3. “Sem comunicação não existem relações humanas nem vida propriamente dita” (N. Luhmann)
Heidegger dizia que o homem é “aquele que fala” e que “a esfera inteira da presença está presente no dizer”; Gadamer que “não há nada que não seja acessível ao ouvir”; Wittgenstein que “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”; Torga que “somos a voz que temos”; Pessoa que “a minha pátria é a minha língua”. Filósofos, linguistas, hermeneutas, neurobiólogos, pensadores de múltiplas áreas acentuam este carácter essencial do nosso modo humano de ser: tudo o que somos, pensamos, dizemos e fazemos é na e pela linguagem que se constrói. Tudo. Também o aprender e o ensinar. Obviamente, todos o sabemos. E porque o sabemos nos esforçamos em procurar compreender a polissemia do que dizemos, aprendemos e ensinamos. Ou, como Ricoeur prefere, procuramos compreender a plurivocidade dos textos que dizemos, lemos, aprendemos e ensinamos. É que a plurivocidade comporta também a equivocidade, isto é, a possibilidade de nos equivocarmos, a possibilidade de dizermos alhos e ser entendido bugalhos; a possibilidade de estarmos a identificar conteúdos quando estamos a usar conceitos, signos, uma determinada linguagem que talvez seja diferente da que os alunos dominam, conhecem, usam; a possibilidade, enfim, de nos equivocarmos quanto às razões do sucesso ou do insucesso.
É que, se não estiver muito enganado, enquanto não centrarmos a relação pedagógica e educativa na comunicação e na linguagem estaremos sempre na periferia das razões do sucesso ou do insucesso, das razões do êxito ou do fracasso. Se não estiver muito equivocado, só quando reconhecermos que o mundo, isto é, a linguagem, das crianças e adolescentes com quem promovemos o ensinar e o aprender, possa não ser o nosso continuaremos na margem da corrente que leva ao sucesso ou ao insucesso. E, seguramente, esse não é o nosso mundo. O nosso é o mundo dos adultos, o mundo da razão, o mundo da dedução, o mundo feito sobre conhecimentos que fomos construindo ao longo do nosso processo de aprender. É o mundo da linguagem verbal e escrita. O mundo da criança e do adolescente é um mundo em construção a partir do que nós lhe damos e do que outros lhe dão. É a partir desses sinais, desses dados, que são conceitos, que são signos, linguagens, que ele se faz. Se estiver correcta esta convicção (e tenho fortes suspeitas de que esteja correcta), então, quando reconhecermos que a linguagem dominante na criança e no adolescente não é a verbal e muito menos a escrita mas a audiovisual, talvez tenhamos chegado ao patamar, ao portaló, como diz Torga, da verdadeiro desafio do ensinar e do aprender cujo é promover a intercompreensão na relação dinâmica e dialógica entre o eu falo, tu ouves, nós dizemos. É este NÓS que determinará o sucesso ou o insucesso, o êxito ou o fracasso da nossa tarefa pedagógica e educativa. Estou convencido que, enquanto não nos centrarmos na busca dos processos de intercompreensão, quero dizer, enquanto não buscarmos os processos, os meios, as técnicas que promovam o crescimento das crianças e adolescentes com vista à sua autonomia, com vista ao seu ser adulto, enquanto não nos centrarmos no campo em que tudo se faz e se constrói (i.e, a linguagem) estaremos certamente a fazer trabalhos muito meritórios mas continuaremos na margem da corrente. A TV e a Internet continuarão a mostrar-nos que estamos fora de jogo. Pior: continuarão a mostrar-nos que estamos fora do jogo. Será inexorável e irreversível? Se o fosse mais valia eleger os morangos com açúcar como o modelo do ensinar e do aprender. Não, não é. Nem inexorável, nem irreversível. É difícil, exige muita disponibilidade para mudar, muita disponibilidade para nos vermos como essencialmente falantes, para nos aceitarmos como seres que se fazem no mundo que é exclusivamente nosso, humano, o mundo da linguagem, para construirmos o saber não na transmissão ou construção de conteúdos mas de conceitos, signos, linguagens. Estou convencido que é esse o desafio que se nos impõe cada vez com mais premência. E, como em todos os desafios, ou o vencemos ou somos vencidos. Aqui não há empates, não há jogos de soma não nula. Pouco importam as razões da derrota. Importante é enfrentá-lo e vencê-lo. Como? Não sendo, embora, este o momento ou o espaço para o analisar e reflectir sobre alguns aspectos que me parecem essenciais, talvez valha a pena começarmos por pensar em alguma coisa que façamos sem que nela esteja uma palavra, um conceito, uma frase, um texto. Se o encontrarmos então a linguagem não será assim tão importante. Mas se nada encontrarmos que não passe pela linguagem, então valerá a pena nela centrarmos o ensinar e o aprender. Por isso, LaBorderie escreve que “o problema real, fundamental e primeiro da educação” é este: “se as palavras, as imagens, os textos […] têm um sentido para aquele que sabe ainda o não têm para aquele que aprende”. Por isso, Deleuze afirma que “o que limita o verdadeiro não é o falso mas o insignificante”.
Tornemos, pois, significante o que ensinamos e aprendemos, mesmo que saibamos que mais cedo ou mais tarde (certamente mais cedo do que tarde) deixará de ser verdadeiro.
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