Mesmo com quase toda a gente a banhos não param as notícias sobre a educação. São os resultados dos exames nacionais, são os realizados à saída da escola primária (5º ano de escolaridade), no Reino Unido, que mostram que um em cada cinco crianças de 11 anos de idade não sabe ler nem escrever. Os rapazes estão em pior situação do que as raparigas. 25% dos rapazes de 11 anos não sabem ler. Nas raparigas, a taxa de iliteracia é mais baixa: 15%. São os piores resultados dos últimos 15 anos; são as "alterações ao ECD" que corresponderiam, segundo a ministra, aos anseios dos professores; são as referências às virtualidades da autonomia das escolas a partir da experiência de Nova Iorque aplicada ao Brasil.
O que proponho aqui é uma reflexão dividida em três partes como um contributo (pequeno já se vê) para o debate que pode fazer-se em torno do sucesso e da avaliação, ou, também poderíamos dizer, do sucesso da avaliação:
1. “Se formar sai caro experimente investir na ignorância”
2. “O Sucesso Educativo é o Objectivo Intrínseco da Educação”
3. “Sem comunicação não existem relações humanas nem vida propriamente dita” .
1. “Se formar sai caro experimente investir na ignorância”
Todos conhecemos o velho princípio socrático: “ninguém pratica o mal voluntariamente mas por ignorância”. À margem das leituras de carácter mais filosófico, aqui interessa-nos sobretudo reconhecer a íntima ligação entre o saber, a ignorância e o bem. É como se Sócrates nos marcasse o âmbito do nosso modo humano de aprender: todo o aprender se orienta para a realização do homem como ser virtuoso, i.e, como praticante da virtude. E como se pratica a virtude? Através do saber.
É aqui que entra a formação.
É aqui que nos encontramos perante o maior desafio que se nos põe. Que nos devemos pôr: somos o que somos na justa medida em que permanentemente nos vamos fazendo. Somos o que somos porque nisso nos fizemos e nos fazemos. Desta ou daquela forma, com mais livros ou mais telenovelas, com mais viagens ou mais ostracismo, com mais convívio ou mais isolamento, com mais conversa ou mais televisão, com mais escola ou mais trabalho infantil, com mais auto estima ou mais auto comiseração, com mais solidariedade ou mais fundamentalismo, com mais estudo ou mais pouco ou nada fazer, com mais trabalho ou mais diversão, com mais formação ou mais ignorância.
Todos o sabemos: o mundo já não é o que era. O mundo dos nossos filhos, dos nossos alunos, já não é o mundo dos nossos 17 anos, já não é o mundo dos nossos pais. Muito menos o dos nossos avós. Todos o sabemos. O que mudou? Fundamentalmente o sentido do tempo. Fundamentalmente a usura do tempo é agora mais rápida, mais feroz. A ferocidade da usura do tempo mede-se pela velocidade com que o tempo passa. Com que a mudança se exprime. Tudo muda. Tudo sempre mudou. Nunca a mudança foi tão veloz como hoje.
É também aqui que entra a formação.
É aqui que se nos impõe a necessidade de combater o tempo na sua senda usurária com a única arma ao nosso alcance: a actualização permanente, isto é, a capacidade de, em qualquer momento e circunstância, sermos capazes de responder de forma eficaz e eficiente aos desafios que se nos colocarem. Só assim nos salvaremos da ignorância, só assim teremos capacidade de intervenção. Assim nos formaremos. Assim nos educaremos. Assim buscaremos o sucesso.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
O problema é que as pessoas dão-se por felizes (na maioria dos casos) em serem ignorantes... Vá-se lá saber porquê...
Bom post!
Elenário
Grato pelo apreço.
É que a felicidade não depende do saber, sobretudo numa cultura virada para fora, para o exterior de nós. Isso esvazía-nos e não nos damos conta. Quando aqui chegamos enchemo-nos de tudo o que configura esse esvaziamento: tudo o que não nos faça pensar.
Jad:
As questões que levantas são imensas:
Desde já: os nossos miúdos não estarão a entrar cedo demais na escola? A idade para começar a aprendizagem da leitura pode ser os cinco anos, seis e deverá sê-lo para todas as crianças?
Julgo que o que os educadores de infância fazem é sobretudo estimular a motricidade e a competência verbal, o que talvez não chegue.
Já que o nosso ministério da Educação - enfim, todos sabemos que é um eufemismo - já que ele insiste tanto nas avaliações de «saída» que são classificativas, porque não também de «entrada» que são de diagnóstico?
Pode ser que se descobra que, respeitando a idade própria para começar a aprender, os números da aliteracia (e da «a-matematia») se reduzam significativamente.
A outra coisa que se tem de pensar é: como fazer o potencial aluno querer aprender?
Passámos demasiado depressa da «reguada» para o aprender brincando? O reforço negativo é de todo condenável?
Cada vez tenho menos certezas - e absolutas, nenhuma.
Um abraço.
Tacci
Se as questões que eu levanto são imensas o que dizer das que tu colocas?! É todo um programa educativo que lá mora.
O meu ponto de partida é este: tudo o que somos, fazemos, ensinamos e aprendemos acontece na e pela linguagem. E, como sabes, a linguagem são linguagens, são modos de nos construirmos no modo como construímos as representações que fazemos do mundo. E aí, o mundo da linguagem audiovisual não é o mesmo da linguagem alfabética e escrita.Depois há outro motor para o que penso: todo o processo de ensinar implica a disponibilidade do ensinante (prof., pai, adulto...) para ajudar o ensinado a crescer em toda a sua plenitudie e dignidade. Ora, isto significa que quem ensina deve saber o mais rigorosamente possível o que ensina e conhecer o melhor possível os destinatários do seu ensino (lembras-te certamente do velho princípio aristotélico: "úteis em determinadas circunstâncias, inúteis noutras"). Significa ainda que, por exemplo, deveríamos saber que até aos 5 anos de idade, entre 60 e 70% do desenvolvimento intelectual está feito (o que não estiver também já não se faz; pode apenas ser compensado) e que os analfabetos, como a equipa de Castro Caldas mostrou, têm muita dificuldade (e nalguns casos é mesmo impossível) em identificar o objecto cadeira através do desenho da cadeira.
Nestas condições, penso que os infantários e jardins de infância deveriam estimular mais as crianças na busca pela resolução de problemas cada vez mais complexos (mesmo através de jogos) e que, mesmo sem contar com Piaget, as crianças deveriam ir para o 1º ciclo apenas após terem sido convenientemente estimuladas no pré- e nunca antes dos 7 anos.
(Sobre a iliteracia e a amatemacia hei-de colocar um post um dia destes).
Também penso que usámos e abusámos de Montessori. O jogo não é um fim em si. Integra um processo de aprender e, sobretudo, de crescer. Há, pois, que usá-lo como "meta-dos", como caminho e não como entertenimento, que foi em que se tornaram a generalidade das nossas prés- e EB's (por muito que nos custe). Por isso, é necessário que o miúdo saiba que fez bem quando fez bem e que fez mal quando tiver feito mal. A ambiguidade valorativa é catastrófica!
Além do mais, estou contigo: "Cada vez tenho menos certezas - e absolutas, nenhuma".
Abraço
Enviar um comentário