Regresso à escola em tempo sem aulas.
Os alunos estão a preparar exames, a preparar as férias, a preparar a ocupação cívica do estio, a preparar a vontade para não fazer nada. Os professores enfadam-se e suspiram o desencanto e a frustração pela burocrática ocupação do seu saber e empenho profissional. Enfadam-se e suspiram o desencanto e frustração pelos desejos por cumprir.
Regresso à escola com um texto apresentado no 2º Encontro Internacional de Filosofia da Educação - FLUP.
Como sempre destina-se à discussão, à crítica. Ao aplauso também, se o merecer, claro que são festinhas narcísicas que nos fazem muito bem ao umbigo.
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"O problema real, fundamental e primeiro da educação" é o seguinte: "as palavras, as imagens, os textos [...] têm um sentido para aquele que sabe, [mas] ainda o não têm para aquele que aprende" (R. La Borderie, 1993: 33). O resto, acrescenta ele, não é mais que um invólucro administrativo, jurídico, organizacional, etc. Mas o que está no invólucro, e que demasiadas vezes fica escondido (ou até mesmo lacrado) é a actividade do aluno; actividade essa cujo fundamento é um acto de comunicação" (ibid.).
Centrada na comunicação, a educação busca a construção do sentido na relação dialógica que se desenvolve entre os sujeitos envolvidos no processo de ensinar e de aprender. O sentido não está no que se diz nem está no que se ouve. Constrói-se na dinâmica comunicacional que se desenvolve entre eles. Como uma bola saltitando entre os jogadores . É tocada por um, é tocada por outro, bem ou mal tratada por ambos mas, sob risco de o jogo terminar, como quando a criança se apropria da bola, que é sua, e acaba com o jogo que não lhe está a correr de feição, para a seguir começar novo jogo indiferente ao que acontecera antes. Este possível contínuo recomeçar sem consideração ou respeito pelo que acontecera antes, como se o tempo se esgotasse no instante em que acontece, sem um antes e sem um depois, não se ajusta à ideia de educação que perseguimos: a educação como comunicação normativa assente na dimensão comunicacional que nos faz uns com os outros no mundo da linguagem natural em que nascemos e nos movemos. Esta consideração da educação alimenta-se do devir histórico em que nos fazemos. Nascemos, vivemos e morremos num tempo e espaço que, não sendo apenas nossos, é neles que fazemos a nossa subjectividade e a confrontamos com o outro.
O outro é a razão do nosso existir. Também a relação pedagógica que aspira ser educativa se justifica no outro. O jogo que se desenvolve entre quem ensina e quem aprende apenas se justifica naquele que não sou eu. E porque o ensinar e o aprender se desenvolvem na linguagem que o eu e o outro como um tu falam, a educação encontra-se justificada na necessidade de o eu e o tu se confrontarem no jogo comunicacional que ambos jogam. No diálogo que entre eles se desenvolve com vista a um possível encontro no nós, como Francis Jacques e Louis Not defende.
Na relação educativa que se desenvolve na escola quem ensina é o professor, quem aprende é o aluno . Desenvolvendo-se no seio da linguagem a relação educativa apenas cumprirá a sua função se ambos os sujeitos envolvidos no processo educativo falarem a mesma língua, usarem a mesma linguagem. Caso contrário, arriscam-se a um falar em alhos e outro entender bugalhos. Melhor: mesmo usando a mesma linguagem a equivocidade na comunicação apenas seria evitada se a linguagem fosse unívoca e transparente. Não é o que se passa com a linguagem natural. Mas é o que acontece com a imagem-tv, a linguagem formal, a informática e a matemática. A linguagem natural, atravessada pelo histórico uso dos falantes, é polissémica, plurívoca, possibilitando novos caminhos que o leitor/ouvinte inventa. A linguagem natural convoca leitores, intérpretes. A linguagem formal e abstracta esgota-se na sua univocidade. Por isso, é transparente. A imagem-tv é igualmente transparente: diz tudo sobre tudo. Nada lhe escapa.
Ora, dado o fascínio e dominância da linguagem audiovisual junto dos jovens alunos é legítimo pensar que o seu mundo, o mundo que se faz na linguagem que habitam, é distinto da linguagem natural, que habita o mundo do professor.
Pensar a educação exige, por conseguinte, a disponibilidade para fazê-lo onde ela se constrói e se justifica: o mundo da linguagem que nem é unívoco nem único.
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6 comentários:
Jad, excelente este texto.
introduz de forma muito clara essa dificuldade de ajustar a comunicação, as diferenças da linguagem de quem ensina e quem aprende, de quem fala e quem ouve. Ainda mais num mundo cada vez mais dinâmico, onde os jovens estão cada vez menos dispostos a debruçarem-se sobre o que não compreendem de imediato.
fiquei a perguntar-me se a transparência pode ser de todo alcançada...parece-me que não. O dizer subjetivo é nato, e nele há luz e sombras.
Mas sou leiga. Apenas quis dizer-te que meus olhos acompanham também estas postagens.
um abraço
Olá jad!
Por acaso não concordo muito com a última parte onde se diz que a linguagem imagem-tv é unívoca e transparente. Aliás, de transparente não terá mesmo nada pois, na maioria das vezes, a imagem-tv transmite uma falsa mensagem ou até mesmo uma não-mensagem. No entanto, para quem ouve poderá dar a ideia perfeitamente oposta.
Aliás, também não creio que seja tão taxativo que só a linguagem natural seja plurívoca.
Um abraço.
Obrigado, Andrea.
Continuo a considerar a expressão de Luhmann -"Sem comunicação não existem relações humanas nem vida propriamente dita"- como essencial para compreender as relações que estabelecemos uns com os outros e especialmente com aqueles que pretendemos que aprendam aquilo que lhes ensinamos. (Bem sei que os pensadores de Palo Alto defendiam a impossibilidade de não comunicar mas aquela frase de Niklas Luhmann faz uma síntese que me agrada muito). Se pensarmos a relação pedagógica e educativa centrada na comunicação damo-nos conta rapidamente que o sucesso e o insucesso estão directamente ligados ao nível de uso e domínio da língua natural, a língua mãe. Se não a centrarmos na comunicação
estou convencido que estamos a passar ao lado daquilo que LaBorderie chama o problema central da educação.
Quanto à transparência da linguagem peço o favor de leres o meu comentário ao comentário do Elenáro. Além disso, o desenvolvimento do texto abrirá novas perpectivas e novas pontas de análise e reflexão. Pelo menos assim o espero.
Abraço, Andrea. É um privilégio ler-te aqui.
Caro Elenáro,
Como referi no comentário ao comentário da Andrea, espero que o desenvolvimento do texto traga nova perspectivas e abra novos pontos de reflexão e crítica.
De qualquer modo, a pertinência da tua observação justifica e merece um comentário meu.
Elenáro, a imagem não é unívoca quando sobre ela reflectimos, quer dizer, quando temos tempo para nos debruçarmos sobre o que significará, sobre o sentido. São dois momentos: no primeiro a imagem entra-nos, literalmente, pelos olhos dentro e ficamos encantados ou os seus opostos; no segundo pensamos sobre ela. São também zonas diferentes do cérebro: uma vê a imagem, outra analisa-a e interpreta-a. Mas isto só acontece porque é possível debruçarmo-nos sobre ela. É isto que não é possível fazer com a imagem-tv. Qualquer exercício de interpretação é sempre a posteriori, é sempre sobre o que dela nos ficou. (A não ser, é claro, que analisemos fotograma por fotograma... Mas nesse caso já não é imagem-tv).
Tens razão: há mensagens subliminais que estão lá mas que não reconhecemos ou identificamos e que determinam comportamentos e reações que escapam ao nosso controlo, à consciência, à vontade. O problema, se eu o entendo bem, centra-se no espectador, no telespectador: como não tem tempo para se debruçar sobre a torrente de imagens que ininterruptamente vão deslizando pelos seus olhos, aquilo que a imagem diz é tudo o que é possível dizer. Neste sentido, é transparente. Não sobra nada para além do que ela mostra.
Com a matemática e a lógica formal passa-se o mesmo: na sua univocidade são transparentes: toda a gente sabe o mesmo sobre o mesmo. Não sobra nada salvo para aqueles que ignoram o significado da própria linguagem matemática e formal. Mas isso é outra coisa.
Que isto é polémico e controverso, é; que há muito para discutir, há; que se jogam perspectivas diferenciadas do ponto de vista gnosiológico, epistemológico, linguístico, comunicacional, etc. etc., jogam.
É também isso que este(s) textos pretendem provocar.
Obrigado, Elenáro, pela participação atenta. Bem-vindo.
Abraço.
Jad
Penso que não é possível ver uma imagem e não reflectir sobre ela, consciente ou inconscientemente. Repara que não é possível vermos uma imagem e ficarmos indiferentes como tu bem disseste.
Quando vemos algo temos a reacção mais básica, gostamos ou não. Mas isto é ter uma opinião e nem todos vão gostar do mesmo, logo a imagem não pode ser unívoca.
A reflexão que tu falas, mais profunda, é de facto a posteriori mas também o é a reacção de gostar ou não. Não podemos gostar de algo antes de vermos.
Repara que, todos os dias, somos bombardeados por imagens. Poucas são aquelas que verdadeiramente reparamos e nessas, aquelas que nos fazem fixar a atenção, já estamos a fazer uma análise à partida; já estamos a estabelecer uma interpretação da mesma pois nem tão vão interpretar as coisas da mesma maneira o que leva a que uns fiquem fixados numa imagem a qual outros nem repararão nela.
Logo, por este simples facto, a imagem-tv não pode ser unívoca porque para isso teríamos todos de ter as mesmas reacções às mesmas coisas.
Boa tarde, Elenáro
Antes de mais, as minhas desculpas por só agora corresponder ao teu comentário.
Quanto ao problema da univocidaade da imagem-tv, para além do que refiro no ponto(post) 1, acentuo que, se por qualquer razão, se impedisse a ligação entre os dois hesmiférios cerebrais, o telespectador continuaria a ver a imagem, a reconhecer o que ela apresentava mas seria incapaz de reflectir sobre ela e de sobre ela falar. Bastava-lhe a imagem. É o que se passa com o telespectador-consumidor de tv: alimenta-se da imagem-tv e organiza o mundo à sua imagem. Não pensa, não relecte sobre ela. Não vê outro sentido para além do imediato que lhe entra pelos olhos dentro. É neste sentido que a imagem-tv é trnasparente. E é por isso que é tão acessível e aceitável.
É pelo menos ao que vou chegando na investigação que vou fazendo sobre estas questões.
Obrigado, Elenáro.
Estou a pensar escrever um pequeno texto especifiamente para refletir sobre a relação entre a palavra (o texto), a imagem e os cérebros (direito e esquerdo). Espero pelas tuas dúvidas e questões.
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