Numa altura em que vão sendo apresentados os programas de governo (ou eleitorais, como se quiser) vêm-me à memória dois excertos de textos que me parece poderem contribuir para nos situarmos quanto ao sentido de educar, aprender e ensinar. Que há muita teorias, muitas perspectivas sobre a educação, o ensinar e o aprender todos o sabemos, que todos somos portadores de teorias explicativas do sucesso e do fracasso da educação, também o sabemos, que não há educação sem quem ensine e quem aprenda é igualmente do senso comum. Como compreender, então, que continuemos com o problema da educação, do ensinar e do aprender permanentemente em aberto, apesar de tantos pensadores, tantas teorias e tantos livros e estudos sobre esta actividade especificamente humana. No meu entender a razão principal prende-se com a complexidade humana e, sobretudo, com a complexidade da linguagem humana. Se a realidade natural, social, humana fosse simples há muito que estaria explicada. Tornava-se transparente, conhecíamos todos os seus detalhes. Se a linguagem humana fosse também ela simples, isto é, se as palavras fossem apenas termos e signos e não conceitos e símbolos também não teríamos qualquer dificuldade em transmitir à geração seguinte o que a anterior sabia absolutamente, ou seja, que o que sabia espelhava plenamente a realidade, o ser. Evidentemente, nestas circunstâncias, não haveria espaço para o erro, para a dúvida, a incerteza, a escola perdia sentido e a educação não tinha razão de ser. Educar, ensinar e aprender justificam-se, pois, na complexidade, na opacidade: a realidade que queremos saber e a linguagem em que a dizemos escondem mais do que o que mostram. A missão da escola, da educação, do ensinar e do aprender é torná-las acessíveis ao maior número de homens possível. Sem resignação e sem descriminação de qualquer espécie. Centrada em valores fundantes do modo de nos fazermos homens: a liberdade, a solidariedade, o respeito e a tolerância. A responsabilidade é filha deles.
Nesta perspectiva, a educação, o ensinar e o aprender que não se centrem na linguagem e na sua complexidade plurívoca e nos valores que a sustentam estará ao lado do processo que conduziria ao efectivo crescimento humano.
Por isso, me assaltaram estes excertos, por isso aqui os deixo:
"O problema real, fundamental e primeiro da educação" é o seguinte: "as palavras, as imagens, os textos [...] têm um sentido para aquele que sabe, [mas] ainda o não têm para aquele que aprende" (R. La Borderie, (1994: 33) . O resto, acrescenta ele, não é mais que um invólucro administrativo, jurídico, organizacional, etc. Mas o que está no invólucro, e que demasiadas vezes fica escondido (ou até mesmo lacrado) é a actividade do aluno; actividade essa cujo fundamento é um acto de comunicação"
“Ensinar com seriedade é lidar no que existe de mais vital num ser humano. É procurar acesso ao âmago da integridade de uma criança ou de um adulto. Um Mestre invade e pode devastar de modo a purificar e a reconstruir. O mau ensino, a rotina pedagógica, esse tipo de instrução que, conscientemente ou não, é cínico nos seus objectivos puramente utilitários, é ruinosa. Arranca a esperança pela raiz. O mau ensino é, quase literalmente, criminoso e, metaforicamente, um pecado” (G, Steiner, 2005: 25) .
LA BORDERIE, René (1994) "Poderá falar-se de Comunicação Educativa?", Colóquio Educação e Sociedade, nº 5 Março de 1994, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 30-86))
STEINER, George (2005) As lições dos mestres, Lisboa, Gradiva
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2 comentários:
"O mau ensino é, quase literalmente, criminoso e, metaforicamente, um pecado” (G, Steiner, 2005: 25)."
Se calhar o melhor dos professores não passa de um pecador constantemente arrependido dos seus pecados.
Se calhar, Tacci. Se calhar é mesmo esse permanente desencanto perante a possibilidade de ter deixado de dizer o que devia ter dito, de ter deixado de ouvir o que devia ter ouvido, de ter esperado o tempo oportuno para intervir que faz o verdadeiro professor, aquele que verdadeiramente se preocupa com a melhor maneira de "ajudar os alunos a crescer". Perante a complexidade que somos qualquer uniformização de critérios, métodos, estratégias escapa à dinâmica do tempo que permanentemente apela e exige actualização. Isto, como sabes melhor do que eu, exige capacidade de intervenção, ou seja, exige capacidade de permanentemente agir de modo a criar a melhor adequação possível não apenas ao que a realidade é mas àquilo que ela deve ser. E cá estamos nós novamente na dimensão ética do agir educativo e pedagógico, ou, se quisermos, do agir pedagógico que quer ser educativo. Neste sentido, estarás certamente de acordo comigo, apenas o professor que sabe dos limites da sua historicidade estará em condições de ir inventando o caminho que pensa dever ser o mais adequado ao crescimento integral e equilibrado dos seus alunos. Só assim a sua actuação, a sua intervenção tem dimensão educativa. Por isso, tens razão, "se calhar o melhor dos professores não passa de um pecador constantemente arrependido dos seus pecados", mas também Steiner tem razão ao lembrar que a actividade docente nunca é inóqua, produz sempre algum efeito. E, como sabemos, nem todos os efeitos são desejáveis.
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