sexta-feira, 23 de julho de 2010

Talvez Poema

Nem tudo nos cabe na memória.

Há, contudo, vivências que nunca nos largam
que nos habitam os gestos
nos seguem os passos
nos marcam os dias
e em nós vivem
com a mesma frescura
a mesma luz
a mesma ternura
da primeira vez.

Com elas alimentamos os sonhos
com que inventamos os arco-íris
que nos iluminam o olhar

e regressam sempre
plenas e puras
como se o tempo parasse
e se recusasse perturbar
a beleza encantada
dos olhinhos de espanto
que espreitam o mundo
entre as mãos atentas
dos pais acabados de nascer
para que o perfeito momento
se perpetuasse
e nada perturbasse
a plenitude
do amor.

6 comentários:

Andrea de Godoy Neto disse...

e essas vivências que nos habitam, boas ou más, é que vão abrindo ou fechando as portas internas, que permitem nossa comunicação com o mundo.

linda essa imagem dos pais acabados de nascer!

um abraço

(logo volto para ler sobre a opacidade e transparência ;)

Em@ disse...

Jad:
nestes últimos dois meses ando a fazer umas viagens colectivas a memórias comuns da adolescência e iníco da juventude com um grupo de antigos amigos e colegas que não se viam desde a nossa Diáspora. tem sido tempo proveitoso. no meu caso muito até.a memória é um terreno "lixado"...
abraço

também gostei muito da imagem "dos pais acabados de nascer".
abraço

jad disse...

Boa moite, Andrea

A memória são as raízes que nos prendem à vida. Sabemos da sua selectividade e sabemos também que, por um exercício de salvaguarda do nosso próprio equilíbrio pessoal, vamos gerindo os baús que temos na memória. Um dia abrimos o dos degostos, das mágoas, das feridas; outro abrimos o dos sorrisos, da solidariedade, da dádiva, da ternura, do carinho, do afecto, que nos aquece os dias; outro ainda, abrimos o pior de todos: o da indiferença e nele nos afundamos num abismo autoflagelador.

Como já referi noutras ocasiões, devemos guardar a memória de tudo o que nos for possível guardar mas apenas vale a pena alimentar as memórias que nos elevam, que nos afastam da animalidade no sentido que Kant lhe dá.

Abraço, Andreia. É sempre bom ter-te por aqui.

jad disse...

Bem-vinda, Em@.

É verdade, "a memória é um terreno "lixado"...". Como um nutriente do sentido da vida é-nos indispensável mas, como qualquer alimento, pode matar-nos de excesso. Podemos ficar-lhe agrilhoados e tornarmo-nos incapazes de viver porque incapazes de reconhecer o presente, de reconhecer a importância do que nos vai acontecendo simplesmente porque não é o espelho em que nos vemos.

Mas é tão bom vemo-nos nos rostos dos nossos amigos dos nossos verdes anos, não é?!

Também gosto dos "pais acabados de nascer". Porém, não sendo plágio, é familiar, digamos, prima em 2º grau, de Herberto Hélder:
“As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam […]”,
do poema mais lindo que conheço sobre a mãe e com o qual encerro o texto "opacidade e transparência do dizer educativo".

Grato, Em@. Abraço.

JB disse...

Gostei muito da sua visita.
Também já me passeei pelo seu blog e gostei do que li e vi. Este poema "Tavez poema" é mais que poema!
Ainda bem que há palavras que nos animam como estas, pois há realmente vivências que nunca nos largam e fico feliz que assim seja!Algumas nem precisamos de nos lembrar delas, outras vamos buscá-las à memória onde as guardámos e outras... claro, outras até gostávamos de as apagar! Mas se aconteceram quero acreditar que foi por algum motivo, embora por vezes nos falte (e a mim falta :)) a lucidez para perceber.
Como vê... este "Talvez poema" encantou-me!

Voltarei!
Abraço

jad disse...

Bem-vinda, JB. O encanto é meu pela visita e pelo comentário. Tenho por princípio guardar tudo o que de importante se me afigura e não me martirizar com "o que poderia ter acontecido" ou com "o que poderá vir a acontecer". Sobre o que não é possível intervir ou alterar não vale a pena gastarmo-nos. Vivamos com a memória nos passos e o sonho no olhar. É um bom caminho, creio eu.

Grato. Aguardo mais pegadas.

Abraço.