Boa noite a todos os amigos e visitantes.
Estive sem internet e arredado da blogosfera por uns dias. Regresso hoje e começo por aqui porque não se pode calar o sentido da morte de uma criança que "estava farto de levar pancada" ou porrada, tanto faz.
A morte de uma criança na escola ou por causa dela devia obrigar-nos a parar para nos olharmos bem no espelho, de olhos nos olhos e nos perguntarmos que raio de escola, de educação, de filhos, de pais andamos a criar? É que, já o dissse aqui e noutros espaços, os filhos não nascem crescidos e os pais já foram filhos, já foram alunos. E nós, crescidos, adultos, pais, professores, economistas, gestores, políticos o que fizemos? O que fazemos? Dar-nos-emos conta que estamos a formar os adultos, pais, professores, economistas, gestores, políticos, médicos, funcionários, operários e trabalhadores de amanhã? E com que modelos os estamos a formar ou são eles que se estão a fazer a si mesmos, entregues a um vazio normativo e modelar de que nos havemos de lamentar ainda mais, muito mais?
É redundante mas é necessário insistir: os filhos não nascem crescidos. Os alunos também não. Crescem com aquilo que lhes dermos. Seria bom que, mais uma vez, regressássemos ao espelho e de olhos nos olhos lhe disséssemos o que fizemos, o que fazemos para ajudarmos a crescer os bebés, que hão-de ser crianças, adolescentes, jovens, adultos. E não vale a pena afastar o olhar: o espelho persegue-nos como a sombra que trazemos colada aos pés. E não vale olhar para o vizinho: ele próprio olhará para nós e assim nos distraímos uns com os outros e nos alheamos do que é verdadeiramente importante: ajudar os alunos a crescer.
E há ainda uma outra dimensão assustadora nesta tragédia: a dimensão mimética do comportamento humano, especialmente nas crianças e adolescentes. O que farão todos os pequenos, vítimas dos grandes, que sentem a mesma impotência e falta de solidariedade dos colegas e adultos da escola? O que farão para calar a revolta, a indignação, a fragilidade perante a manifesta indiferença da escola perante o sucedido e o seu anúncio?
E os pais? O que farão com a sublimação má-consciente da culpa da ausência que sabem também ser sua?
E os empregadores? O que farão com a indiferença perante o drama alheio e o narcísico centramento no umbigo, emoldurado com o jargão economês de um liberalismo ressuscitado que nos há-de levar à sepultura?
E os políticos e governantes? O que farão com o progressivo esvaziamento do discurso e da acção em que se atolam e nos afundam?
É verdade que " com a orte de uma andorinha não acaba a primavera" mas também é verdade que com a morte de uma criança há muito de nós que morre com ela.
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8 comentários:
O problema é mesmo esse. Os adultos não pensam no que andam a fazer. Quando olham para o espelho só se vêem a eles mesmos. O egocentrismo que se vive hoje, a falta de sentido de comunidade (sem a qual regredimos para a barbárie) leva a que estas coisas aconteçam com completa impunidade.
Hoje é tragédia, amanhã não será nada, nem uma simples memória. As pessoas não querem saber. Desde que não seja com elas assobiam e desviam o olhar só para poderem dizer que "não viram".
Um dia, hão-de ser elas a sofrerem. Um dia hão-de precisar que alguém as veja e, rapidamente vão perceber, que os outros também não as querem ver.
Fala-se disto do bullying mas a comunidade educativa nada fez. Dizem-me que estão todos com medo. Não acredito que o medo seja a razão. Acredito mais que seja puro egoísmo e egocentrismo.
Pois é, Elenáro, pois é!
Andamos a fazer uma sociedade que se vai consumindo na voracidade dos dias sem memória. E havemos de lamentá-lo.
Abraço.
Jad, só há uma forma de actuar: AGIR! E não é sobre as vítimas, porque a essas já basta o que sofrem, é sobre os agressores. São menores? Sim, mas não são de geração espontânea por certo, e não serão todos orfãos! Temos é que parar com esta forma esquiva de olhar para o lado com medo de intervir em nome de uma porra de uma teoria que comprovadamente não está a resultar. Bem sei que somos todos filhos da revolução da década de 60 que tratou estas coisas de outra forma, mas não será altura de parar e analisar resultados? Sem medos? Sem complexos? Não nos causa perplexidade aquelas alminhas da Associação de Pais e da Direcção desconhecer a barbária que ali estava instalada? E pelos vistos não era subterrânea porque foi preciso uma morte que nos dilacera a alma para sabermos que era assim? A culpa é do sistema? Alteremos os mecanismos monitorização dos problemas mas sem punhos de renda...
Tem o meu apoio Jad! Vá em frente sem medos com a dose de adrenalina que estas acções precisam.
Aqui está uma matéria onde até eu teria ido para a rua com os professores, mas fiquei em casa, não sei se isto fez parte da agenda.
Cumprimentos.
Haverá alguma manif dos professores programada em frente ao Ministério para exigir legislação e garantias de que podem actuar, de que estão protegidos? Não será um enorme falhanço "desta" Escola se não se empenhar nisso deixando no caminho apenas o rasto "da progressão na carreira"?
Jad.
Relendo o que escrevi, do final dos meus comentários pode inferir-se algum azedume com a luta dos professores. Não foi porém esse o objectivo do que queria dizer, mas antes, a leitura deve ter o sentido do que há algum tempo disse aqui no post “Da Inutilidade dos Professores” de Dez2009, de que recupero este extracto: “… A grande dúvida é, parece-me ser, como poderão os professores contribuir sem caírem nesse terreno minado?”
Saudações.
Boa noite, Graza.
Antes de mais, o agradecimento pelo apreço e solidariedade.
Depois, exprimir o meu apoio ao seu comentário ajustado à distração do que é verdadeiramente importante na educação que é, como tenho vindo a escrever, ajudar as crianças e adolescentes a crescer no que ensinamos. Insisto: no que ensinamos. É aqui que se centra o problema da escola: gastámos demasiado tempo esquecidos do ensinar, preocupados fundamental e essencialmente com o aprender levando a uma progressiva infantilização da actividade docente que, como é bom de ver, se ocupou e preocupou mais com o bem estar do aluno do que com aquilo que ele aprendia e muito muito menos com o que devia aprender.
Com estas distrações fomo-nos igualmente distraindo de cuidar do que as crianças e adolescentes deviam fazer. Estamos, pois, perante uma dupla distração ética:
- por um lado, esquecemo-nos do dever de ensinar;
- por outro, esquecemo-nos do dever de educar.
O que restou?
- Por um lado, o centramento nos resultados estatísticos que, como sabemos, são vazios de qualquer dimensão educativa ou ética (apenas o uso que deles fazemos tem valor, comporta a dimensão educativa e ética, bem o sabemos);
- por outro, a dominância dos problemas laborais no discurso reivindicativo e sindical.
Aspectos importantes sem dúvida mas aquém das razões que nos fazem professores e educadores. E é por essas que devemos lutar sob risco de nos fazermos inúteis.
É também contra essa inutilidade que escrevo e ensino. Pelo menos, nisso acredito.
Grato uma vez mais.
Estive fora e sem acesso à net no fim-de-semana por isso só hoje escrevo aqui.
Abraço.
Quando defendi a dignificação da carreira de professor, já antes destas guerras que não têm beneficiado a docência, era justamente a pensar nos professores que temos que podem escrever e pensar a sua função desta forma tão nobre. Isto faz-nos acreditar que nem tudo está perdido, Jad.
Saudações.
Caro, Graza.
Bem sei que vem muito atrasado este comentário (não tenho andado muito por aqui ultimamente). Peço-lhe desculpapor isso.
Que dizer sobre o que me diz além do reconhecido agradecimento deste professor que acredita na dimensão educativa daquilo que ensina?
Obrigado. Abraço
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