sábado, 24 de julho de 2010

Opacidade e transparência - Conclusão

Conclusão

“Ensinar com seriedade é lidar no que existe de mais vital num ser humano. É procurar acesso ao âmago da integridade de uma criança ou de um adulto. Um Mestre invade e pode devastar de modo a purificar e a reconstruir. O mau ensino, a rotina pedagógica, esse tipo de instrução que, conscientemente ou não, é cínico nos seus objectivos puramente utilitários, é ruinosa. Arranca a esperança pela raiz. O mau ensino é, quase literalmente, criminoso e, metaforicamente, um pecado” (G, Steiner, 2005: 25).

Ora, se, como defendemos, é na linguagem que o processo de ensinar e de aprender se desenvolve e se ela não é unívoca nem transparente a “boa” ou “má” educação promovida na relação pedagógica está necessariamente dependente do modo como o professor dinamizar a construção do sentido no confronto dialógico com o aluno, como dinamizar a emanação do sentido no confronto dos mundos que as diferentes linguagens (audio-visual/adolescente e verbal/adulto) pensam, dizem e fazem.

É, de resto, neste esforço sisífico de permanentemente querer mostrar o sentido que teimosamente se esconde na opacidade da linguagem que a educação e a relação pedagógica se justificam. Com efeito, se a transparência da linguagem formal nos mostrasse na sua abstracção e univocidade a plenitude do real tornar-se-ia excedentária e inútil outra abordagem. Do mesmo modo, seriam excedentários e inúteis os processos de aprender e de ensinar os modelos de inteligibilidade do real que a escola persegue. Sem nada para esconder, sem nada para mostrar, a realidade esgotar-se-ia num saber absoluto e eterno. Portanto, num saber que, tendo perdido o seu carácter histórico, se esvaziaria da sua humanidade precária, livre e solidária.

Se assim não fosse como entender nos zeros e uns da linguagem informática e na univocidade dos signos matemáticos esta história que Perelman nos apresenta como verdadeira? "Os pais, conta Chaïm Perelman, foram à estação esperar o regresso do seu jovem filho após uma longa ausência no estrangeiro. Quando o filho apareceu na porta da carruagem, o pai não pôde conter lágrimas de emoção. Vendo isso a mãe exclamou: «vejo agora que não só uma mãe é uma mãe, como também um pai é um pai»".

Como entender também o não-dito que persistentemente se esconde no dizer do filósofo, do pintor, do músico ou do poeta? Como entender fora da linguagem natural que nos move e nos aproxima solidariamente num jogo de cumplicidades, o dizer encantado do poema de Herberto Helder com que gostaria de encerrar a minha comunicação?

No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
por meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

Bibliografia Referenciada

ARENDT, Hannah 2000 “Crise na Educação” in AAVV Quatro Textos Excêntricos, Lisboa, Relógio d’ Água
BOUGNOUX, Daniel 1993 Sciences de l'Information et de la Communication, Paris, Larousse
GADAMER, Hans-Georg 1976 Vérité et Méthode, Paris, Seuil
HELDER, Herberto "Fonte II" in Poesia Toda, Lisboa, Assírio e Alvim
HABERMAS, Jürgen 1993 "A Ideia da Universidade - Processos de Aprendizagem", Colóquio Educação e Sociedade, 3-Junho 1993, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 35-66
HEIDEGGER, Martin 1962 Introducción a la Metafísica, Buenos Aires, ED. Nova
HEIDEGGER, Martin 1959 Chemins qui ne Mènent Nulle Part, Paris, Gallimard
HEIDEGGER, Martin 1973 Carta sobre o Humanismo, Porto, Guimarães Ed.
La BORDERIE, René s/d "Poderá falar-se de Comunicação Educativa?", Colóquio Educação e Sociedade, nº 5 Março de 1994, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 30-86
LAZAR, Judith 1994 Escola Comunicação Televisão, Porto, Rés
JACQUES, Francis 1982 Différence et Subjectivitée, Paris, Aubier
POPPER, K. KONDRY, J 1999 Televisão: um perigo para a democracia, Lisbo, Gradiva
RICOEUR, Paul 1987 Teoria da Interpretação, Lisboa, Ed. 70
STEINER, George1993 Presenças Reais, Lisboa, Presença
STEINER, George 2002 Gramáticas da Criação, Lisboa, Relógio d’Água
STEINER, George 2005 As Lições dos Mestres, Lisboa, Gradiva
STEINER, G., LADJALI, C 2004 Elogio da Transmissão, Lisboa, D. Quixote
WITTGENSTEIN, Ludwig 1995 Tratado Lógico Filosófico* Investigações Filosóficas, Lisboa, Fundação CalousteGulbenkian

5 comentários:

Elenáro disse...

Estes textos estão muito bons, jad. Tenho que os reler com o cuidado que eles merecem.

Abraço!

Marcantonio disse...

jad, esse tema me interessa muito. Vou voltar para ler com o cuidado que ele requer. Eu sou péssimo para acompanhar as postagens dos blogs que sigo, pela lista de leitura do painel do blogger> Vou colocar o seu link na minha lista de blogs que fica muito mais fácil.

A definição do seu perfil é das mais generosas que já vi.

Abraço.

jad disse...

Obrigado, Elenáro.

Fico a aguardar o resultado da tua leitura.

A relação opacidade/transparência interessa-me muito pelas implicações que tem em muitos domínios (filosófico, científico, epistemológico, gnosiológico, hermenêutico) especialmente na educação, isto é, no ensinar e no aprender. Ensinamos porque nem tudo se esgota no primeiro olhar ou porque, no caso da matemática p.ex., não conhecemos a língua em que se inscreve e, por conseguinte, somos incapazes (os "matematanalfabetos" (!!!)) de construir frases, textos, livros, tratados, enciclopédias de matemática.

Veremos onde vai dar.

Abraço.

jad disse...

Bem-vindo, Marcantónio.
É com muito gosto que recebo o seu comentário a um assunto que me vem ocupando com a assiduidade que a minha indisciplina me vai deixando.

Artistas, poetas, filósofos, escritores, professores, gente boa. Que bela companhia!

Abraço

Andrea de Godoy Neto disse...

Jad, eu gostei demais dessa conclusão. O texto é claro, traz um "fechamento" (de um assunto que não se encerra) que arremata bem as ideias expostas nos outros textos. Se, por acaso, havia algo que não estava tão claro nos outros, penso que neste o disseste com palavras nuas. Adorei esse poema no final. Todo o racionalismo termina em linguagem poética.

assim que voltar de férias, vou reler todos em sequência, para ter um entendimento mais linear (até onde eu possa enxergar linearmente...rs)

Vou dizer-te uma coisa em tuas palavras:
"sabe bem ler quem escreve bem o que pensa bem".

abraço enorme pra ti