O ponto de partida é este post de Grazza no blog Arroios (http://rendarroios.blogspot.com)
"A Liberdade.
- Há quem não queira ser livre!
O seu a seu dono: a frase, foi uma constatação desanimada de Pedro Lomba, na RTP2, a propósito de uma sondagem que dava 75% de respostas a favor do voto obrigatório.
Há frases como tiros. E se este for no povo também um mecanismo a considerar, que explique o fascínio episódico das sociedades para formatos tirânicos de organização política que legitima as ditaduras? É como se no fundo, um medo maior de outra coisa, a Liberdade, não sei se a sua se a dos outros, mas tanto faz agora, se sobrepusesse a um tipo de medo reverencial ao ditador, tido normalmente como um salvador de pátrias.
Mas esses, serão sempre medos e coisas de berço mal tratadas, porque é isso que leva a que haja tanto sacripanta coberto pela legitimação do voto, sempre de botas bem lambidas".
Do ditador como um “buraco negro” e a sua relação com a diferença já aqui falei.
E o erro? E a verdade? E a liberdade? E o medo de escolher e de errar?
Ser livre significa ter a possibilidade de escolher. Não importa o quê, não importa quem. Importa sim haver possibilidades e poder escolher. É que podermos escolher mas não haver o quê, ou haver o quê escolher e não poder fazê-lo inviabiliza o exercício determinante da eticidade do agir: a liberdade. Repare-se: “exercício determinante”. A liberdade é a condição da moralidade da acção, como se o princípio que nos eleva da “animalidade” para a “humanidade” (Kant) se impusesse como condição sem a qual toda a actividade humana perderia sentido. Somos homens justamente porque somos imperfeitos e livres. Dito de outro modo: apenas o exercício livre de escolha faz de nós homens. Portanto, ser homem é ser livre, é poder escolher de entre as possibilidades que tiver ao seu dispor ou for capaz de inventar.
Numa outra dimensão, razão tinha Sartre quando escreveu que “o homem está condenado a ser livre”. Apenas no exercício da liberdade o homem afirma a sua humanidade. E neste exercício se confronta com a sua fragilidade e temor. É frágil porque incapaz de tudo poder ou saber, temeroso porque incapaz de conhecer todas as possibilidades sobre as quais exerce a sua escolha. À maneira kierkegardiana, a impossibilidade de conhecer a infinidade de todas as possibilidades leva-nos sempre à impossível certeza de termos feito a melhor escolha. Como se no momento de escolher qual o caminho a seguir nos confrontássemos com a absoluta certeza de que podemos escolher o caminho errado, sem, contudo, podermos deixar de escolher. Simplesmente porque não sabemos se esse é o caminho certo ou errado. Claro que se soubéssemos qual era o caminho certo nunca escolheríamos o errado. Mas não o sabemos. E, por isso, estamos sempre sujeitos ao erro. Reafirmo: erramos porque somos obrigados a escolher no exercício livre da nossa capacidade e não conhecemos todas as possibilidades. Consequentemente, qualquer escolha certa resulta de uma escolha que, num determinado momento se apoiou nas melhores possibilidades, ou, se quisermos, recorreu aos melhores factores, aos melhores indícios para aceder à escolha certa, à escolha que melhor correspondia ao que sabíamos. Que melhor correspondia à verdade. (Do problema da verdade havemos de falar noutra ocasião).
E o erro? O erro resulta da escolha que num determinado momento fizemos recorrendo aos factores, aos indícios que, embora nos parecessem os melhores, não o eram. E é aqui que se coloca o problema que atormenta aqueles que têm um pavor desumano pela possibilidade de errar. Receiam tanto o erro que, para não terem que escolher, afirmam a impossibilidade de alternativa, de outros caminhos, de outros saberes. Resta-lhes, então, como dizia Sousa Monteiro há muitos anos, “pensar pela garganta alheia”, repetir o que outros pensam como superação da sua própria incapacidade de pensar, da sua própria incapacidade de escolher a possibilidade de errar.
É sempre mais confortável a certeza do que a dúvida. Quem escolhe, quem usa a sua capacidade de escolher arrisca a possibilidade do erro e nunca se livra da angústia de nunca ter a certeza de ter escolhido bem.
Resta-lhe, pois, assumir a sua essencial natureza frágil e buscar as melhores razões para escolher o melhor. E disso fazer a sua humanidade.
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4 comentários:
Em Portugal o problema de "não querer ser livre" é bem... problemático. Eu continuo a achar que uma grande parte do povo português está tão habituado a que lhe digam o que fazer, habituou-se tanto ao comodismo intelectual, que agora resiste à ideia de ter que pensar por si próprio.
A questão é então saber o que fazer quando as pessoas resistem a em não escolher...
Elenáro
Essa é uma séria questão.
Pessoalmente, sob risco de descrer da função de ensinar, gosto de pensar, muito socrato-platonicamente, que ninguém pratica o mal voluntariamente mas por ignorância. Sei bem que a república platónica não é propriamente a nossa... De qualquer forma, dada a angustiada indispensabilidade da escolha para que nos tornemos verdadeiramente humanos, impõe-se-nos (a todos os educadores) o imperativo de permanentemente estimularmos o uso livre do pensar e do agir e, portanto, do escolher e do risco de errar.
Excelente, digo eu Jad. É uma delícia o que por aqui vai escrevendo onde cada frase é motivo para uma abordagem. Vou ser mais assíduo: gosto sempre de aprender.
Enquanto lia os vossos dois comentários, lembrava-me de José Gil e de Portugal Hoje - O medo de existir.
Um abraço.
Obrigado, Graza. Excelente lembrança essa do José Gil: é importante que alguém nos ponha o espelho à frente para nos mirarmos bem.
Abraço, Grazza. É sempre muito bem vindo.
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