sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Para o meu pai

No dia em que meu pai morreu não chorei;
ainda a ausência não se anunciara irreversível.
Chorei mais tarde quando a memória já não era capaz
de guardar a ausência no canto da alma
que meu pai habitava.

O tempo
- esse insidioso embrulho dos dias –
secou-me as lágrimas
e adoçou, na mais pura candura do gesto inocente,
a memória dos dias que não tivemos.
Hoje recordo a notícia insuspeita dessa noite sombria
e, apaziguado, alimento a memória
nos sonhos que meu pai gosta de me ver.

E sorrio.

E vejo-o sorrindo
no encantamento do olhar iluminado
saltando do rosto envelhecido.

Soltam-se-me as lágrimas.
Com elas rego a memória com que faço
os sonhos do tempo que habito.

E sorrimos.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

1970 - 40 anos

Há 40 anos foi Let it Be.
Os Beatles em seus derradeiros acordes
e (des)encantamentos.
So, let it be! 

Talvez Poema

Olho-me no teu olhar e maldigo
aqueles que te roubaram o sorriso
na dor dos que te morreram
sem causa e sem sentido

Olho-te e maldigo aqueles
que te incendiaram a alma
com o grito desmedido
das bombas de fome e de sangue
no horror sem nome dos que te mataram
sem razão e sem destino.

Olho-me na tua dor
e morrem-me os dias claros
perfumados de bela-luz e rosmaninho
entre giestas e carvalhos
em que inventávamos sonhos
nas margens encantadas da minha aldeia.

O que te fizemos, menina de Bagdad,
nas mil e uma noites feridas de morte e desencanto?

De que te vestimos, menino da minha aldeia,
esvaziado sem pudor de sonhos e fantasias sem par?

(In)comunicação burocrática na escola - 1.2 Limites e disfunções da burocracia

Os limites do modelo burocrático dependem fundamentalmente na sua entrópica incapacidade de se adaptar à mudança e de lutar contra a incerteza em resultado da sua extrema formalização e regulamentação através das regras impessoais e dos documentos escritos que continuamente produz. A burocracia assenta em tarefas que passam à rotina, perdendo a capacidade de auto-correcção (Crozier). Como consequência desta incapacidade, o modelo burocrático vai ter necessidade de combater as disfunções que ele próprio criou. Assim, vão surgir comportamentos não previstos nos regulamentos, conflitos entre sub-grupos, estratégias de controlo (nas repartições e níveis hierárquicos e funcionais), que conduzem à perda da unidade processual e a um certo entorpecimento dos funcionários; além disso, poderá haver "deslocação dos objectivos" e "ritualismo dos funcionários" (Merton), rotina, etc. Ora, a superação destas disfunções faz-se, dada a incapacidade de a organização burocrática se abrir ao exterior e à mudança, através da produção de novas regras impessoais, do reforço do controlo e centralização das decisões, isolamento dos estratos hierárquicos com reforço da identificação no grupo e maior pressão dos indivíduos nesses quadros (as diferentes categorias tendem a acentuar o seu isolamento e a comunicar cada vez menos entre si de modo a proteger o grupo e o poder que ele detém). Este processo é acompanhado do desenvolvimento do poder paralelo de forma a poder responder ao aumento das regras e normas impessoais. É o "círculo vicioso burocrático" (Crozier; Merton ref. por Freire 1993: 145) que Gouldner caracteriza de uma forma mais simples sendo, também, de âmbito mais restrito: a um abaixamento da motivação do pessoal que o modelo provoca segue-se o desencadeamento de vigilâncias mais atentas; estas vão originar o aparecimento de tensões e a consequente perda de eficácia e funcionalidade às quais a organização responde com a produção de novas regras e normas impessoais para fazer baixar essas tensões; as novas regras e normas vão provocar nova baixa de motivação com o consequente aumento de vigilâncias mais atentas, etc., etc. num processo que só termina quando o modelo burocrático já não conseguir resistir à mudança. Adopta, então, a mudança que lhe é típica: a "mudança em crise" (Freire, 1993: 146): conduzida de cima para baixo, habitualmente acompanhada de perturbações graves e do reforço da iniciativa e poder pessoal, decisões arbitrárias e autocráticas até ao seu ponto de funcionamento normal. Até que nova crise se manifeste e seja obrigada a mudar. "A crise é, pois, a forma própria e particular de mudança de uma organização de tipo burocrático" (Idem, p. 146).

(In)comunicação burocrática na escola - 1.1 Características principais das organizações burocráticas

1. A definição de competências, dos deveres, dos direitos e da hierarquia da autoridade é feita através de regras fixas e impessoais, ou seja, por leis e regulamentos administrativos;
2. A divisão do trabalho e a hierarquia da autoridade é baseada na especialização funcional e na subordinação na qual se exerce um controlo legal dos graus inferiores pelos superiores;
3. A gestão da organização utiliza predominantemente documentos escritos nas comunicações intra-burocráticas que são conservados em arquivos;
4. O funcionamento da organização repousa sobre a clara separação entre a actividade dos funcionários e a sua vida privada;
5. O desempenho das funções administrativas burocráticas pressupõe uma formação profissional avançada dos funcionários que são seleccionados para o emprego e promoção com base nas suas competências técnicas;
6. As funções administrativas, ao contrário do que acontecia tradicionalmente nos modelos paternalistas e carismáticos, passaram a ser desempenhadas "a tempo inteiro";
7. O funcionamento de uma organização burocrática obedece a regras gerais, formais e impessoais. O seu conhecimento representa uma aprendizagem técnica especializada. É também uma fonte de poder;
8. A autoridade baseia-se na repartição: "as ordens são executadas porque os regulamentos estabelecem que está dentro da competência normal de uma repartição dar essas ordens". (Pugh et al., cit. in Worsley, 1977, p. 305);

sábado, 13 de novembro de 2010

1970 - 40 anos

Em Novembro apareeceu The man who sold the world de David Bowie.
As radios continuam a passar a versão  dos Nirvana mas Cobain tinha apenas três anos quando o "camaleão" a gravou...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Talvez Poema

Regresso à minha aldeia.

Bem sei da irreversibilidade do tempo
– esse algoz das noites brancas – mas

deixem-me saudar a primavera no canto do cuco
e os pés descalços na terra fumegante do primeiro arado;

deixem-me acordar as manhãs
no balido das ovelhas do Ti António
e correr vinhedos e pinhais
nas encostas barrentas do outeiro;

deixem-me cavalgar a ribeira
em correrias salpicadas de risos inocentes;

deixem-me mergulhar no regaço quente de minha mãe
e na doçura disfarçada do sorriso no olhar de meu pai;

deixem-me regressar a mim.

Prometo não me perder.

domingo, 7 de novembro de 2010

Para uma menina que faz hoje anos

No dia em que nasceste
floriram rosas no meu jardim.

Das pétalas de rubor incandescente
soltaram-se gotas perfumadas
de sonhos e fantasia.

(era quase Inverno)

Há quem jure que
no chão onde caíram
nasceram arco-íris de encanto
e todos os dias a terra sorri para te saudar.

Ainda bem.

Que faria o inverno sem o encanto
dos dias perfumados
no rubor das rosas do meu jardim?

E eu?
Que faria sem o arco-íris?