A indisciplina exprime-se de múltiplas formas.
Na escola ou fora dela são diversas as formas de comportamentos destoantes, desviantes ou mesmo antagónicos quanto às regras definidas pela comunidade escolar, educativa ou outra. Fora ou nas margens da disciplina, portanto.
A definição de regras, de normas, deveres ou leis, reconhecidos importantes ou mesmo fundamentais para a vida em comum, para nos fazermos humanos uns com os outros, é uma prerrogativa que, de modo algum, poderá ser menosprezada e muito menos esquecida pela sociedade ou comunidade a que a escola pertence. A escola deve, por conseguinte, assumir o dever estruturante da definição de valores, normas e regras que lhe permitirão cumprir o seu destino educativo: ajudar as crianças e jovens que a frequentam a crescer, equilibrada e globalmente, com aquilo que lhes ensina.
O problema que deveremos colocar não está ligado à necessidade das regras, dos valores e dos deveres (mal estaríamos se o estivesse). O problema diz respeito às próprias regras, aos valores, aos deveres e aos objectivos, metas e finalidades que se deseja para a escola e para a educação.
Todos sabemos que o desrespeito pela lei torna a acção ilegal. Mas deveremos obediência a uma lei iníqua, emitida pelo órgão com poder legislador de um qualquer país, instituição ou organização? Deveremos respeito a normas que em nada contribuam para a elevação individual e colectiva ou, pior, que a inibam? Deveremos gastar o poder normativo e normalizador, competência de adultos e educadores, para disciplinar comportamentos, que lhes são estranhos na sua estranheza e diferença ou porque são eticamente inaceitáveis ao violarem valores fundantes do nosso modo humano de ser, pensar, dizer e fazer: a liberdade, o respeito, a solidariedade e a tolerância? Deveremos, enquanto professores e educadores, disciplinar modos de ser, pensar, dizer e fazer infantis, adolescentes ou outros segundo uma ideia de sociedade que habitamos?
Deveremos disciplinar? Deveremos normalizar? Deveremos penalizar?
O caso passou-se vai para vinte e cinco anos numa escola de uma zona classe A de Lisboa, numa turma do 10º ano. A turma era constituída por bons alunos, muito jovens e … barulhentos. Não era fácil trabalhar com eles. Na disciplina de Físico-Química a professora, cansada certamente do ruído que os alunos faziam, todos os dias mostrava o seu desgosto pelo facto de os alunos não se calarem. Passadas semanas, sem que nada o fizesse suspeitar, na aula de Físico-Química os alunos permaneceram calados, absolutamente calados, mesmo quando solicitados directamente pela professora, durante toda a aula. O resultado já o sabemos: a professora não conseguiu dar a aula e mergulhou num choro desesperado na sala de professores. Os alunos estavam radiantes porque “mesmo a Leonor (nome fictício) não respondeu às perguntas da professora” (A Leonor era uma menina sentada na primeira carteira frente ao professor, sempre muito atenta e calada).
O ano restante continuou sem problemas assinaláveis.
A indisciplina manifesta-se de muitas maneiras.
Ou não será indisciplina?
Como lidar com situações como esta?
Porque não aconteceu nas outras disciplinas da turma?
Porquê, porquê, porquê?
terça-feira, 23 de março de 2010
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4 comentários:
No caso concreto que referes, jad, penso que foi por uma questão de postura da professora em causa.
Eu sei que as primeiras aulas são sempre difíceis quando não se conhecem os alunos. Essas aulas devem ser sempre um pouco austeras de modo a que cada um saiba bem o seu lugar. Depois, conforme se vão conhecendo os alunos e professor vai-se podendo dar mais ou menos liberdade para isto e para aquilo.
Penso que, se calhar, terá faltado esta demarcação de posições, não sei.
Em todo o caso, a definição de papeis e normas a respeitar neles, são algo necessário. Estas normas terão de ser, também elas, normativas. Se não houver regras iguais para todos não poderá haver ordem.
Contudo, tudo isto pressupõe outra coisa à partida: respeito. É preciso saber respeitar e saber ser respeitado.
O respeito em si é, também, uma forma de normalizar.
Contudo, é precisa saber fazer a diferença entre falta de respeito, indisciplina e comportamentos normais nas suas próprias idades. Antes disso é preciso definir o que é cada uma destas coisas.
Aqui é que eu penso que surgem os problemas pois, definir algo implica que se normalize aquilo que não está normalizado.
Todos têm os seus conjuntos de valores, ideais, maneiras de estar e de pensar, típicas de cada cultura ou grupo social. Muitas das vezes os de uns são contrários aos de outros e, consequentemente, difíceis de "normalizar".
No entanto, normalizar não implica necessariamente partir para a imposição de valores comuns. Normalizar implica antes criar um conjunto de regras com que todos possam viver. Com isto cria-se, implicitamente, respeito.
A normalização das coisas é normal e natural. Só assim podemos viver em comunidades/sociedades. O que as normas não podem ser feitas à medida dos valores de um grupo seja ele maioritário ou não. É aqui que são criados os erros e muitos dos problemas de hoje. Alguns grupos querem e impõe regras e normas iguais para todos partindo do seu próprio ponto de vista sem a devida abstracção e relatividade das culturas e maneiras de estar/ser.
Paro por aqui que o comentário já vai longo.
Pois foi pena teres terminado, Elenáro. Creio que voltarás ao tema. Pelo menos assim o espero.
Se bem entendi a tua argumentação, defendes que devem ser conciliadas duas expressões do respeito: 1- respeito pelas regras que nos permitem viver em comum; 2- respeito pela diferença.
Concordo com a tua análise e com a perplexidade que dela resulta: como estabelecer normas que tornem possível a vida em comum e, portanto, a normalizem, ao mesmo tempo que salvaguardem a diversidade e a diferença? Qual o limite da diferença? Qual o limite do respeito, da liberdade, da tolerância, da solidariedade? Há limtes? Não há limites?
Poderemos tolerar, respeitar, ser solidários com posições, concepções, acções que são elas próprias intolerantes, desrespeitadoras, não solidárias e neguem a liberdade?
Bastará, por outro lado, a legitimidade democrática da meioria para a sustentabilidade das normas que normalizam, disciplinam e, consequentemente, penalisam comportamentos, corpos e almas?
Estaremos, por outro lado, condenados a um subjectivismo valorativo que tudo justifica e, consequentemente, nada normaliza e nada disciplina?
Ou teremos que regressar ao velho "imperativo categórico" kantiano e admitir valores de carácter universal que se impõem na sua universalidade e necessidade como condições de toda a acção ética, isto é, livre e autónoma?
Há muito por onde escolher. Nem todas as escolhas me parecem respeitáveis porque nem todas permitem fazermo-nos livres com os outros. E é aqui que se centra a dimensão educativa da actividade humana e docente. Pelo menos, é assim que a penso.
Obrigado, Elenáro. Abraço.
"Concordo com a tua análise e com a perplexidade que dela resulta: como estabelecer normas que tornem possível a vida em comum e, portanto, a normalizem, ao mesmo tempo que salvaguardem a diversidade e a diferença? Qual o limite da diferença? Qual o limite do respeito, da liberdade, da tolerância, da solidariedade? Há limtes? Não há limites?"
Este teu paragrafo resume muito bem onde eu queria chegar. :)
A questão da subjectividade e relativismo cultural, do meu ponto de vista, encerra a resposta para todo este dilema.
Repare-se que, os ditos valores dos vários grupos hoje na sociedade, não são algo inerte e interno a eles. Antes são resultado de evoluções culturais que foram alterando os próprios valores adoptando novos e deixando cair velhos até se chegar aos que hoje existem. No futuro, acontecerá o mesmo.
Como dizia, é preciso criar algo que seja superior a isto. Não precisam se ser os supostos valores universais do sentido que sejam comuns a todos. É preciso antes, uma situação de compromisso. Uma série de valores que possam ser aceites por todos sabendo que nem todos ganharam na sua "normalização".
Não me lembro bem de quem disse isto mas deixo aqui uma frase que me parece resumir este meu ponto.
"Eu sei que se chegou a um bom acordo quando todas as partes saem descontentes".
Desculpa, Elenáro, ainda não ter correspondido ao teu comentário.
Não está esquecido, apenas à espera do tempo propício.
Abraço
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