavra que sopra a sua voz
Nos pulsos. Crivo a pulsação do canto
E encontro
O silêncio inigualável de quem escuta
Eis porque as minhas entranhas vibram de modo igual
Ao da cítara
Eu peneiro as entranhas e encontro a dor
De quem toca a cítara. A frágil raiz
De quem criva horas e horas a vida e encontra
A corda mais azul, a veia inesgotável
De quem ama
Encontro o silêncio nas entranhas de quem canta
Eis porque o amor vibra no espírito de quem criva
O músico incompleto peneira a ideia das formas
Eu sopro a água viva. Crivo
O sofrimento demorado do canto
Encontro o mistério
Da cítara
Daniel Faria
quarta-feira, 28 de julho de 2010
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Caravaggio
Homenagem ao mestre do "tenebrismo"
no mês do 4º centenário da sua morte (18/ 07/1610).
(29/09/1571-Caravaggio - 18/ 07/1610-Lombardia , Porto Ercole)
Michelangelo Merisi nasceu na pequena aldeia lombarda de Caravaggio, cujo nome depois adotou. Aos 12 anos, seu pai, mestre de obras, o inscreveu no ateliê de Simone Peterzano, um modesto pintor que se intitulava "discípulo de Ticiano".
Por volta dos 15 anos, Caravaggio foge para Roma, onde passa de um ateliê a outro e troca inúmeras vezes de protetor. Suas primeiras obras conhecidas mostram independência em relação à representação católica tradicional e causaram escândalo, gerando conflito com os cânones artísticos da época e dividindo o público entre admiradores e inimigos.
Considerado tanto fascinante quanto turbulento, o artista estava sempre envolvido em duelos e discussões. "Não sou um pintor valentão, como me chamam, mas sim um pintor valente, isto é, que sabe pintar bem e imitar bem as coisas naturais", disse Caravaggio perante o tribunal que julgava sua primeira acusação de perturbar a ordem pública.
Após um período inicial de miséria, quando chegou a vender pinturas nas ruas, ele passa a trabalhar para o cardeal Del Monte, patrono da escola de pintores de Roma, a "Academia de São Lucas". Com um aposento no "palazzo" do cardeal e uma pensão regular, Caravaggio realiza uma série de importantes quadros de temática religiosa.
Uma das características mais importantes de suas pinturas é retratar o aspecto mundano dos eventos bíblicos usando o povo comum das ruas de Roma: vendedores, músicos ambulantes, ciganos, prostitutas. Outra característica marcante são os efeitos de iluminação criados pelo jogo de luzes e sombras, que causam um impacto realista em seus quadros.
Ele geralmente usava um fundo escuro e agrupava a cena em primeiro plano com focos de luz sobre os detalhes, ressaltando principalmente os rostos. Estes efeitos receberam o nome de tenebrismo.
Caravaggio frequentou tanto ambientes cultos e refinados como as tavernas romanas. Usava roupas extravagantes e chapéus de feltro com abas largas. Exibia uma espada na cintura e carregava um cachorro no colo.
Com a vida boémia e afundado em dívidas, começa a decadência. Recusa a oferta do príncipe Doria Pamphili para decorar uma parte de seu palácio (hoje sede da embaixada brasileira na Itália) e insiste em pintar "quadros verdadeiros", certo de encontrar compradores.
Sua situação piora em 1606, quando ele mata o nobre Tommasoni, durante um jogo de pallacorda, antepassado do ténis. Ferido, foge para Nápoles e enquanto seu perdão era pleiteado em Roma, se dirige à ilha de Malta, onde recebe a Cruz de Malta.
Pouco depois tem problemas com um nobre maltês e é preso. Ajudado por amigos, foge para a Sicília. Muda de cidade seguidamente: de Siracusa a Messina, daí a Palermo, depois retorna a Nápoles, no outono de 1609.
Os sicários do cavaleiro maltês ultrajado descobrem, porém, seu esconderijo e, perto de uma taverna, ferem-no a espada. Recolhido e medicado, convalescia quando a notícia de que o papa estava prestes a conceder-lhe perdão e permitir-lhe o regresso a Roma animou-o a deixar Nápoles por via marítima.
Todavia, não totalmente recuperado, vertendo sangue e minado pela malária, Caravaggio morre numa praia deserta próxima de Roma, aos 39 anos.
sábado, 24 de julho de 2010
Opacidade e transparência - Conclusão
Conclusão
“Ensinar com seriedade é lidar no que existe de mais vital num ser humano. É procurar acesso ao âmago da integridade de uma criança ou de um adulto. Um Mestre invade e pode devastar de modo a purificar e a reconstruir. O mau ensino, a rotina pedagógica, esse tipo de instrução que, conscientemente ou não, é cínico nos seus objectivos puramente utilitários, é ruinosa. Arranca a esperança pela raiz. O mau ensino é, quase literalmente, criminoso e, metaforicamente, um pecado” (G, Steiner, 2005: 25).
Ora, se, como defendemos, é na linguagem que o processo de ensinar e de aprender se desenvolve e se ela não é unívoca nem transparente a “boa” ou “má” educação promovida na relação pedagógica está necessariamente dependente do modo como o professor dinamizar a construção do sentido no confronto dialógico com o aluno, como dinamizar a emanação do sentido no confronto dos mundos que as diferentes linguagens (audio-visual/adolescente e verbal/adulto) pensam, dizem e fazem.
É, de resto, neste esforço sisífico de permanentemente querer mostrar o sentido que teimosamente se esconde na opacidade da linguagem que a educação e a relação pedagógica se justificam. Com efeito, se a transparência da linguagem formal nos mostrasse na sua abstracção e univocidade a plenitude do real tornar-se-ia excedentária e inútil outra abordagem. Do mesmo modo, seriam excedentários e inúteis os processos de aprender e de ensinar os modelos de inteligibilidade do real que a escola persegue. Sem nada para esconder, sem nada para mostrar, a realidade esgotar-se-ia num saber absoluto e eterno. Portanto, num saber que, tendo perdido o seu carácter histórico, se esvaziaria da sua humanidade precária, livre e solidária.
Se assim não fosse como entender nos zeros e uns da linguagem informática e na univocidade dos signos matemáticos esta história que Perelman nos apresenta como verdadeira? "Os pais, conta Chaïm Perelman, foram à estação esperar o regresso do seu jovem filho após uma longa ausência no estrangeiro. Quando o filho apareceu na porta da carruagem, o pai não pôde conter lágrimas de emoção. Vendo isso a mãe exclamou: «vejo agora que não só uma mãe é uma mãe, como também um pai é um pai»".
Como entender também o não-dito que persistentemente se esconde no dizer do filósofo, do pintor, do músico ou do poeta? Como entender fora da linguagem natural que nos move e nos aproxima solidariamente num jogo de cumplicidades, o dizer encantado do poema de Herberto Helder com que gostaria de encerrar a minha comunicação?
No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
por meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.
Bibliografia Referenciada
ARENDT, Hannah 2000 “Crise na Educação” in AAVV Quatro Textos Excêntricos, Lisboa, Relógio d’ Água
BOUGNOUX, Daniel 1993 Sciences de l'Information et de la Communication, Paris, Larousse
GADAMER, Hans-Georg 1976 Vérité et Méthode, Paris, Seuil
HELDER, Herberto "Fonte II" in Poesia Toda, Lisboa, Assírio e Alvim
HABERMAS, Jürgen 1993 "A Ideia da Universidade - Processos de Aprendizagem", Colóquio Educação e Sociedade, 3-Junho 1993, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 35-66
HEIDEGGER, Martin 1962 Introducción a la Metafísica, Buenos Aires, ED. Nova
HEIDEGGER, Martin 1959 Chemins qui ne Mènent Nulle Part, Paris, Gallimard
HEIDEGGER, Martin 1973 Carta sobre o Humanismo, Porto, Guimarães Ed.
La BORDERIE, René s/d "Poderá falar-se de Comunicação Educativa?", Colóquio Educação e Sociedade, nº 5 Março de 1994, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 30-86
LAZAR, Judith 1994 Escola Comunicação Televisão, Porto, Rés
JACQUES, Francis 1982 Différence et Subjectivitée, Paris, Aubier
POPPER, K. KONDRY, J 1999 Televisão: um perigo para a democracia, Lisbo, Gradiva
RICOEUR, Paul 1987 Teoria da Interpretação, Lisboa, Ed. 70
STEINER, George1993 Presenças Reais, Lisboa, Presença
STEINER, George 2002 Gramáticas da Criação, Lisboa, Relógio d’Água
STEINER, George 2005 As Lições dos Mestres, Lisboa, Gradiva
STEINER, G., LADJALI, C 2004 Elogio da Transmissão, Lisboa, D. Quixote
WITTGENSTEIN, Ludwig 1995 Tratado Lógico Filosófico* Investigações Filosóficas, Lisboa, Fundação CalousteGulbenkian
“Ensinar com seriedade é lidar no que existe de mais vital num ser humano. É procurar acesso ao âmago da integridade de uma criança ou de um adulto. Um Mestre invade e pode devastar de modo a purificar e a reconstruir. O mau ensino, a rotina pedagógica, esse tipo de instrução que, conscientemente ou não, é cínico nos seus objectivos puramente utilitários, é ruinosa. Arranca a esperança pela raiz. O mau ensino é, quase literalmente, criminoso e, metaforicamente, um pecado” (G, Steiner, 2005: 25).
Ora, se, como defendemos, é na linguagem que o processo de ensinar e de aprender se desenvolve e se ela não é unívoca nem transparente a “boa” ou “má” educação promovida na relação pedagógica está necessariamente dependente do modo como o professor dinamizar a construção do sentido no confronto dialógico com o aluno, como dinamizar a emanação do sentido no confronto dos mundos que as diferentes linguagens (audio-visual/adolescente e verbal/adulto) pensam, dizem e fazem.
É, de resto, neste esforço sisífico de permanentemente querer mostrar o sentido que teimosamente se esconde na opacidade da linguagem que a educação e a relação pedagógica se justificam. Com efeito, se a transparência da linguagem formal nos mostrasse na sua abstracção e univocidade a plenitude do real tornar-se-ia excedentária e inútil outra abordagem. Do mesmo modo, seriam excedentários e inúteis os processos de aprender e de ensinar os modelos de inteligibilidade do real que a escola persegue. Sem nada para esconder, sem nada para mostrar, a realidade esgotar-se-ia num saber absoluto e eterno. Portanto, num saber que, tendo perdido o seu carácter histórico, se esvaziaria da sua humanidade precária, livre e solidária.
Se assim não fosse como entender nos zeros e uns da linguagem informática e na univocidade dos signos matemáticos esta história que Perelman nos apresenta como verdadeira? "Os pais, conta Chaïm Perelman, foram à estação esperar o regresso do seu jovem filho após uma longa ausência no estrangeiro. Quando o filho apareceu na porta da carruagem, o pai não pôde conter lágrimas de emoção. Vendo isso a mãe exclamou: «vejo agora que não só uma mãe é uma mãe, como também um pai é um pai»".
Como entender também o não-dito que persistentemente se esconde no dizer do filósofo, do pintor, do músico ou do poeta? Como entender fora da linguagem natural que nos move e nos aproxima solidariamente num jogo de cumplicidades, o dizer encantado do poema de Herberto Helder com que gostaria de encerrar a minha comunicação?
No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
por meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.
Bibliografia Referenciada
ARENDT, Hannah 2000 “Crise na Educação” in AAVV Quatro Textos Excêntricos, Lisboa, Relógio d’ Água
BOUGNOUX, Daniel 1993 Sciences de l'Information et de la Communication, Paris, Larousse
GADAMER, Hans-Georg 1976 Vérité et Méthode, Paris, Seuil
HELDER, Herberto "Fonte II" in Poesia Toda, Lisboa, Assírio e Alvim
HABERMAS, Jürgen 1993 "A Ideia da Universidade - Processos de Aprendizagem", Colóquio Educação e Sociedade, 3-Junho 1993, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 35-66
HEIDEGGER, Martin 1962 Introducción a la Metafísica, Buenos Aires, ED. Nova
HEIDEGGER, Martin 1959 Chemins qui ne Mènent Nulle Part, Paris, Gallimard
HEIDEGGER, Martin 1973 Carta sobre o Humanismo, Porto, Guimarães Ed.
La BORDERIE, René s/d "Poderá falar-se de Comunicação Educativa?", Colóquio Educação e Sociedade, nº 5 Março de 1994, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 30-86
LAZAR, Judith 1994 Escola Comunicação Televisão, Porto, Rés
JACQUES, Francis 1982 Différence et Subjectivitée, Paris, Aubier
POPPER, K. KONDRY, J 1999 Televisão: um perigo para a democracia, Lisbo, Gradiva
RICOEUR, Paul 1987 Teoria da Interpretação, Lisboa, Ed. 70
STEINER, George1993 Presenças Reais, Lisboa, Presença
STEINER, George 2002 Gramáticas da Criação, Lisboa, Relógio d’Água
STEINER, George 2005 As Lições dos Mestres, Lisboa, Gradiva
STEINER, G., LADJALI, C 2004 Elogio da Transmissão, Lisboa, D. Quixote
WITTGENSTEIN, Ludwig 1995 Tratado Lógico Filosófico* Investigações Filosóficas, Lisboa, Fundação CalousteGulbenkian
Ai se eles a vestem!...
Ser invisível. Espreitar, vigiar, controlar qual olho panótico que tudo vê e tudo sabe sem se denunciar, sem estar. Está mas não está. Vê mas não é visto.
Do uso histórico das descobertas e invenções que o génio humano foi fazendo levam-me a suspeitar do pior para a invisibildade que a notícia que se segue inspira. Já imaginaram um exército totalmente equipado com o arsenal bélico mais moderno e mortífero que as mentes militares produzirem mas invisível a combater outro exército igualmente equipado também invisível?!...
É melhor nem pensar nisso.
Deixemos os sonhos colorirem os fantasmas.
"Cientistas criam capa que torna objectos invisíveis
Investigadores da Universidade Tecnológica do Michigan, nos Estados Unidos, desenvolveram uma capa não metálica que usa ressonadores feitos de vidro calcogeneto, um tipo de material que não conduz electricidade. A capa torna os objectos invisíveis.
Em simulações feitas através do computador, a capa fez objectos atingidos por ondas infravermelhas deixarem de ser vistos a olho nu.
A capa foi criada com metamaterial, substâncias criadas artificialmente e que têm características peculiares que não são encontradas na natureza, composto por "pequenos ressonadores de vidro" distribuídos numa forma concêntrica como um cilindro.
Segundo a equipa que realizou o projecto, o dispositivo produz a ressonância magnética necessária para moldar as ondas de luz à volta do objecto, tornando-o invisível.
A tecnologia pode permitir, no futuro, a criação de equipamentos invisíveis para polícias e grupos especiais de segurança, refere o Portal Terra".
Daqui
Do uso histórico das descobertas e invenções que o génio humano foi fazendo levam-me a suspeitar do pior para a invisibildade que a notícia que se segue inspira. Já imaginaram um exército totalmente equipado com o arsenal bélico mais moderno e mortífero que as mentes militares produzirem mas invisível a combater outro exército igualmente equipado também invisível?!...
É melhor nem pensar nisso.
Deixemos os sonhos colorirem os fantasmas.
"Cientistas criam capa que torna objectos invisíveis
Investigadores da Universidade Tecnológica do Michigan, nos Estados Unidos, desenvolveram uma capa não metálica que usa ressonadores feitos de vidro calcogeneto, um tipo de material que não conduz electricidade. A capa torna os objectos invisíveis.
Em simulações feitas através do computador, a capa fez objectos atingidos por ondas infravermelhas deixarem de ser vistos a olho nu.
A capa foi criada com metamaterial, substâncias criadas artificialmente e que têm características peculiares que não são encontradas na natureza, composto por "pequenos ressonadores de vidro" distribuídos numa forma concêntrica como um cilindro.
Segundo a equipa que realizou o projecto, o dispositivo produz a ressonância magnética necessária para moldar as ondas de luz à volta do objecto, tornando-o invisível.
A tecnologia pode permitir, no futuro, a criação de equipamentos invisíveis para polícias e grupos especiais de segurança, refere o Portal Terra".
Daqui
sexta-feira, 23 de julho de 2010
Talvez Poema
Nem tudo nos cabe na memória.
Há, contudo, vivências que nunca nos largam
que nos habitam os gestos
nos seguem os passos
nos marcam os dias
e em nós vivem
com a mesma frescura
a mesma luz
a mesma ternura
da primeira vez.
Com elas alimentamos os sonhos
com que inventamos os arco-íris
que nos iluminam o olhar
e regressam sempre
plenas e puras
como se o tempo parasse
e se recusasse perturbar
a beleza encantada
dos olhinhos de espanto
que espreitam o mundo
entre as mãos atentas
dos pais acabados de nascer
para que o perfeito momento
se perpetuasse
e nada perturbasse
a plenitude
do amor.
Há, contudo, vivências que nunca nos largam
que nos habitam os gestos
nos seguem os passos
nos marcam os dias
e em nós vivem
com a mesma frescura
a mesma luz
a mesma ternura
da primeira vez.
Com elas alimentamos os sonhos
com que inventamos os arco-íris
que nos iluminam o olhar
e regressam sempre
plenas e puras
como se o tempo parasse
e se recusasse perturbar
a beleza encantada
dos olhinhos de espanto
que espreitam o mundo
entre as mãos atentas
dos pais acabados de nascer
para que o perfeito momento
se perpetuasse
e nada perturbasse
a plenitude
do amor.
sexta-feira, 16 de julho de 2010
Opacidade e transparência - 2. Opacidade e construção do sentido
A linguagem existe para falarmos, para nela nos fazermos. Razão tinham os gregos primeiro e Heidegger depois quando pensaram o homem como “aquele que fala”. De facto, é no dizer que supõe o outro como destino que se cumpre a dimensão humana por excelência: somos o que somos na medida em que, conscientes da fragilidade do nosso devir histórico, nos inventamos continuamente na linguagem que falamos. Nela inventamos o mundo no confronto dialógico com o outro. No encontro com o outro. Assumir a presença do outro em nós é, simultaneamente, assumir possibilidades que estão aquém ou além do nosso modo subjectivo de ser. Assumir o outro é assumir a diferença, o múltiplo, o complexo. Colocados no seio da linguagem, assumir o outro é assumir a possibilidade de o sentido nos escapar justamente porque ele se multiplica de cada vez que o outro dele se acerca. Porquê? Todos conhecemos a resposta: primeiro porque o mundo, a realidade são polissémicos ou, como Ricoeur prefere, “plurívocos” e, na sua plurivocidade, passível de múltiplos sentidos, de múltiplas vozes que se fazem ouvir de cada vez que o leitor/ouvinte o interpela. Por isso, o mundo, a realidade, o ser, o dizer são opacos e na sua opacidade suportam múltiplas leituras . Depois, porque o leitor/ouvinte é capaz de compreender o que é dito na interpretação que dele faz. Há aqui, por conseguinte, dois momentos essenciais no ler/ouvir: primeiro, é preciso ler o que está escrito, é preciso ouvir o que é dito; é, pois, necessário conhecer a língua em que se diz, é necessário conhecer a gramática do dizer. Segundo, é necessário ler o que não está escrito, é necessário ouvir o que não é dito. Este é o momento privilegiado da leitura que também é interpretação. O momento em que se dá vida ao sentido que, embora presente no dizer, estava ausente no ouvir. Por isso, o ouvir é tão importante para o dizer .
Quem diz espera ser ouvido. Mas espera também de quem ouve não apenas a disponibilidade de ouvinte mas igualmente a de falante. Desde que, evidentemente os falantes estejam habitados pelo “desejo de intercompreensão” (Habermas), que alimenta o processo dialógico, orientado para a construção intersubjectiva do saber. Caso contrário, o falante proclama o seu saber, ciente da dispensabilidade do ouvinte. Em boa verdade, o ouvinte é-lhe completamente indiferente. Não lhe faz falta. O falante, senhor absoluto do saber absoluto, fala para si, apenas para si, talvez apenas de si. Por isso, nunca se engana, nunca erra.
Todos o sabemos: o saber absoluto é um atributo dos deuses. Nós não somos deuses. Somos homens. E porque somos homens buscamos continuamente o sentido entre os sinais que a opacidade do real vai consentindo, que vai tornando possível no jogo hermenêutico que se desenvolve entre o leitor/ouvinte e o texto/falante . Múltiplos são os sinais, múltiplas são as leituras. Com efeito, “na linguagem natural os meios verbais e gramaticais do sentido nunca são inteiramente puros. É isso precisamente que distingue a linguagem natural da linguagem simbólica, dos códigos informáticos e da formulação matemática” (G. Steiner, idem: 173). E, acrescente-se agora, da imagem-tv. De facto, embora de natureza diferente, tanto a linguagem simbólica, os códigos informáticos e as formulações matemáticas quanto a imagem-tv são transparentes e, na sua transparência, dispensam ou até excluem o outro. A imagem-tv porque dele apenas convoca a sua passividade consumidora; as linguagens formais porque, na sua univocidade e abstracção, são indiferentes ao devir que caracteriza o modo humano de ser histórico. São universais e abstractas. O seu valor é indiferente ao sujeito que delas se serve. De nada lhes importa quem as usa e as circunstâncias em que o faz. São indiferentes ao contexto e são auto-referentes.
Diferente é a linguagem natural. Na sua complexa plurivocidade convoca leitores, convoca intérpretes que, no seu labor reflexivo, tornem manifestas as franjas do sentido habitando a complexidade do real. Na sua opacidade não é simples nem unívoca. Possibilita, antes, diferentes modos de ser, pensar, dizer e fazer. Diferentes tonalidades do sentido, construídas na capacidade humana de se fazer no tempo que flui. É este viver o tempo que, simultaneamente, é e não é, que, permanentemente, se faz e refaz em cada gesto, em cada som, em cada dizer portadores de sentido, que justifica o homem. É também essa vivência do tempo que justifica a educação e o pensar que dela fazemos. Com efeito, educar é mobilizar todos os recursos possíveis para ajudar o outro a crescer, para estimulá-lo a fazer-se livre na sua historicidade, caminhando com segurança para a adultez. E, se se encontra justificada na capacidade de intervenção no aqui e agora em que vivemos, a educação, sob risco de se tornar estéril na sua função, deve mobilizar modos de ser, pensar, dizer e fazer que alimentem o mundo em que nascemos.
A razão de ser da educação centra-se, então, no modo como actualiza, i.e, como torna actuante no presente a herança recebida do passado. É que, como Hannah Arendt afirma num texto de 1957, a essência da educação “é o facto de os seres humanos nascerem no mundo” (2000: 23) e “uma vez que o mundo é velho, sempre mais velho do que nós, aprender implica, inevitavelmente, voltar-se para o passado […]. A educação é assim, continua Hannah Arendt, o ponto em que se decide que se ama suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais ainda, para o salvar da ruína que seria inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens” (idem: 52). E porque “não é possível educar sem ao mesmo tempo ensinar […] mas podemos facilmente ensinar sem educar e podemos continuar a aprender até ao fim dos nossos dias sem que, por essa razão, nos tornemos mais educados” (ibidem), a competência do professor “consiste em conhecer o mundo e em ser capaz de transmitir esse conhecimento aos outros. “ (idem: 43). Os outros que, no ensino secundário, onde, no dizer de Steiner (2004: 75), “se travam as lutas decisivas contra a barbárie e o vazio” são adolescentes, cujo mundo se faz preferencialmente na imagem, sobretudo TV e informática. Inevitavelmente, como vimos, é um mundo distinto do do adulto e com ele conflitual.
Eis, pois, justificada a educação e a relação pedagógica que lhe é íntima. O outro, enquanto seu destinatário em permanente construção solidária, impõe-a, a opacidade da linguagem, como razão de ser de todo o esforço de compreensão e esclarecimento inter-subjectivos do sentido que a educação deve perseguir, exige-a e o saber com que se constrói a tradição na qual nos fazemos e reconhecemos homens, inventando utopias com a marca da nossa historicidade alimentam-na. Nascemos capazes de nos fazermos homens. Na nossa fragilidade assumida fazemo-nos uns com os outros, num mundo que se nos antecipa, numa língua que não inventámos. Assim nos fazemos, assim aprendemos, assim ensinamos.
Quem diz espera ser ouvido. Mas espera também de quem ouve não apenas a disponibilidade de ouvinte mas igualmente a de falante. Desde que, evidentemente os falantes estejam habitados pelo “desejo de intercompreensão” (Habermas), que alimenta o processo dialógico, orientado para a construção intersubjectiva do saber. Caso contrário, o falante proclama o seu saber, ciente da dispensabilidade do ouvinte. Em boa verdade, o ouvinte é-lhe completamente indiferente. Não lhe faz falta. O falante, senhor absoluto do saber absoluto, fala para si, apenas para si, talvez apenas de si. Por isso, nunca se engana, nunca erra.
Todos o sabemos: o saber absoluto é um atributo dos deuses. Nós não somos deuses. Somos homens. E porque somos homens buscamos continuamente o sentido entre os sinais que a opacidade do real vai consentindo, que vai tornando possível no jogo hermenêutico que se desenvolve entre o leitor/ouvinte e o texto/falante . Múltiplos são os sinais, múltiplas são as leituras. Com efeito, “na linguagem natural os meios verbais e gramaticais do sentido nunca são inteiramente puros. É isso precisamente que distingue a linguagem natural da linguagem simbólica, dos códigos informáticos e da formulação matemática” (G. Steiner, idem: 173). E, acrescente-se agora, da imagem-tv. De facto, embora de natureza diferente, tanto a linguagem simbólica, os códigos informáticos e as formulações matemáticas quanto a imagem-tv são transparentes e, na sua transparência, dispensam ou até excluem o outro. A imagem-tv porque dele apenas convoca a sua passividade consumidora; as linguagens formais porque, na sua univocidade e abstracção, são indiferentes ao devir que caracteriza o modo humano de ser histórico. São universais e abstractas. O seu valor é indiferente ao sujeito que delas se serve. De nada lhes importa quem as usa e as circunstâncias em que o faz. São indiferentes ao contexto e são auto-referentes.
Diferente é a linguagem natural. Na sua complexa plurivocidade convoca leitores, convoca intérpretes que, no seu labor reflexivo, tornem manifestas as franjas do sentido habitando a complexidade do real. Na sua opacidade não é simples nem unívoca. Possibilita, antes, diferentes modos de ser, pensar, dizer e fazer. Diferentes tonalidades do sentido, construídas na capacidade humana de se fazer no tempo que flui. É este viver o tempo que, simultaneamente, é e não é, que, permanentemente, se faz e refaz em cada gesto, em cada som, em cada dizer portadores de sentido, que justifica o homem. É também essa vivência do tempo que justifica a educação e o pensar que dela fazemos. Com efeito, educar é mobilizar todos os recursos possíveis para ajudar o outro a crescer, para estimulá-lo a fazer-se livre na sua historicidade, caminhando com segurança para a adultez. E, se se encontra justificada na capacidade de intervenção no aqui e agora em que vivemos, a educação, sob risco de se tornar estéril na sua função, deve mobilizar modos de ser, pensar, dizer e fazer que alimentem o mundo em que nascemos.
A razão de ser da educação centra-se, então, no modo como actualiza, i.e, como torna actuante no presente a herança recebida do passado. É que, como Hannah Arendt afirma num texto de 1957, a essência da educação “é o facto de os seres humanos nascerem no mundo” (2000: 23) e “uma vez que o mundo é velho, sempre mais velho do que nós, aprender implica, inevitavelmente, voltar-se para o passado […]. A educação é assim, continua Hannah Arendt, o ponto em que se decide que se ama suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais ainda, para o salvar da ruína que seria inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens” (idem: 52). E porque “não é possível educar sem ao mesmo tempo ensinar […] mas podemos facilmente ensinar sem educar e podemos continuar a aprender até ao fim dos nossos dias sem que, por essa razão, nos tornemos mais educados” (ibidem), a competência do professor “consiste em conhecer o mundo e em ser capaz de transmitir esse conhecimento aos outros. “ (idem: 43). Os outros que, no ensino secundário, onde, no dizer de Steiner (2004: 75), “se travam as lutas decisivas contra a barbárie e o vazio” são adolescentes, cujo mundo se faz preferencialmente na imagem, sobretudo TV e informática. Inevitavelmente, como vimos, é um mundo distinto do do adulto e com ele conflitual.
Eis, pois, justificada a educação e a relação pedagógica que lhe é íntima. O outro, enquanto seu destinatário em permanente construção solidária, impõe-a, a opacidade da linguagem, como razão de ser de todo o esforço de compreensão e esclarecimento inter-subjectivos do sentido que a educação deve perseguir, exige-a e o saber com que se constrói a tradição na qual nos fazemos e reconhecemos homens, inventando utopias com a marca da nossa historicidade alimentam-na. Nascemos capazes de nos fazermos homens. Na nossa fragilidade assumida fazemo-nos uns com os outros, num mundo que se nos antecipa, numa língua que não inventámos. Assim nos fazemos, assim aprendemos, assim ensinamos.
terça-feira, 6 de julho de 2010
Opacidade e transparência - 1. A imagem-tv e a transparência do olhar
A imagem é auto-suficiente. Basta-se a si mesma. Não exige leitores, não exige intérpretes, exige espectadores. O espectador está fora julgando estar dentro. Mesmo quando o espectador se julga envolvido na imagem permanece-lhe exterior na medida em que não há na imagem a equivocidade que resulta da polissemia que alimenta o texto e exige o leitor/intérprete. Seja o texto escrito, seja a realidade, seja a verdade, seja a obra de arte.
A TV, que, no dizer de Popper, é um “perigo para a democracia”, convoca espectadores e, ao fazê-lo, convoca consumidores de imagens, consumidores que, na sua passividade, conferem à imagem a plenitude do real. Por isso, ela é transparente: diz tudo imediata e plenamente. Pelo menos assim a vê o espectador. Como se a TV lhe oferecesse a realidade sem qualquer mediatização. Ao espectador, sentado confortavelmente no seu sofá, é destinada a realidade na sua transparência pura (não esta ou aquela mas a realidade). Sem equívocos ou mal-entendidos. A realidade tal qual é. Não como aparece mas como é. Nada na TV é aparente. Na TV desliza a realidade e o espectador é o seu destinatário. Recebe-a encantado e nesse encantamento permanece deleitado. Sem questionamento, sem perplexidade, sem dúvidas. Satisfeito. O mundo real está ao alcance do dedo que prime o botão no telecomando. Mesmo quando fragmentada pelo zapping é a realidade que tem à sua frente. A ela acede e assiste sem reservas e sem mácula.
Nesta transparência sem mácula nasce a autoridade do saber centrado na TV, i.e, o saber configurado na imagem que já não representa a realidade mas, simplesmente, é a realidade. A imagem-tv, que é a imagem-movimento, confunde-se com a realidade, melhor, identifica a realidade. E, neste processo identitário, dá-se uma inversão no processo mimético: já não é a imagem que mimetiza a realidade, é esta que mimetiza a imagem. Daí não só o fascínio que a imagem-tv exerce sobre o espectador, como a própria subordinação da realidade à TV. É o que dizem expressões como: “Isto (um qualquer acontecimento ou facto) parece mesmo como é na TV”. Repare-se: o acontecimento parece-se com o que acontece na TV, parece ser o que é na TV. Estamos, pois, perante uma nova inversão: não é a imagem-tv que é gerada a partir da realidade, é esta que encontra naquela a sua razão de ser. Esta inversão genética e ontológica credibiliza a passividade do espectador. Porque a realidade é o que passa na TV pode o espectador estar descansado: tudo está no seu lugar, tudo está justificado. Basta olhar e, imediatamente, vê. Sem mediação nem esforço. Sem palavras. A palavra é aqui excedentária, “supérflua” (Lazar, idem: 154), refém da imagem que se lhe impõe. Mesmo quando a palavra pretende ser síntese estruturante como o “é a vida”, que José Gil analisou, está subordinada à imagem. Esta serve à palavra o mundo que ela própria modela. O mundo que a palavra televisiva diz é o mundo que a imagem mostra. A palavra diz o mundo da imagem. E este dizer esgota-se na transparência da imagem-tv: nada mais há a dizer além do que a imagem mostra. E a imagem-tv mostra tudo, sempre e em todo o lado. Não é já a imagem-tv que espelha o mundo real, é este que espelha a imagem-tv. O modelo é a imagem-tv, não é a realidade. Eis uma terceira inversão: a realidade é vista segundo os modelos que a imagem-tv cria e mostra. Para o espectador a realidade da realidade é o que a imagem-tv mostra. Esta dimensão arquetípica da imagem-tv torna-a também critério de verdade: é verdade o que passa na TV. O que a imagem-tv mostra é a verdade na sua plena e absoluta universalidade . Todos viram o mesmo, portanto, todos sabem o mesmo. A verdade é válida para todos porque é absoluta a sua transparência na imagem que entra pelos olhos dentro. Nada fica de fora desse olhar panóptico e auto-referente. O mesmo olho que tudo vê (a câmara tv) é também aquele que tudo mostra (a tv) e nós somos os espectadores privilegiados a quem é oferecido tudo sem esforço, sem trabalho, sem dor. Ainda por cima, o telecomando torna-nos senhores do curso das imagens-tv: a qualquer momento podemos apagar ou fazer aparecer o mundo, a realidade. Este poder demiúrgico de criar ou eliminar não tem paralelo com a realidade. Nada na realidade surge ou desaparece com o clic no telecomando . Acontece com a imagem-tv e isso outorga ao espectador um poder sem limite: munido de telecomando pode decidir da guerra e da paz, da fome e da riqueza, da violência e do amor, do sexo e do desporto, da notícia e da ficção, etc. etc. Nada lhe é vedado porque nada existe fora da imagem-tv. O fora é seu clone.
Um outro aspecto ligado à transparência da imagem-tv afasta-a irremediavelmente da opacidade da linguagem natural: a dimensão do tempo e do silêncio.
A sequência torrencial de planos, de cor e de luz absorve de tal modo o espectador que lhe retira a possibilidade de sair da instantaneidade do momento. O espectador é, então, engolido na vertigem do momento que a imagem-tv esgota na sua transparência. Tudo acontece naquele instante, tudo se esgota naquele momento. Nada há a descortinar porque não há cortinas a cobrir a realidade. Esta aparece escancarada na imagem-tv sem segredos nem reservas. Plena e sempre nova a cada instante. Sempre presente, sempre no presente. Do presente se alimenta a imagem-tv exibindo tal voracidade que nada lhe escapa. Nada sobra do tempo. Apenas a instantaneidade do presente se ajusta ao permanente sequenciar que na imagem-tv se consome. Sem convocar o passado, sem apelar ao futuro a imagem-tv empanturra-se dos permanentes instantes que produz. Neles se empanturra também o espectador embevecido (e, muitas vezes, imbecilizado) perante tamanha e luminosa transparência. E gosta. E deleita-se inebriado no brilho do acontecer sem história pronto a usar. Instantâneo.
A imagem-tv abomina o silêncio, o vazio, a ausência, o não-ser. Abomina-os porque eles promovem o regresso do espectador a si próprio. E, neste regresso, o espectador deixa de ser simples consumidor e torna-se sujeito. E pensa. E inventa. E cria. E vê-se, na sua historicidade, envolvido no processo de inteligibilidade do real, inventando teorias, criando teoremas, músicas, artes. Descobre-se humano no devir do tempo que faz a sua historicidade. É certo que é o presente a dimensão temporal que vive. Mas, tornado sujeito, sabe que o seu presente não se basta a si mesmo. É herdeiro de todos os presentes-passado, que anunciam os presentes-presente e igualmente os presentes-futuro. Ele sabe e este saber faz toda a diferença. Não só a historicidade marca indelevelmente a fragilidade humana, como o silêncio, o vazio, a ausência e o não-ser justificam as tradições místicas no ocidente e no oriente, as técnicas de meditação centradas no “vazio absoluto” ou na busca da “‘luz branca’da nulidade pura” (cfr. G. Steiner, 2002: 36), a música, esse “silêncio interrompido” em que “cada uma das notas que nasce e se extingue permanece em diálogo com o silêncio” (idem: 149) e nele busca a fonte donde tudo brota (cfr. Idem: 157), a arte, onde “o silêncio se ilumina e a luz faz-se silêncio” (idem: 155) ao mesmo tempo que “torna manifesto o não declarado” (idem: 153), a linguagem na qual “os sentidos de uma palavra estão na sua história, tenha esta sido ou não escrita” (idem: 162). Com efeito, “quando aprendemos ou empregamos uma língua, cada uma das suas palavras chega até nós com o seu peso mais ou menos incomensurável de precedentes. Se pertencer à linguagem corrente, acrescenta Steiner, terá sido pensada, dita e escrita milhões de vezes” (ibidem). “A linguagem é o seu próprio passado” (ibidem) e é essa densidade histórica que a torna plurívoca. “Pensada, dita e escrita milhões de vezes” a linguagem fez-se à medida que nela nos fazíamos e fazíamos o mundo. Por isso também no sentido que dizemos na linguagem não está apenas o nosso dizer, está também o daqueles que, antes de nós, usaram a língua que nos faz e nos fala . É que “a nossa existência, a consciência de si da cada um de nós, são lançados na linguagem” e uma vez que “não fomos nós que escolhemos essa linguagem” (ibidem) mas nela nascemos, nela habitamos, nela guardamos a memória, nela nos fazemos “pastores”, de cada vez que falamos, lemos ou escrevemos não convocamos apenas a memória como o outro em nós, supomos igualmente o outro como finalidade da linguagem natural em que vivemos. Vivemos e nos compreendemos. Vivemos porque nos compreendemos na relação comunicacional com o outro. Supor uma linguagem desprovida de sentido para o outro é um absurdo. A linguagem não é um exercício solipsista e autocrático que cada um pudesse guardar apenas para si. Pelo contrário, como Steiner acentua, “a linguagem existe [...] porque existe o outro” (Steiner, 1993: 122).
A TV, que, no dizer de Popper, é um “perigo para a democracia”, convoca espectadores e, ao fazê-lo, convoca consumidores de imagens, consumidores que, na sua passividade, conferem à imagem a plenitude do real. Por isso, ela é transparente: diz tudo imediata e plenamente. Pelo menos assim a vê o espectador. Como se a TV lhe oferecesse a realidade sem qualquer mediatização. Ao espectador, sentado confortavelmente no seu sofá, é destinada a realidade na sua transparência pura (não esta ou aquela mas a realidade). Sem equívocos ou mal-entendidos. A realidade tal qual é. Não como aparece mas como é. Nada na TV é aparente. Na TV desliza a realidade e o espectador é o seu destinatário. Recebe-a encantado e nesse encantamento permanece deleitado. Sem questionamento, sem perplexidade, sem dúvidas. Satisfeito. O mundo real está ao alcance do dedo que prime o botão no telecomando. Mesmo quando fragmentada pelo zapping é a realidade que tem à sua frente. A ela acede e assiste sem reservas e sem mácula.
Nesta transparência sem mácula nasce a autoridade do saber centrado na TV, i.e, o saber configurado na imagem que já não representa a realidade mas, simplesmente, é a realidade. A imagem-tv, que é a imagem-movimento, confunde-se com a realidade, melhor, identifica a realidade. E, neste processo identitário, dá-se uma inversão no processo mimético: já não é a imagem que mimetiza a realidade, é esta que mimetiza a imagem. Daí não só o fascínio que a imagem-tv exerce sobre o espectador, como a própria subordinação da realidade à TV. É o que dizem expressões como: “Isto (um qualquer acontecimento ou facto) parece mesmo como é na TV”. Repare-se: o acontecimento parece-se com o que acontece na TV, parece ser o que é na TV. Estamos, pois, perante uma nova inversão: não é a imagem-tv que é gerada a partir da realidade, é esta que encontra naquela a sua razão de ser. Esta inversão genética e ontológica credibiliza a passividade do espectador. Porque a realidade é o que passa na TV pode o espectador estar descansado: tudo está no seu lugar, tudo está justificado. Basta olhar e, imediatamente, vê. Sem mediação nem esforço. Sem palavras. A palavra é aqui excedentária, “supérflua” (Lazar, idem: 154), refém da imagem que se lhe impõe. Mesmo quando a palavra pretende ser síntese estruturante como o “é a vida”, que José Gil analisou, está subordinada à imagem. Esta serve à palavra o mundo que ela própria modela. O mundo que a palavra televisiva diz é o mundo que a imagem mostra. A palavra diz o mundo da imagem. E este dizer esgota-se na transparência da imagem-tv: nada mais há a dizer além do que a imagem mostra. E a imagem-tv mostra tudo, sempre e em todo o lado. Não é já a imagem-tv que espelha o mundo real, é este que espelha a imagem-tv. O modelo é a imagem-tv, não é a realidade. Eis uma terceira inversão: a realidade é vista segundo os modelos que a imagem-tv cria e mostra. Para o espectador a realidade da realidade é o que a imagem-tv mostra. Esta dimensão arquetípica da imagem-tv torna-a também critério de verdade: é verdade o que passa na TV. O que a imagem-tv mostra é a verdade na sua plena e absoluta universalidade . Todos viram o mesmo, portanto, todos sabem o mesmo. A verdade é válida para todos porque é absoluta a sua transparência na imagem que entra pelos olhos dentro. Nada fica de fora desse olhar panóptico e auto-referente. O mesmo olho que tudo vê (a câmara tv) é também aquele que tudo mostra (a tv) e nós somos os espectadores privilegiados a quem é oferecido tudo sem esforço, sem trabalho, sem dor. Ainda por cima, o telecomando torna-nos senhores do curso das imagens-tv: a qualquer momento podemos apagar ou fazer aparecer o mundo, a realidade. Este poder demiúrgico de criar ou eliminar não tem paralelo com a realidade. Nada na realidade surge ou desaparece com o clic no telecomando . Acontece com a imagem-tv e isso outorga ao espectador um poder sem limite: munido de telecomando pode decidir da guerra e da paz, da fome e da riqueza, da violência e do amor, do sexo e do desporto, da notícia e da ficção, etc. etc. Nada lhe é vedado porque nada existe fora da imagem-tv. O fora é seu clone.
Um outro aspecto ligado à transparência da imagem-tv afasta-a irremediavelmente da opacidade da linguagem natural: a dimensão do tempo e do silêncio.
A sequência torrencial de planos, de cor e de luz absorve de tal modo o espectador que lhe retira a possibilidade de sair da instantaneidade do momento. O espectador é, então, engolido na vertigem do momento que a imagem-tv esgota na sua transparência. Tudo acontece naquele instante, tudo se esgota naquele momento. Nada há a descortinar porque não há cortinas a cobrir a realidade. Esta aparece escancarada na imagem-tv sem segredos nem reservas. Plena e sempre nova a cada instante. Sempre presente, sempre no presente. Do presente se alimenta a imagem-tv exibindo tal voracidade que nada lhe escapa. Nada sobra do tempo. Apenas a instantaneidade do presente se ajusta ao permanente sequenciar que na imagem-tv se consome. Sem convocar o passado, sem apelar ao futuro a imagem-tv empanturra-se dos permanentes instantes que produz. Neles se empanturra também o espectador embevecido (e, muitas vezes, imbecilizado) perante tamanha e luminosa transparência. E gosta. E deleita-se inebriado no brilho do acontecer sem história pronto a usar. Instantâneo.
A imagem-tv abomina o silêncio, o vazio, a ausência, o não-ser. Abomina-os porque eles promovem o regresso do espectador a si próprio. E, neste regresso, o espectador deixa de ser simples consumidor e torna-se sujeito. E pensa. E inventa. E cria. E vê-se, na sua historicidade, envolvido no processo de inteligibilidade do real, inventando teorias, criando teoremas, músicas, artes. Descobre-se humano no devir do tempo que faz a sua historicidade. É certo que é o presente a dimensão temporal que vive. Mas, tornado sujeito, sabe que o seu presente não se basta a si mesmo. É herdeiro de todos os presentes-passado, que anunciam os presentes-presente e igualmente os presentes-futuro. Ele sabe e este saber faz toda a diferença. Não só a historicidade marca indelevelmente a fragilidade humana, como o silêncio, o vazio, a ausência e o não-ser justificam as tradições místicas no ocidente e no oriente, as técnicas de meditação centradas no “vazio absoluto” ou na busca da “‘luz branca’da nulidade pura” (cfr. G. Steiner, 2002: 36), a música, esse “silêncio interrompido” em que “cada uma das notas que nasce e se extingue permanece em diálogo com o silêncio” (idem: 149) e nele busca a fonte donde tudo brota (cfr. Idem: 157), a arte, onde “o silêncio se ilumina e a luz faz-se silêncio” (idem: 155) ao mesmo tempo que “torna manifesto o não declarado” (idem: 153), a linguagem na qual “os sentidos de uma palavra estão na sua história, tenha esta sido ou não escrita” (idem: 162). Com efeito, “quando aprendemos ou empregamos uma língua, cada uma das suas palavras chega até nós com o seu peso mais ou menos incomensurável de precedentes. Se pertencer à linguagem corrente, acrescenta Steiner, terá sido pensada, dita e escrita milhões de vezes” (ibidem). “A linguagem é o seu próprio passado” (ibidem) e é essa densidade histórica que a torna plurívoca. “Pensada, dita e escrita milhões de vezes” a linguagem fez-se à medida que nela nos fazíamos e fazíamos o mundo. Por isso também no sentido que dizemos na linguagem não está apenas o nosso dizer, está também o daqueles que, antes de nós, usaram a língua que nos faz e nos fala . É que “a nossa existência, a consciência de si da cada um de nós, são lançados na linguagem” e uma vez que “não fomos nós que escolhemos essa linguagem” (ibidem) mas nela nascemos, nela habitamos, nela guardamos a memória, nela nos fazemos “pastores”, de cada vez que falamos, lemos ou escrevemos não convocamos apenas a memória como o outro em nós, supomos igualmente o outro como finalidade da linguagem natural em que vivemos. Vivemos e nos compreendemos. Vivemos porque nos compreendemos na relação comunicacional com o outro. Supor uma linguagem desprovida de sentido para o outro é um absurdo. A linguagem não é um exercício solipsista e autocrático que cada um pudesse guardar apenas para si. Pelo contrário, como Steiner acentua, “a linguagem existe [...] porque existe o outro” (Steiner, 1993: 122).
domingo, 4 de julho de 2010
Opacidade e transparência no dizer educativo - Introdução
Regresso à escola em tempo sem aulas.
Os alunos estão a preparar exames, a preparar as férias, a preparar a ocupação cívica do estio, a preparar a vontade para não fazer nada. Os professores enfadam-se e suspiram o desencanto e a frustração pela burocrática ocupação do seu saber e empenho profissional. Enfadam-se e suspiram o desencanto e frustração pelos desejos por cumprir.
Regresso à escola com um texto apresentado no 2º Encontro Internacional de Filosofia da Educação - FLUP.
Como sempre destina-se à discussão, à crítica. Ao aplauso também, se o merecer, claro que são festinhas narcísicas que nos fazem muito bem ao umbigo.
--- --- --- --- ---
"O problema real, fundamental e primeiro da educação" é o seguinte: "as palavras, as imagens, os textos [...] têm um sentido para aquele que sabe, [mas] ainda o não têm para aquele que aprende" (R. La Borderie, 1993: 33). O resto, acrescenta ele, não é mais que um invólucro administrativo, jurídico, organizacional, etc. Mas o que está no invólucro, e que demasiadas vezes fica escondido (ou até mesmo lacrado) é a actividade do aluno; actividade essa cujo fundamento é um acto de comunicação" (ibid.).
Centrada na comunicação, a educação busca a construção do sentido na relação dialógica que se desenvolve entre os sujeitos envolvidos no processo de ensinar e de aprender. O sentido não está no que se diz nem está no que se ouve. Constrói-se na dinâmica comunicacional que se desenvolve entre eles. Como uma bola saltitando entre os jogadores . É tocada por um, é tocada por outro, bem ou mal tratada por ambos mas, sob risco de o jogo terminar, como quando a criança se apropria da bola, que é sua, e acaba com o jogo que não lhe está a correr de feição, para a seguir começar novo jogo indiferente ao que acontecera antes. Este possível contínuo recomeçar sem consideração ou respeito pelo que acontecera antes, como se o tempo se esgotasse no instante em que acontece, sem um antes e sem um depois, não se ajusta à ideia de educação que perseguimos: a educação como comunicação normativa assente na dimensão comunicacional que nos faz uns com os outros no mundo da linguagem natural em que nascemos e nos movemos. Esta consideração da educação alimenta-se do devir histórico em que nos fazemos. Nascemos, vivemos e morremos num tempo e espaço que, não sendo apenas nossos, é neles que fazemos a nossa subjectividade e a confrontamos com o outro.
O outro é a razão do nosso existir. Também a relação pedagógica que aspira ser educativa se justifica no outro. O jogo que se desenvolve entre quem ensina e quem aprende apenas se justifica naquele que não sou eu. E porque o ensinar e o aprender se desenvolvem na linguagem que o eu e o outro como um tu falam, a educação encontra-se justificada na necessidade de o eu e o tu se confrontarem no jogo comunicacional que ambos jogam. No diálogo que entre eles se desenvolve com vista a um possível encontro no nós, como Francis Jacques e Louis Not defende.
Na relação educativa que se desenvolve na escola quem ensina é o professor, quem aprende é o aluno . Desenvolvendo-se no seio da linguagem a relação educativa apenas cumprirá a sua função se ambos os sujeitos envolvidos no processo educativo falarem a mesma língua, usarem a mesma linguagem. Caso contrário, arriscam-se a um falar em alhos e outro entender bugalhos. Melhor: mesmo usando a mesma linguagem a equivocidade na comunicação apenas seria evitada se a linguagem fosse unívoca e transparente. Não é o que se passa com a linguagem natural. Mas é o que acontece com a imagem-tv, a linguagem formal, a informática e a matemática. A linguagem natural, atravessada pelo histórico uso dos falantes, é polissémica, plurívoca, possibilitando novos caminhos que o leitor/ouvinte inventa. A linguagem natural convoca leitores, intérpretes. A linguagem formal e abstracta esgota-se na sua univocidade. Por isso, é transparente. A imagem-tv é igualmente transparente: diz tudo sobre tudo. Nada lhe escapa.
Ora, dado o fascínio e dominância da linguagem audiovisual junto dos jovens alunos é legítimo pensar que o seu mundo, o mundo que se faz na linguagem que habitam, é distinto da linguagem natural, que habita o mundo do professor.
Pensar a educação exige, por conseguinte, a disponibilidade para fazê-lo onde ela se constrói e se justifica: o mundo da linguagem que nem é unívoco nem único.
Os alunos estão a preparar exames, a preparar as férias, a preparar a ocupação cívica do estio, a preparar a vontade para não fazer nada. Os professores enfadam-se e suspiram o desencanto e a frustração pela burocrática ocupação do seu saber e empenho profissional. Enfadam-se e suspiram o desencanto e frustração pelos desejos por cumprir.
Regresso à escola com um texto apresentado no 2º Encontro Internacional de Filosofia da Educação - FLUP.
Como sempre destina-se à discussão, à crítica. Ao aplauso também, se o merecer, claro que são festinhas narcísicas que nos fazem muito bem ao umbigo.
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"O problema real, fundamental e primeiro da educação" é o seguinte: "as palavras, as imagens, os textos [...] têm um sentido para aquele que sabe, [mas] ainda o não têm para aquele que aprende" (R. La Borderie, 1993: 33). O resto, acrescenta ele, não é mais que um invólucro administrativo, jurídico, organizacional, etc. Mas o que está no invólucro, e que demasiadas vezes fica escondido (ou até mesmo lacrado) é a actividade do aluno; actividade essa cujo fundamento é um acto de comunicação" (ibid.).
Centrada na comunicação, a educação busca a construção do sentido na relação dialógica que se desenvolve entre os sujeitos envolvidos no processo de ensinar e de aprender. O sentido não está no que se diz nem está no que se ouve. Constrói-se na dinâmica comunicacional que se desenvolve entre eles. Como uma bola saltitando entre os jogadores . É tocada por um, é tocada por outro, bem ou mal tratada por ambos mas, sob risco de o jogo terminar, como quando a criança se apropria da bola, que é sua, e acaba com o jogo que não lhe está a correr de feição, para a seguir começar novo jogo indiferente ao que acontecera antes. Este possível contínuo recomeçar sem consideração ou respeito pelo que acontecera antes, como se o tempo se esgotasse no instante em que acontece, sem um antes e sem um depois, não se ajusta à ideia de educação que perseguimos: a educação como comunicação normativa assente na dimensão comunicacional que nos faz uns com os outros no mundo da linguagem natural em que nascemos e nos movemos. Esta consideração da educação alimenta-se do devir histórico em que nos fazemos. Nascemos, vivemos e morremos num tempo e espaço que, não sendo apenas nossos, é neles que fazemos a nossa subjectividade e a confrontamos com o outro.
O outro é a razão do nosso existir. Também a relação pedagógica que aspira ser educativa se justifica no outro. O jogo que se desenvolve entre quem ensina e quem aprende apenas se justifica naquele que não sou eu. E porque o ensinar e o aprender se desenvolvem na linguagem que o eu e o outro como um tu falam, a educação encontra-se justificada na necessidade de o eu e o tu se confrontarem no jogo comunicacional que ambos jogam. No diálogo que entre eles se desenvolve com vista a um possível encontro no nós, como Francis Jacques e Louis Not defende.
Na relação educativa que se desenvolve na escola quem ensina é o professor, quem aprende é o aluno . Desenvolvendo-se no seio da linguagem a relação educativa apenas cumprirá a sua função se ambos os sujeitos envolvidos no processo educativo falarem a mesma língua, usarem a mesma linguagem. Caso contrário, arriscam-se a um falar em alhos e outro entender bugalhos. Melhor: mesmo usando a mesma linguagem a equivocidade na comunicação apenas seria evitada se a linguagem fosse unívoca e transparente. Não é o que se passa com a linguagem natural. Mas é o que acontece com a imagem-tv, a linguagem formal, a informática e a matemática. A linguagem natural, atravessada pelo histórico uso dos falantes, é polissémica, plurívoca, possibilitando novos caminhos que o leitor/ouvinte inventa. A linguagem natural convoca leitores, intérpretes. A linguagem formal e abstracta esgota-se na sua univocidade. Por isso, é transparente. A imagem-tv é igualmente transparente: diz tudo sobre tudo. Nada lhe escapa.
Ora, dado o fascínio e dominância da linguagem audiovisual junto dos jovens alunos é legítimo pensar que o seu mundo, o mundo que se faz na linguagem que habitam, é distinto da linguagem natural, que habita o mundo do professor.
Pensar a educação exige, por conseguinte, a disponibilidade para fazê-lo onde ela se constrói e se justifica: o mundo da linguagem que nem é unívoco nem único.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
1970 - 40 anos
1970 foi New Morning e, nele, If not for you de Dilan,
o pistoleiro das palavras musicadas da América
(aqui com Harrison no concerto que haveremos de visitar no seu 40º aniversário)
o pistoleiro das palavras musicadas da América
(aqui com Harrison no concerto que haveremos de visitar no seu 40º aniversário)
segunda-feira, 28 de junho de 2010
30.
Que fizemos do luar de estio
em que os corpos se atormentavam em desejos e tabus?Que resta das noites claras em que a palavra afagava o silêncio
das bocas suspensas no amor?
Que sobra de nós nos gestos invocados no tempo incerto
dos dias vazios de sol e de mar?
Tanto tempo demorado na memória
dos sonhos por fazer!
Agora lavro o tempo onde receio que rosa alguma florirá
(e, contudo, insisto, teimo e semeio)
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Muito grato ao Tacci pelo desenho com que iluminou este "Talvez Poema" no seu "Portugal, Caramba".
1970 - 40 anos
Regresso a Bridge over troubled waters desta vez com why don't you write me.
Fiquem bem.
Fiquem bem.
quarta-feira, 23 de junho de 2010
Talvez Poema
29.
De todos os nomes que habitaste
restam o mar
e a solidão
Ao mar
regresso sempre que o olhar
se me fecha
e teu sorriso transparece
nas longínquas vozes
da memória
Da solidão
fiz minha sombra.
De todos os nomes que habitaste
restam o mar
e a solidão
Ao mar
regresso sempre que o olhar
se me fecha
e teu sorriso transparece
nas longínquas vozes
da memória
Da solidão
fiz minha sombra.
terça-feira, 22 de junho de 2010
Verão
Saudação ao Verão que chega
que aquece as almas amantes de luz e de cor
e açoita violentamente os corpos distraídos
que se lhe oferecem sem pudor.
que aquece as almas amantes de luz e de cor
e açoita violentamente os corpos distraídos
que se lhe oferecem sem pudor.
Shumann
Devia ter sido a 8 de Junho, data do seu nascimento.
Homenagem ao músico romântico por excelência
no ano do bicentenário do seu nascimento.
Homenagem ao músico romântico por excelência
no ano do bicentenário do seu nascimento.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Autonomia e projecto - 3
Projecto e diferença
No seu capítulo II – Regime de autonomia – artigo 8º, §1 o decreto-lei 75/2008 de 22 de Abril refere que “a autonomia é a faculdade reconhecida ao agrupamento de escolas ou à escola não agrupada pela lei e pela administração educativa de tomar decisões nos domínios da organização pedagógica, da organização curricular, da gestão dos recursos humanos, da acção social escolar e da gestão estratégica, patrimonial, administrativa e financeira, no quadro das funções, competências e recursos que lhe estão atribuídos”. Acrescenta no artigo seguinte, §1 que “o projecto educativo, o regulamento interno, os planos anual e plurianual de actividades e o orçamento constituem instrumentos do exercício de autonomia [...]”, bem como (§2) o relatório anual de actividades, a conta de gerência e o relatório de auto-avaliação (estes “para efeitos de prestação de contas”) e o “contrato de autonomia” que constitui “o [seu] instrumento de desenvolvimento e aprofundamento”. Por outro lado, esclarece (§1, alínea a) que o “projecto educativo” é “o documento que consagra a orientação educativa do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada, elaborado e aprovado pelos seus órgãos de administração e gestão para um horizonte de três anos, no qual se explicitam os princípios, os valores, as metas e as estratégias segundo os quais o agrupamento de escolas ou escola não agrupada se propõe cumprir a sua função educativa”.
O projecto educativo corresponde, assim, não apenas a um dos “instrumentos de autonomia” mas o documento essencial da autonomia e da função primordial da escola: a educação. Com efeito, o projecto educativo “consagra a orientação educativa” e explicita ”os princípios, os valores, as metas e as estratégias” a partir das quais as escolas se propõem “cumprir a sua função educativa”.
O projecto educativo constitui, por conseguinte, a pedra basilar sobre a qual se constrói todo o edifício educativo centrado na escola que se pretende portadora de valores, dinamizadora de saberes, integradora de diferenças, promotora do crescimento pessoal, mental e social daqueles a que se destina – as crianças e adolescentes – com vista à construção de homens livres, como temos vindo a acentuar.
Nesta perspectiva, Adalberto D. Carvalho considera que “o projecto educativo constitui a espinha dorsal da autonomia [da escola], seu fundamento e seu reflexo. Ele marca sobretudo a passagem de um sistema educativo de estrutura vertical [...] para um sistema de regulação horizontal que aspira a ser o intérprete do reconhecimento não discriminatório das diferenças. Diferenças entre os alunos, diferenças entre os professores, diferenças entre as escolas. Esta será, aliás, a única base possível de uma igualdade autêntica e educativamente consequente” (1993: 5). Com efeito, apenas na diferença se justifica a educação e a escola . Se todos fôssemos iguais, se todos soubéssemos o mesmo, nada haveria para ensinar e para aprender. É, pois, na diferença, no seu reconhecimento e respeito que a dimensão educativa da actividade pedagógica, encontra a sua razão de ser. Por conseguinte, tudo o que diga respeito à escola (organização, currículo, projecto, acção) passa necessariamente pela assunção da diferença como critério essencial do seu modo de ser e de agir.
É essencial, pois, que a escola assuma que há crianças, jovens e adultos, professores e alunos, escolas urbanas e escolas rurais, em meios favorecidos e em meios desfavorecidos; que há quem sabe e ensina e quem não sabe e aprende; que aprender através de imagens é diferente de aprender através de textos, que estimular a busca autónoma pelo saber é diferente do ensino repetitivo e autómato, que, enfim, repetir modelos é diferente de criar projectos autónomos. Consoante a escolha que fizermos assim nos orientaremos para processos organizacionais, pedagógicos e educativos distintos. Uns privilegiam a transmissão e nela se centram, manifestando alguma (ou muita, como no caso do modelo burocrático) desconfiança pela mudança ao mesmo tempo que nutrem da sua fixação no passado com modelos pedagógicos e educativos centrados no professor, como voz mecânica desses saberes fixos, seguros, dominantes e conservadores. A escola, nesta perspectiva, tem a função de conservar o saber dominante transmitindo-o de modo uniforme e constringente. As pedagogias directivas tradicionais têm aqui o seu chão propício.
Pelo contrário, a escola pode escolher a ruptura com o passado, com a tradição e promover a inovação permanente, numa frenética luta contra tudo o que se assemelhe ao passado, à tradição, responsabilizados pelos males de que é preciso curar e contra os quais é preciso imunizar as gerações aprendentes. A escola nova nasceu e cresceu neste modelo e as pedagogias não directivas também. De facto, centrando a actividade pedagógica e educativa no aluno e a função da escola na aprendizagem obsessiva pelo novo, esvazia-se a ligação das novas gerações aprendentes com as gerações que lhes deram origem tornando-se indivíduos sem história, i.é, sem a dimensão que nos faz homens: a nossa historicidade, a consciência do tempo e do espaço em que nos fazemos uns com os outros. Arriscamo-nos, portanto, a criar indivíduos órfãos de cultura, homens que cresceram na crença de que apenas o que eles sabem, fazem e criam é importante, tem sentido, tem interesse. Como todos os órfãos, mais cedo ou mais tarde, dar-se-ão conta de que não nasceram do vazio, que havia um antes e haverá um depois. Que afinal têm pais! Mais cedo ou mais tarde, descobrirão que, mesmo os saberes, por mais operatórios, objectivos, funcionais e profícuos que sejam, resultam de um processo que os justifica. Mesmo na sua epistemológica revolução paradigmática. Descobrirão que não vivem sozinhos e, acima de tudo, que não se fazem sozinhos. Fazem-se (fazemo-nos) uns com os outros e apenas com os outros nos fazemos humanos .
O outro é, pois, na sua diferença ôntica e ética, a razão de ser da escola, da pedagogia e da educação. O outro é a razão de o eu ser o que é: imperfeito, inacabado, historicamente marcado pelo tempo e pelo sítio onde vive. O outro, enquanto aquele com o qual o eu se confronta e se forma, estabelece a dimensão ética do ser, pensar, dizer e fazer do eu que o reconhece como diferente e, por isso mesmo, com igual dignidade e onticidade.
O reconhecimento da diferença como categoria ontológica e ética coloca-nos no cerne da reflexão sobre a escola, a pedagogia, a educação e, por conseguinte, do tempo, do espaço e do projecto educativos. Por três razões essenciais:
1. Reconhecimento da historicidade do tempo, do espaço e dos saberes humanos;
2. Reconhecimento da comunicação como centro da actividade pedagógica e educativa;
3. Reconhecimento do projecto como expressão da permanente busca humana pela superação dos limites da sua fragilidade e ignorância.
Bibliografia referenciada
AAVV 2006 A autonomia das escolas, Lisboa, F. C. Gulbenkian
BARROSO, João (2006) “A autonomia das escolas: retórica, instrumento e modo de regulação da acção política”, in AAVV (2006) A autonomia das escolas, Lisboa, F.C.Gulbenkian, pp 23-48
BARROSO, João (2004) “A autonomia das escolas: uma ficção necessária” in Revista Portuguesa de Educação, 2004, 17(2), pp 49-83CARVALHO, Adalberto (1994) Utopia e educação, Porto, Porto Ed.
CARVALHO, Adalberto et alt (1993) A construção do projecto de escola, Porto, Porto ed
CARVALHO, Rómulo (1986) História do Ensino em Portugal, Lisboa, F. C. Gulbenkian,
DAMAS, José A (1997) A Educação como comunicação normativa, Penafiel, ISP
FOUCAULT, Michel (1975) Surveiller et punir, Paris, Gallimard
GIL, Fernando (1979) « Disciplinas : Invenção, transmissão, habitus", in CARRILHO, Manuel M (dir.) (1979) História e prática das ciências, Lisboa, A Regra do Jogo, pp. 239-321
GOMES, Joaquim F. (1984) Estudos de História e de Pedagogia, Coimbra, Livraria Almedina
LIMA, Licínio C. (1992) A escola como organização e a participação na organização escolar, Braga, Un. Minho
STEINER, G., LADJALI, C (2004) Elogio da Transmissão, Lisboa, D. Quixote
TORGAL, Luis R. (1993) "A instrução Pública" in História de Portugal, Quinto Volume, 609-652, Lisboa, Círculo de Leitores
No seu capítulo II – Regime de autonomia – artigo 8º, §1 o decreto-lei 75/2008 de 22 de Abril refere que “a autonomia é a faculdade reconhecida ao agrupamento de escolas ou à escola não agrupada pela lei e pela administração educativa de tomar decisões nos domínios da organização pedagógica, da organização curricular, da gestão dos recursos humanos, da acção social escolar e da gestão estratégica, patrimonial, administrativa e financeira, no quadro das funções, competências e recursos que lhe estão atribuídos”. Acrescenta no artigo seguinte, §1 que “o projecto educativo, o regulamento interno, os planos anual e plurianual de actividades e o orçamento constituem instrumentos do exercício de autonomia [...]”, bem como (§2) o relatório anual de actividades, a conta de gerência e o relatório de auto-avaliação (estes “para efeitos de prestação de contas”) e o “contrato de autonomia” que constitui “o [seu] instrumento de desenvolvimento e aprofundamento”. Por outro lado, esclarece (§1, alínea a) que o “projecto educativo” é “o documento que consagra a orientação educativa do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada, elaborado e aprovado pelos seus órgãos de administração e gestão para um horizonte de três anos, no qual se explicitam os princípios, os valores, as metas e as estratégias segundo os quais o agrupamento de escolas ou escola não agrupada se propõe cumprir a sua função educativa”.
O projecto educativo corresponde, assim, não apenas a um dos “instrumentos de autonomia” mas o documento essencial da autonomia e da função primordial da escola: a educação. Com efeito, o projecto educativo “consagra a orientação educativa” e explicita ”os princípios, os valores, as metas e as estratégias” a partir das quais as escolas se propõem “cumprir a sua função educativa”.
O projecto educativo constitui, por conseguinte, a pedra basilar sobre a qual se constrói todo o edifício educativo centrado na escola que se pretende portadora de valores, dinamizadora de saberes, integradora de diferenças, promotora do crescimento pessoal, mental e social daqueles a que se destina – as crianças e adolescentes – com vista à construção de homens livres, como temos vindo a acentuar.
Nesta perspectiva, Adalberto D. Carvalho considera que “o projecto educativo constitui a espinha dorsal da autonomia [da escola], seu fundamento e seu reflexo. Ele marca sobretudo a passagem de um sistema educativo de estrutura vertical [...] para um sistema de regulação horizontal que aspira a ser o intérprete do reconhecimento não discriminatório das diferenças. Diferenças entre os alunos, diferenças entre os professores, diferenças entre as escolas. Esta será, aliás, a única base possível de uma igualdade autêntica e educativamente consequente” (1993: 5). Com efeito, apenas na diferença se justifica a educação e a escola . Se todos fôssemos iguais, se todos soubéssemos o mesmo, nada haveria para ensinar e para aprender. É, pois, na diferença, no seu reconhecimento e respeito que a dimensão educativa da actividade pedagógica, encontra a sua razão de ser. Por conseguinte, tudo o que diga respeito à escola (organização, currículo, projecto, acção) passa necessariamente pela assunção da diferença como critério essencial do seu modo de ser e de agir.
É essencial, pois, que a escola assuma que há crianças, jovens e adultos, professores e alunos, escolas urbanas e escolas rurais, em meios favorecidos e em meios desfavorecidos; que há quem sabe e ensina e quem não sabe e aprende; que aprender através de imagens é diferente de aprender através de textos, que estimular a busca autónoma pelo saber é diferente do ensino repetitivo e autómato, que, enfim, repetir modelos é diferente de criar projectos autónomos. Consoante a escolha que fizermos assim nos orientaremos para processos organizacionais, pedagógicos e educativos distintos. Uns privilegiam a transmissão e nela se centram, manifestando alguma (ou muita, como no caso do modelo burocrático) desconfiança pela mudança ao mesmo tempo que nutrem da sua fixação no passado com modelos pedagógicos e educativos centrados no professor, como voz mecânica desses saberes fixos, seguros, dominantes e conservadores. A escola, nesta perspectiva, tem a função de conservar o saber dominante transmitindo-o de modo uniforme e constringente. As pedagogias directivas tradicionais têm aqui o seu chão propício.
Pelo contrário, a escola pode escolher a ruptura com o passado, com a tradição e promover a inovação permanente, numa frenética luta contra tudo o que se assemelhe ao passado, à tradição, responsabilizados pelos males de que é preciso curar e contra os quais é preciso imunizar as gerações aprendentes. A escola nova nasceu e cresceu neste modelo e as pedagogias não directivas também. De facto, centrando a actividade pedagógica e educativa no aluno e a função da escola na aprendizagem obsessiva pelo novo, esvazia-se a ligação das novas gerações aprendentes com as gerações que lhes deram origem tornando-se indivíduos sem história, i.é, sem a dimensão que nos faz homens: a nossa historicidade, a consciência do tempo e do espaço em que nos fazemos uns com os outros. Arriscamo-nos, portanto, a criar indivíduos órfãos de cultura, homens que cresceram na crença de que apenas o que eles sabem, fazem e criam é importante, tem sentido, tem interesse. Como todos os órfãos, mais cedo ou mais tarde, dar-se-ão conta de que não nasceram do vazio, que havia um antes e haverá um depois. Que afinal têm pais! Mais cedo ou mais tarde, descobrirão que, mesmo os saberes, por mais operatórios, objectivos, funcionais e profícuos que sejam, resultam de um processo que os justifica. Mesmo na sua epistemológica revolução paradigmática. Descobrirão que não vivem sozinhos e, acima de tudo, que não se fazem sozinhos. Fazem-se (fazemo-nos) uns com os outros e apenas com os outros nos fazemos humanos .
O outro é, pois, na sua diferença ôntica e ética, a razão de ser da escola, da pedagogia e da educação. O outro é a razão de o eu ser o que é: imperfeito, inacabado, historicamente marcado pelo tempo e pelo sítio onde vive. O outro, enquanto aquele com o qual o eu se confronta e se forma, estabelece a dimensão ética do ser, pensar, dizer e fazer do eu que o reconhece como diferente e, por isso mesmo, com igual dignidade e onticidade.
O reconhecimento da diferença como categoria ontológica e ética coloca-nos no cerne da reflexão sobre a escola, a pedagogia, a educação e, por conseguinte, do tempo, do espaço e do projecto educativos. Por três razões essenciais:
1. Reconhecimento da historicidade do tempo, do espaço e dos saberes humanos;
2. Reconhecimento da comunicação como centro da actividade pedagógica e educativa;
3. Reconhecimento do projecto como expressão da permanente busca humana pela superação dos limites da sua fragilidade e ignorância.
Bibliografia referenciada
AAVV 2006 A autonomia das escolas, Lisboa, F. C. Gulbenkian
BARROSO, João (2006) “A autonomia das escolas: retórica, instrumento e modo de regulação da acção política”, in AAVV (2006) A autonomia das escolas, Lisboa, F.C.Gulbenkian, pp 23-48
BARROSO, João (2004) “A autonomia das escolas: uma ficção necessária” in Revista Portuguesa de Educação, 2004, 17(2), pp 49-83CARVALHO, Adalberto (1994) Utopia e educação, Porto, Porto Ed.
CARVALHO, Adalberto et alt (1993) A construção do projecto de escola, Porto, Porto ed
CARVALHO, Rómulo (1986) História do Ensino em Portugal, Lisboa, F. C. Gulbenkian,
DAMAS, José A (1997) A Educação como comunicação normativa, Penafiel, ISP
FOUCAULT, Michel (1975) Surveiller et punir, Paris, Gallimard
GIL, Fernando (1979) « Disciplinas : Invenção, transmissão, habitus", in CARRILHO, Manuel M (dir.) (1979) História e prática das ciências, Lisboa, A Regra do Jogo, pp. 239-321
GOMES, Joaquim F. (1984) Estudos de História e de Pedagogia, Coimbra, Livraria Almedina
LIMA, Licínio C. (1992) A escola como organização e a participação na organização escolar, Braga, Un. Minho
STEINER, G., LADJALI, C (2004) Elogio da Transmissão, Lisboa, D. Quixote
TORGAL, Luis R. (1993) "A instrução Pública" in História de Portugal, Quinto Volume, 609-652, Lisboa, Círculo de Leitores
Talvez Poema
28.
O banco ainda lá está as pontas dos cigarros já não.
Mantenho viva a memória dessa tarde deslumbrada em que a angústia e a timidez se sublimaram nas palavras imperfeitas que se soltavam opacas no fumo dos cigarros.
O abismo cercava-me o olhar e o dizer.
A coragem, tantas vezes adiada, irrompeu receosa e perfumou-se das flores do jardim.
As flores mantêm o aroma perfumado de alecrim e alfazema embrulhado em acácia e rosa brava. Eu aspiro-o sobretudo nos dias sombrios de chuva e temporal. Assim, a primavera chega mais cedo e o verão aquece-me ainda outra vez no banco do jardim onde te disse o meu amor sem o dizer.
Faz-me bem ouvir o balbuciar das folhas do carvalho que me acolhe nas tardes quentes do estio. Fecho os olhos e vejo teu contentamento no brilho silencioso do teu olhar. Guardo-o no cantinho onde estão os tesouros que a vida o sonho o amor me foram dando. Deles me sirvo nos dias em que as flores perdem as pétalas e o arco-íris.
E recomeço. Recomeço sempre.
Ao banco regresso sempre também. Sento-me, fixo o chão, fecho os olhos e vejo o brilho do teu olhar. E sei que o verão começou.
O banco ainda lá está as pontas dos cigarros já não.
Mantenho viva a memória dessa tarde deslumbrada em que a angústia e a timidez se sublimaram nas palavras imperfeitas que se soltavam opacas no fumo dos cigarros.
O abismo cercava-me o olhar e o dizer.
A coragem, tantas vezes adiada, irrompeu receosa e perfumou-se das flores do jardim.
As flores mantêm o aroma perfumado de alecrim e alfazema embrulhado em acácia e rosa brava. Eu aspiro-o sobretudo nos dias sombrios de chuva e temporal. Assim, a primavera chega mais cedo e o verão aquece-me ainda outra vez no banco do jardim onde te disse o meu amor sem o dizer.
Faz-me bem ouvir o balbuciar das folhas do carvalho que me acolhe nas tardes quentes do estio. Fecho os olhos e vejo teu contentamento no brilho silencioso do teu olhar. Guardo-o no cantinho onde estão os tesouros que a vida o sonho o amor me foram dando. Deles me sirvo nos dias em que as flores perdem as pétalas e o arco-íris.
E recomeço. Recomeço sempre.
Ao banco regresso sempre também. Sento-me, fixo o chão, fecho os olhos e vejo o brilho do teu olhar. E sei que o verão começou.
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Talvez Poema
27.
Teus passos nítidos
escapam seguros à espuma
das ondas do solstício
Num ritmo suave
- quase musical –
paras olhas
aspiras a maresia
abres os braços o peito os lábios
soltas o amor
Sigo teus passos
Apresso-me a mergulhar
no sorriso do teu olhar
Teus passos nítidos
escapam seguros à espuma
das ondas do solstício
Num ritmo suave
- quase musical –
paras olhas
aspiras a maresia
abres os braços o peito os lábios
soltas o amor
Sigo teus passos
Apresso-me a mergulhar
no sorriso do teu olhar
Autonomia e projecto - 2
Ensinar e Aprender
A escolha da melhor forma de ensinar e de aprender depende do seu ajustamento circunstancial e contextual. São as circunstâncias e o contexto que determinam a escolha dos métodos, técnicas e procedimentos que melhor se ajustarem ao processo de ensinar e de aprender. Por sua vez, é este ajustamento que determina, em larga medida, o sucesso/insucesso dos processos educativos e pedagógicos. Neste sentido, do mesmo modo que quem ensina recorre aos métodos e técnicas julgados mais eficazes, eficientes e oportunos na sua função de tornar compreensível o que é ensinado, também quem aprende faz uso dos processos julgados também mais eficazes, eficientes e oportunos para compreender o que aprende, de modo a assimilá-lo como saber, como conhecimento.
No que à escola diz respeito, a definição do que ela deve ensinar, i.é, a identificação das finalidades e desígnios formativos e educacionais é competência do Estado. A salvaguarda do “saber comum” e da identidade cultural assim o exige. A sua operacionalização, i.é, a escolha dos melhores processos de transmiti-los e ensiná-los e das melhores condições para aprender deve ser competência da escola.
É aqui, justamente neste equilíbrio entre o que ensinar e aprender e como ensinar e aprender que se joga todo o processo educacional e o sentido da autonomia e do projecto. É aqui que se joga o equilíbrio entre a autoridade e a autonomia. É aqui, enfim que se ganha ou se perde a luta contra a barbárie e o vazio , como Steiner afirmou, referindo-se ao ensino secundário (2004: 75).
Deste modo, a “autonomia autêntica” advém do reconhecimento, por parte do Estado, da competência e da capacidade das escolas escolherem e operacionalizarem os processos mais adequados ao cumprimento dos objectivos e finalidades, identificados pelos órgãos competentes que tutelam a educação como essenciais ao nosso viver comum e à educação de todos, com todos e para todos.
São as escolas e os professores que melhor poderão mobilizar os saberes e capacidades com vista à educação das crianças e jovens a que se destina. São as escolas e os professores que poderão dar resposta adequada e oportuna à imprevisibilidade e imponderabilidade das circunstâncias e desafios com que o ensinar e o aprender se confrontam, tanto mais quanto a escola pretender assumir-se como mobilizadora da imprevisibilidade dos saberes que se fazem ao seu redor, disponibilizados pela TV, pela Internet e/ou por grupos e comunidades étnicas, culturais e raciais.
São as escolas, na sua especificidade e diferença, assumida a sua insubstituível função educativa, alicerçada nos valores que nos permitem viver bem uns com os outros, contribuindo para a dignificação interpessoal dos envolvidos no processo de ensinar e de aprender, que, no processo educativo, podem fazer da diferença uma categoria fundamental do tempo e do espaço que constituem a nosso modo humano de ser e do outro a referência da educação inclusiva. A liberdade, o respeito, a solidariedade e a tolerância são os pilares deste edifício ético que se constrói na mobilização intersubjectiva de modos de ser, pensar, dizer e fazer que, na sua diversidade, mutuamente se justificam na dinâmica dialógica que identifica o processo educativo e pedagógico.
Ora, este reconhecimento tornará mais eficaz a acção do Estado perante, por um lado, a progressiva complexidade que caracteriza as sociedades contemporâneas e a escola e, por outro, a necessidade de conciliar o respeito pela diferença com as finalidades e objectivos comuns. Esta conciliação só será possível “com o reforço simultâneo da autonomia das escolas e das formas democráticas de participação e decisão” (Barroso, idem: 44). “Só assim será possível, conclui, recorrendo a Tyack e Cuban, ‘estabelecer um acordo sobre uma base suficientemente generosa, atractiva e plausível que possa unificar os cidadãos no apoio à escola pública’, ’uma necessidade crucial do nosso tempo’”(Idem: 45).
Neste sentido, salientam-se, doze anos depois, os “sete princípios” que João Barroso considera norteadores da autonomia das escolas que possa constituir motor de inovação e “um meio de as escolas prestarem em melhores condições o serviço público de educação” (Ibidem) .
O decreto-lei 75/2008 de 22 de Abril representa um passo importante no reconhecimento da importância das escolas na promoção da educação, do saber em íntima articulação com a comunidade em que se insere. Assim vá além da “retórica política” e da pura “ficção” e se transforme no motor de uma estimulante utopia.
Bibliografia referenciada
AAVV 2006 A autonomia das escolas, Lisboa, F. C. Gulbenkian
BARROSO, João (2006) “A autonomia das escolas: retórica, instrumento e modo de regulação da acção política”, in AAVV (2006) A autonomia das escolas, Lisboa, F.C.Gulbenkian, pp 23-48
BARROSO, João (2004) “A autonomia das escolas: uma ficção necessária” in Revista Portuguesa de Educação, 2004, 17(2), pp 49-83
CARVALHO, Adalberto (1994) Utopia e educação, Porto, Porto Ed.
CARVALHO, Adalberto et alt (1993) A construção do projecto de escola, Porto, Porto ed
CARVALHO, Rómulo (1986) História do Ensino em Portugal, Lisboa, F. C. Gulbenkian,
DAMAS, José A (1997) A Educação como comunicação normativa, Penafiel, ISP
FOUCAULT, Michel (1975) Surveiller et punir, Paris, Gallimard
GIL, Fernando (1979) « Disciplinas : Invenção, transmissão, habitus", in CARRILHO, Manuel M (dir.) (1979) História e prática das ciências, Lisboa, A Regra do Jogo, pp. 239-321
GOMES, Joaquim F. (1984) Estudos de História e de Pedagogia, Coimbra, Livraria Almedina
LIMA, Licínio C. (1992) A escola como organização e a participação na organização escolar, Braga, Un. Minho,
STEINER, G., LADJALI, C (2004) Elogio da Transmissão, Lisboa, D. Quixote
TORGAL, Luis R. (1993) "A instrução Pública" in História de Portugal, Quinto Volume, 609-652, Lisboa, Círculo de Leitores
A escolha da melhor forma de ensinar e de aprender depende do seu ajustamento circunstancial e contextual. São as circunstâncias e o contexto que determinam a escolha dos métodos, técnicas e procedimentos que melhor se ajustarem ao processo de ensinar e de aprender. Por sua vez, é este ajustamento que determina, em larga medida, o sucesso/insucesso dos processos educativos e pedagógicos. Neste sentido, do mesmo modo que quem ensina recorre aos métodos e técnicas julgados mais eficazes, eficientes e oportunos na sua função de tornar compreensível o que é ensinado, também quem aprende faz uso dos processos julgados também mais eficazes, eficientes e oportunos para compreender o que aprende, de modo a assimilá-lo como saber, como conhecimento.
No que à escola diz respeito, a definição do que ela deve ensinar, i.é, a identificação das finalidades e desígnios formativos e educacionais é competência do Estado. A salvaguarda do “saber comum” e da identidade cultural assim o exige. A sua operacionalização, i.é, a escolha dos melhores processos de transmiti-los e ensiná-los e das melhores condições para aprender deve ser competência da escola.
É aqui, justamente neste equilíbrio entre o que ensinar e aprender e como ensinar e aprender que se joga todo o processo educacional e o sentido da autonomia e do projecto. É aqui que se joga o equilíbrio entre a autoridade e a autonomia. É aqui, enfim que se ganha ou se perde a luta contra a barbárie e o vazio , como Steiner afirmou, referindo-se ao ensino secundário (2004: 75).
Deste modo, a “autonomia autêntica” advém do reconhecimento, por parte do Estado, da competência e da capacidade das escolas escolherem e operacionalizarem os processos mais adequados ao cumprimento dos objectivos e finalidades, identificados pelos órgãos competentes que tutelam a educação como essenciais ao nosso viver comum e à educação de todos, com todos e para todos.
São as escolas e os professores que melhor poderão mobilizar os saberes e capacidades com vista à educação das crianças e jovens a que se destina. São as escolas e os professores que poderão dar resposta adequada e oportuna à imprevisibilidade e imponderabilidade das circunstâncias e desafios com que o ensinar e o aprender se confrontam, tanto mais quanto a escola pretender assumir-se como mobilizadora da imprevisibilidade dos saberes que se fazem ao seu redor, disponibilizados pela TV, pela Internet e/ou por grupos e comunidades étnicas, culturais e raciais.
São as escolas, na sua especificidade e diferença, assumida a sua insubstituível função educativa, alicerçada nos valores que nos permitem viver bem uns com os outros, contribuindo para a dignificação interpessoal dos envolvidos no processo de ensinar e de aprender, que, no processo educativo, podem fazer da diferença uma categoria fundamental do tempo e do espaço que constituem a nosso modo humano de ser e do outro a referência da educação inclusiva. A liberdade, o respeito, a solidariedade e a tolerância são os pilares deste edifício ético que se constrói na mobilização intersubjectiva de modos de ser, pensar, dizer e fazer que, na sua diversidade, mutuamente se justificam na dinâmica dialógica que identifica o processo educativo e pedagógico.
Ora, este reconhecimento tornará mais eficaz a acção do Estado perante, por um lado, a progressiva complexidade que caracteriza as sociedades contemporâneas e a escola e, por outro, a necessidade de conciliar o respeito pela diferença com as finalidades e objectivos comuns. Esta conciliação só será possível “com o reforço simultâneo da autonomia das escolas e das formas democráticas de participação e decisão” (Barroso, idem: 44). “Só assim será possível, conclui, recorrendo a Tyack e Cuban, ‘estabelecer um acordo sobre uma base suficientemente generosa, atractiva e plausível que possa unificar os cidadãos no apoio à escola pública’, ’uma necessidade crucial do nosso tempo’”(Idem: 45).
Neste sentido, salientam-se, doze anos depois, os “sete princípios” que João Barroso considera norteadores da autonomia das escolas que possa constituir motor de inovação e “um meio de as escolas prestarem em melhores condições o serviço público de educação” (Ibidem) .
O decreto-lei 75/2008 de 22 de Abril representa um passo importante no reconhecimento da importância das escolas na promoção da educação, do saber em íntima articulação com a comunidade em que se insere. Assim vá além da “retórica política” e da pura “ficção” e se transforme no motor de uma estimulante utopia.
Bibliografia referenciada
AAVV 2006 A autonomia das escolas, Lisboa, F. C. Gulbenkian
BARROSO, João (2006) “A autonomia das escolas: retórica, instrumento e modo de regulação da acção política”, in AAVV (2006) A autonomia das escolas, Lisboa, F.C.Gulbenkian, pp 23-48
BARROSO, João (2004) “A autonomia das escolas: uma ficção necessária” in Revista Portuguesa de Educação, 2004, 17(2), pp 49-83
CARVALHO, Adalberto (1994) Utopia e educação, Porto, Porto Ed.
CARVALHO, Adalberto et alt (1993) A construção do projecto de escola, Porto, Porto ed
CARVALHO, Rómulo (1986) História do Ensino em Portugal, Lisboa, F. C. Gulbenkian,
DAMAS, José A (1997) A Educação como comunicação normativa, Penafiel, ISP
FOUCAULT, Michel (1975) Surveiller et punir, Paris, Gallimard
GIL, Fernando (1979) « Disciplinas : Invenção, transmissão, habitus", in CARRILHO, Manuel M (dir.) (1979) História e prática das ciências, Lisboa, A Regra do Jogo, pp. 239-321
GOMES, Joaquim F. (1984) Estudos de História e de Pedagogia, Coimbra, Livraria Almedina
LIMA, Licínio C. (1992) A escola como organização e a participação na organização escolar, Braga, Un. Minho,
STEINER, G., LADJALI, C (2004) Elogio da Transmissão, Lisboa, D. Quixote
TORGAL, Luis R. (1993) "A instrução Pública" in História de Portugal, Quinto Volume, 609-652, Lisboa, Círculo de Leitores
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