segunda-feira, 28 de junho de 2010


30.
Que fizemos do luar de estio
em que os corpos se atormentavam em desejos e tabus?
Que resta das noites claras em que a palavra afagava o silêncio
das bocas suspensas no amor?
Que sobra de nós nos gestos invocados no tempo incerto
dos dias vazios de sol e de mar?

Tanto tempo demorado na memória
dos sonhos por fazer!

Agora lavro o tempo onde receio que rosa alguma florirá
(e, contudo, insisto, teimo e semeio)

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Muito grato ao Tacci pelo desenho com que iluminou este "Talvez Poema" no seu "Portugal, Caramba".

14 comentários:

Jorge Pimenta disse...

caro amigo, o tempo da saudade escorre pelo corpo como o suor num dia de calor estival. são os sonhos por cumprir, mas sobretudo os sonhos incumpridos, porque não fomos capazes de os eternizar na linguagem do tempo, esse ser cínico que se orgulha de ser eterno, nos fala de eternidade, mas que, na hora certa, nos volta as costas como se não a merecêssemos...
um abraço!

Jorge Pimenta disse...

a propósito, belíssima imagem acompanha o teu texto!
um abraço!

Andrea de Godoy Neto disse...

Ah, jad! os sonhos por fazer...no círculo do tempo acabamos sempre por voltar a eles. Talvez melhor seja deixá-los, sonhar outros. Ou então, tirá-los da prateleira da memória e plantá-los bem aqui, a nossa frente.
Semeie sempre, certamente que a rosa (ou quem sabe flor mais bela?), florirá.

um abraço pra ti

jad disse...

Boa tarde, Jorge.

Encantado com a qualidade dos teus comentários. Dizem sempre muito mais. E fico deliciado.

O desenho (o "boneco", como o meu amigo Tacci lhes chama) é uma gostosura. Quando ele o colocou no "Portugal, Caramba" em Junho do ano passado fiquei comovidíssimo de ternura e espanto. Como com os teus comentários ou, de um modo mais alargado, com o que escreves.

Muito grato.
Abraço.

jad disse...

Boa tarde, Andrea.

Pois é! o tempo marca-nos indelevelmente, seduz-nos na utopia de uma eternidade que perseguimos e nos escapa. E porque nos escapa projetamo-nos nos sonhos que inventamos, como redenção para a nossa irremediável historicidade. A não ser que "por obras valorosas [nos vamos] da lei da morte libertando".

Como o nosso amigo comum Jorge referiu no comentário que também teve a amabilidade de fazer, é dos sonhos incumpridos que também se alimenta a saudade.

O meu amigo Tacci diz que as saudades não devem matar-se, devem tratar-se com muito carinho.

Pessoalmente procuro escapar ao "ensimesmamento" que Joaquim de Carvalho diz ser próprio do ser saudoso na convicção da irreversibilidade do tempo que nos é dado aqui viver. Por isso, "insisto, teimo e semeio".

Muito grato com a tua pegada. É sempre com muito gosto que aqui te recebo.

Abraço.

Em@ disse...

Continua, teimosamente, a semear, Jad.um da destes terás uma surpresa...

sorte esta de teres um amigo com o traço e a perspicácia do Tacci!

jad disse...

Obrigado, Em@. Gosto em vertuas pegadas por aqui.

Semear é o destino de quem sabe que o tempo que vive é o campo aberto que lhe é dado cultivar. Só semeia quem sabe que é sempre possível ir além do que sabe. O problema -comum a todos os semeadores- é que nunca sabe que frutos sairão da sua sementeira. E, contudo, lavra, estruma, semeia, rega e colhe o que o tempo oportuno lhe proporcionar. É o fado da nossa teimosia.

Podes crer, Em@, são uma sorte os amigos. Tacci é uma tripla sorte: desenha muito bem, pensa muitíssimo bem e é meu amigo. E eu estimo-o muito.

Abraço

Em@ disse...

yeah, é isso tudo. também valorizo muitos os Amigos.
...
pegadas eu deixo sempre,por aqui, mesmo que invisíveis e mudas.nem sempre me apetece verbalizar. nem sempre consigo expressar o que sinto e prefiro não fazê-lo a dar oportunidade a leituras que nunca tiveram nada a ver com a minha intenção
...
conheço o trabalho do Tacci há muito tempo (serão 6 anos? através dum blog que ambos conhecemos) e o resto...intuo.

deixo-te um abraço e votos de boa tarde.

tacci disse...

Meninos:
Agradeço imenso as vossas palavras, mas aviso desde já: se continuam a dizer essas coisas, fico insuportável de vaidade.
Depois ninguém me atura e vão ter de votar em mim para presidente da república.
Um abraço a todos.

tacci disse...

Zé:
Este é um dos teus poemas mais fortes. Lavrar o tempo, amanhá-lo, como se diz aqui pela terra, é exercer a própria liberdade. Não devíamos nunca ter deixado que fossem os outros a vir lavrar no nosso talhãozinho de tempo.
Um abraço.

jad disse...

Boa tarde, Em@.

As palavras são sempre portadoras de equivocidade. Se assim não fosse esgotar-se-iam no primeiro olhar e, consequentemente, aquilo que chamamos leitura não o seria porque esta implica sempre interpretação.

Creio justificado um esclarecimento: quando me referi ao teu “enigmático comentário” “+ palavras para quê?” pretendia apenas acentuar que o teu comentário comportava uma apreciação que, sendo equívoca na sua contenção sintética, poderia significar duas coisas: 1 Isto é mesmo poesia (foi o que disseste depois que querias dizer); 2. Revejo-me nisto e nada mais há a acrescentar.

Como entendes em ambas tenho dificuldade em ver-me. Na primeira pelas razões que já discutimos aqui e no teu "Em@ - a preto e branco ou a cores", na segunda porque, obviamente, há sempre mais, muito mais a acrescentar sobre a dor, o amor, a saudade, o mar, a morte. Sobre tudo.

Daí o meu adjectivo. Apenas isto e nada mais.

Portanto, Em@, passa por cá e deixa a tua pegada quando te aprouver. És sempre bem-vinda.

Ao Tacci, que me agrada seja teu amigo também, conheço-o muito antes de o ser. Conheço-o do tempo em que fazíamos com outras habituais comensais a digestão do “souflé de saussisson aux choux”, como chamávamos ao nosso frugal jantar, ao longo do paredão da praia uivando à lua que, acho, nos olhava desconfiada e zombeteira. De qualquer modo, cumpríamos religiosamente este ritual. Já lá vai um quarto de século (claramente o tempo é um fantasma que alimentamos com os medos de um futuro que nos escapa e a mágoa de um passado que nos escapa também). Hélas!, como o Tacci e o Rui gostam de dizer.

Abraço.

jad disse...

Caro Tacci,

1. Podes envaidecer à vontade. Para presidente não sei, mas para rei votaria em ti de certezinha:):)

2. Tens razão: é no amanhar do tempo, na consciência do ser, do pensar, do dizer e do fazer, que nos fazemos livres. Quando do tempo nos restar as sobras dos dias condenámo-nos à dissolução da liberdade e com ela de nós mesmos.

Talvez seja o meu "talvez poema" mais forte. Também gosto muito dele. (Há outros de que gosto igualmente muito).

Se continuam a insistir nos "poemas" qualquer dia ainda me convenço que sou poeta. E continuo a achar que há passos que falta dar para lá chegar.

Abraço, Tacci.

Em@ disse...

Ai, Jad, acho que estou a ficar baralhada...

eu passo sempre pelo "nós" (porque gosto e tu sabes que o faço desde o princípio), e se não deixo pegadas visíveis é mesmo pelas razões que referi.De há uns tempos a esta parte comecei a sintetizar-me na verbalização - às vezes até dem@is, reconheço. o erro é meu, porque penso muito depressa e penso que os outros estão na mesma linha de pensamento que eu e nem sempre é assim.
mas não precisavas de te justificar...não foi por dizeres que o meu comentário era enigmático que me fez escrever o que escrevi no anterior comentário...
Não tenho passeado pelos blogues ( o Elenáro e o Miguel devem sentir isso), o calor mata-me nos últimos dias, estou sem tempo e depois há sempre o factor lunar que me leva a virar para dentro... mas isso também não interessa nada.
...
deixa-me só esclarecer o seguinte: eu não disse que o Tacci era meu amigo (é evidente que não me importaria que o fosse,antes pelo contrário :S). disse só que conheço o seu trabalho e acompanho-o, pois conheci o caminho para ele através de um outro blog. Comentei algumas vezes no blog dele, com um nick, que ele não sabe qual é, numa altura em que ainda nem sonhava , nem por sombras, ter o Em@.
...
e para quem se tornou sintética já falei de+.
Fica bem , jad.
beijo no coração ou um abraço se preferires.

jad disse...

Com pegadas ou sem pegadas, Em@, gosto de saber que andas por aqui.

Obrigado,.
Abraço.