quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Propdêutica do desencanto

Estava marcado um “exercício escrito” para hoje (9 de Fev 2009). Como sempre houve um período inicial de esclarecimento de dúvidas. Prolongou-se até ao fim da aula. Todos os alunos reconheceram que assim deviam ser as aulas: momentos de diálogo, de discussão, de comunicação em busca do esclarecimento das dúvidas que apenas o estudo traz. Razão tinha João Santos quando titulou o seu livro, escrito com João de Sousa Monteiro, Se não sabe porque é que pergunta?.
Uma vez mais fiz ver da importância do estudo para a construção pessoal e construção do saber pessoal. Reconheceram-no mas... exigia mais estudo e isso é que é difícil.
Um dos grandes problemas (a meu ver) de quem estuda e que condiciona os resultados académicos e o desenvolvimento pessoal das aprendizagens é a disciplina do tempo. São tantas as solicitações, todas elas mais atraentes (porque menos exigentes) do que o estudar que, senão houver um tempo reconhecido pelo próprio estudante como necessário à preparação diária dos temas, facilmente o estudo ficará atirado para o folhear das páginas do livro ou para a construção de “cábulas” na véspera dos momentos de avaliação. E é o desastre!
Claro que há a linguagem e a correspondente estimulação neuropsíquica desde mesmo o período pré-natal. Nessa estimulação se joga o desenvolvimento mental, intelectual, motor, pessoal, psicológico, social. Numa palavra: não se nasce crescido!
Mas o que fazer com jovens estudantes nascidos e criados em meios que desdenham de quem sabe mas não tem, que desdenham da escola, do esforço, do dever? O que fazer com alunos cujos pais e encarregados de educação não vão além da escolaridade obrigatória, têm profissões de baixo nível de exigência intelectual, que, também eles, desdenham da escola e dos professores, do saber e do dever e elegem as personagens TV como modelos de um mundo fantástico, fantasiado, em linha paralela ao real? (Tão paralelo que, ao mesmo tempo que se reconhece, também é impossível encontrá-lo, como duas linhas paralelas seguindo lado a lado).
Há também a TV como linguagem, como transparência em confronto com a opacidade da linguagem natural. (A este propósito ver de José Alberto Damas “Opacidade e Transparência no Dizer Educativo”, publicado na revista Itinerários de Filosofia da Educação, nº 3, 1º semestre de 2006, Porto, FLUP).
E há ainda a falta de um projecto educativo coerente, assente em conhecimentos actuais da realiade sócio-económico-cultural das populações juvenis. A falta de um projecto educativo coerente para o país, adequado às necessidades e às convicções das gerações mais velhas e com dimensão mobilizadora para as gerações mais novas conduz a uma permanente produção e reformulação legislativa incapaz de responder à dinâmica sócio-cultural porque está sempre atrasada. É sempre reactiva e incapaz de mobilizar os sujeitos da educação na escola: os professores, os alunos, os auxiliares e funcionários, os pais e encarregados da educação.
Como poderão mobilizar-se os sujeitos da educação se vivem na convicção de que a seguir virá um novo regulamento, uma nova lei, um novo decreto, um novo despacho, circular, esclarecimento ao despacho, ofício da DRE, da DGRE, da DGRHE, etc, etc, que dará novas indicações, que exigirá novos planos, novos comportamentos?...
É estranha a capacidade de produção regulamentar do ME!
Há aqui qualquer coisa de errado. Há aqui qualquer coisa que tolda o discernimento dos inquilinos da 5 de Outubro e da 24 de Julho. Porque das duas uma: ou o estado tem uma ideia para a educação ou não tem. Se tem e a avassaladora produção regulamentar está de acordo com ela, então só podemos esperar a desgraça. Com efeito, é manifestamente impossível cumprir o desígnio de saber ser, saber estar, saber fazer e saber pensar de que se fazem as sociedades dinâmicas, activas e cultas sem que os sujeitos educativos tenham tempo e espaço para se organizarem pessoal, mental, social e intelectualmente. É que, como os movimentos e teorias organizacionais pós-burocracia mostraram, quando tudo se pretende controlar e regulamentar perde-se a capacidade de responder à mudança que caracteriza as sociedades desenvolvidas e/ou em vias de desenvolvimento, perde-se capacidade de intervenção imprescindível para a sustentabilidade da democracia, pedem-se cidadãos e ganham-se indivíduos desmotivados, servis e conflituosos: servis até ao momento em que tomem consciência da sua própria degradação humana.
Nessa altura, tornar-se-ão ferozes promotores do conflito, sem regras nem projecto. Nessa altura, o estado lançará mão do aparelho repressivo. Demasiado tarde. Todos os sabemos. E, contudo, insiste-se em construir a casa da educação preocupados com o telhado e, nalguns casos, preocupados sobretudo e/ou apenas com a pintura, com o que se vê, com o que aparece, com o aparente. E, quando a casa cair ou abrir brechas de difícil recuperação lamentamos o descuido com o terreno, com os alicerces, as bases, a estrutura, o desenvolvimento equilibrado e sustentado. Então, uns levantarão o dedo acusador, outros assobiarão para o lado e a história rir-se-á da estulta obsessão pelos resultados sem ter sido valorizada e cuidada a formação de mestres e aprendizes. E lamentar-se-á o tempo perdido. E responsabilizar-se-á a incompetência, a incapacidade e a inabilidade dos mestres. E cairemos no vazio.

2 comentários:

Elenáro disse...

Uma excelente publicação. Concordo 100%. Assino por baixo.

De facto os problemas são mesmo esses que o jad referiu. A questão que importa agora pensar é aquela que foi referida no post também. Terá ou não o Estado um projecto global para a educação? A catadupa de legislação sugere o contrário.

jad disse...

Elenáro
Uma vez mais o agradecimento.
Creio que há muito nos andamos envolvidos em equívocos. Gastamo-nos no aparente e depois falta-nos disponibilidade para o essencial. E aí, por muito que nos custe (e creio que custa) os sindicatos não estão livres de responsabilidade.
O meu receio e, se calhar, pessimismo, é que seja tarde demais.
Abraço, Elenáro. Obrigado.