Espelho
Olho-me no teu olhar e
não me reconheço.
O tempo passou por mim
deixando marcas
no rosto e no olhar.
A vida já não é o tempo
que há-de vir.
A vida bebo-a em cada instante
do tempo em que me vejo
nos passos que dou presos à sombra
como um cão de guarda fiel
ao dono que o alimenta
e estima.
O tempo a ti, pelo contrário,
adoçou-te os gestos e o olhar.
São agora borboletas construindo arco-íris
em campos de hortências e alfazema.
Olho-me no teu olhar e
não me reconheço
nos caminhos que habito
nos sonhos que invento.
E fico só.
sábado, 31 de julho de 2010
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10 comentários:
Chega um momento em que a nossa dissensão com o espelho parece incontornável. Antes ele nos prometia mais do que pretendêramos, era generoso, quase conivente. Num dado momento, enfim, parece ficar aquém de nós. Da-se uma quebra de confiança.
Abraço.
É isso mesmo, Marcantónio. Há um sortilégio no espelho que nos arrasta para dentro dele vendo o que desejamos ver. Só que... o espelho não mente e aconteece a dissenção.
Grato pela visita e pelo lúcido comentário.
Abraço
a censura maior não é a do espelho, mas as dos olhos-outros-espelho...
um abraço, jad!
Gosto de ver que o espelho nunca reflectirá aquilo que sinto, mas pode "magoar" os meus sentimentos. Nos olhos dos outros gosto de ver o que realmente sentem e sei que aí reflectir-se-á aquilo que também sinto.
Lindíssimo poema!
Bj
Sabes Jad, acho que em diversos momentos da nossa vida e em relação a determinados olhos-espelhos, todos nós sentiremos o mesmo que aqui tão bem poetaste.Mas haverá sempre outros -olhos espelhos que nos devolverão outra imagem de nós, mais doce, menos só.
abraço
um espelho que espelha o que deixamos de ser...
mas penso que um espelho não tem tanta importância, pois tudo o que ele faz é refletir. Gosto mesmo é de janelas, que se abrem para fora, para dentro, que deixam ver imensidões.
belo o teu poema! e deixou-me um gostinho de solidão
um abraço pra ti
Com razão, Jorge, são os "olhos-outros-espelho" que mais nos pesam justamente porque são aqueles que melhor vemos porque nos são exteriores e constituem as normas que regulam a cultura em que não nos desejamos proscritos. Contudo, parece-me ser outro o "speculum" que nos acompanha.
Abraço
Obrigado, JB, pela apreciação pelo "Talvez poema". É sempre estimulante saber que quem escreve tão bem aprecia o que fazemos ou escrevemos.
Quanto ao espelho penso que ele é a metáfora do outro, do "alter". Mesmo que esse "alter" seja o "ego", ou melhor, seja o outro que também sou eu. E é nesse sentido que digo que o espelho não mente.
Neste sentido, o olhar do espelho é o olhar que espelha o meu olhar.
Por isso, é possível que o olhar dos outros sejam o outro olhar que também espelha o olhar-outro que é o nosso. Será? Especulemos.
Bj também para si
Tens razão, Em@.O que seria de nós se outros olhos não houvesse em que pudéssemos espelhar nossa solidão quando dela não precisamos? (Há, sabemo-lo bem, momentos em que não trocaríamos a solidão por nada).
Abraço
Obrigado, Andrea.
Também gosto imenso de janelas, justamente porque nos mostram o mundo. Mas gosto igualmente do espelho como o outro que me olha no me olhar, tão fundo, tão fundo que me perturba. E, por isso, por essa íntima perturbação que lhe minto, que me minto, no olhar em que não me reconheço.
Há, contudo, uma atracção narcísica que nos arrasta à mentira e à autofagia, se não soubermos escapar ao centramento na nossa própria imagem. Mas isso todos o sabemos.
Abraço
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