quinta-feira, 4 de março de 2010

"Todos batem em todos"

Boa noite a todos os amigos e visitantes.
Estive sem internet e arredado da blogosfera por uns dias. Regresso hoje e começo por aqui porque não se pode calar o sentido da morte de uma criança que "estava farto de levar pancada" ou porrada, tanto faz.

A morte de uma criança na escola ou por causa dela devia obrigar-nos a parar para nos olharmos bem no espelho, de olhos nos olhos e nos perguntarmos que raio de escola, de educação, de filhos, de pais andamos a criar? É que, já o dissse aqui e noutros espaços, os filhos não nascem crescidos e os pais já foram filhos, já foram alunos. E nós, crescidos, adultos, pais, professores, economistas, gestores, políticos o que fizemos? O que fazemos? Dar-nos-emos conta que estamos a formar os adultos, pais, professores, economistas, gestores, políticos, médicos, funcionários, operários e trabalhadores de amanhã? E com que modelos os estamos a formar ou são eles que se estão a fazer a si mesmos, entregues a um vazio normativo e modelar de que nos havemos de lamentar ainda mais, muito mais?

É redundante mas é necessário insistir: os filhos não nascem crescidos. Os alunos também não. Crescem com aquilo que lhes dermos. Seria bom que, mais uma vez, regressássemos ao espelho e de olhos nos olhos lhe disséssemos o que fizemos, o que fazemos para ajudarmos a crescer os bebés, que hão-de ser crianças, adolescentes, jovens, adultos. E não vale a pena afastar o olhar: o espelho persegue-nos como a sombra que trazemos colada aos pés. E não vale olhar para o vizinho: ele próprio olhará para nós e assim nos distraímos uns com os outros e nos alheamos do que é verdadeiramente importante: ajudar os alunos a crescer.

E há ainda uma outra dimensão assustadora nesta tragédia: a dimensão mimética do comportamento humano, especialmente nas crianças e adolescentes. O que farão todos os pequenos, vítimas dos grandes, que sentem a mesma impotência e falta de solidariedade dos colegas e adultos da escola? O que farão para calar a revolta, a indignação, a fragilidade perante a manifesta indiferença da escola perante o sucedido e o seu anúncio?

E os pais? O que farão com a sublimação má-consciente da culpa da ausência que sabem também ser sua?

E os empregadores? O que farão com a indiferença perante o drama alheio e o narcísico centramento no umbigo, emoldurado com o jargão economês de um liberalismo ressuscitado que nos há-de levar à sepultura?

E os políticos e governantes? O que farão com o progressivo esvaziamento do discurso e da acção em que se atolam e nos afundam?

É verdade que " com a orte de uma andorinha não acaba a primavera" mas também é verdade que com a morte de uma criança há muito de nós que morre com ela.

8 comentários:

Elenáro disse...

O problema é mesmo esse. Os adultos não pensam no que andam a fazer. Quando olham para o espelho só se vêem a eles mesmos. O egocentrismo que se vive hoje, a falta de sentido de comunidade (sem a qual regredimos para a barbárie) leva a que estas coisas aconteçam com completa impunidade.

Hoje é tragédia, amanhã não será nada, nem uma simples memória. As pessoas não querem saber. Desde que não seja com elas assobiam e desviam o olhar só para poderem dizer que "não viram".

Um dia, hão-de ser elas a sofrerem. Um dia hão-de precisar que alguém as veja e, rapidamente vão perceber, que os outros também não as querem ver.

Fala-se disto do bullying mas a comunidade educativa nada fez. Dizem-me que estão todos com medo. Não acredito que o medo seja a razão. Acredito mais que seja puro egoísmo e egocentrismo.

jad disse...

Pois é, Elenáro, pois é!
Andamos a fazer uma sociedade que se vai consumindo na voracidade dos dias sem memória. E havemos de lamentá-lo.

Abraço.

Graza disse...

Jad, só há uma forma de actuar: AGIR! E não é sobre as vítimas, porque a essas já basta o que sofrem, é sobre os agressores. São menores? Sim, mas não são de geração espontânea por certo, e não serão todos orfãos! Temos é que parar com esta forma esquiva de olhar para o lado com medo de intervir em nome de uma porra de uma teoria que comprovadamente não está a resultar. Bem sei que somos todos filhos da revolução da década de 60 que tratou estas coisas de outra forma, mas não será altura de parar e analisar resultados? Sem medos? Sem complexos? Não nos causa perplexidade aquelas alminhas da Associação de Pais e da Direcção desconhecer a barbária que ali estava instalada? E pelos vistos não era subterrânea porque foi preciso uma morte que nos dilacera a alma para sabermos que era assim? A culpa é do sistema? Alteremos os mecanismos monitorização dos problemas mas sem punhos de renda...

Tem o meu apoio Jad! Vá em frente sem medos com a dose de adrenalina que estas acções precisam.

Aqui está uma matéria onde até eu teria ido para a rua com os professores, mas fiquei em casa, não sei se isto fez parte da agenda.

Cumprimentos.

Graza disse...

Haverá alguma manif dos professores programada em frente ao Ministério para exigir legislação e garantias de que podem actuar, de que estão protegidos? Não será um enorme falhanço "desta" Escola se não se empenhar nisso deixando no caminho apenas o rasto "da progressão na carreira"?

Graza disse...

Jad.

Relendo o que escrevi, do final dos meus comentários pode inferir-se algum azedume com a luta dos professores. Não foi porém esse o objectivo do que queria dizer, mas antes, a leitura deve ter o sentido do que há algum tempo disse aqui no post “Da Inutilidade dos Professores” de Dez2009, de que recupero este extracto: “… A grande dúvida é, parece-me ser, como poderão os professores contribuir sem caírem nesse terreno minado?”

Saudações.

jad disse...

Boa noite, Graza.

Antes de mais, o agradecimento pelo apreço e solidariedade.
Depois, exprimir o meu apoio ao seu comentário ajustado à distração do que é verdadeiramente importante na educação que é, como tenho vindo a escrever, ajudar as crianças e adolescentes a crescer no que ensinamos. Insisto: no que ensinamos. É aqui que se centra o problema da escola: gastámos demasiado tempo esquecidos do ensinar, preocupados fundamental e essencialmente com o aprender levando a uma progressiva infantilização da actividade docente que, como é bom de ver, se ocupou e preocupou mais com o bem estar do aluno do que com aquilo que ele aprendia e muito muito menos com o que devia aprender.

Com estas distrações fomo-nos igualmente distraindo de cuidar do que as crianças e adolescentes deviam fazer. Estamos, pois, perante uma dupla distração ética:
- por um lado, esquecemo-nos do dever de ensinar;
- por outro, esquecemo-nos do dever de educar.

O que restou?
- Por um lado, o centramento nos resultados estatísticos que, como sabemos, são vazios de qualquer dimensão educativa ou ética (apenas o uso que deles fazemos tem valor, comporta a dimensão educativa e ética, bem o sabemos);
- por outro, a dominância dos problemas laborais no discurso reivindicativo e sindical.

Aspectos importantes sem dúvida mas aquém das razões que nos fazem professores e educadores. E é por essas que devemos lutar sob risco de nos fazermos inúteis.

É também contra essa inutilidade que escrevo e ensino. Pelo menos, nisso acredito.

Grato uma vez mais.
Estive fora e sem acesso à net no fim-de-semana por isso só hoje escrevo aqui.

Abraço.

Graza disse...

Quando defendi a dignificação da carreira de professor, já antes destas guerras que não têm beneficiado a docência, era justamente a pensar nos professores que temos que podem escrever e pensar a sua função desta forma tão nobre. Isto faz-nos acreditar que nem tudo está perdido, Jad.

Saudações.

jad disse...

Caro, Graza.

Bem sei que vem muito atrasado este comentário (não tenho andado muito por aqui ultimamente). Peço-lhe desculpapor isso.

Que dizer sobre o que me diz além do reconhecido agradecimento deste professor que acredita na dimensão educativa daquilo que ensina?

Obrigado. Abraço