sábado, 28 de novembro de 2009

Encontro com... Bento Amaral

O que a vida nos reserva escapa ao nosso entendimento. Não somos deuses, somos homens e, como homens, percorremos os caminhos que somos capazes de descobrir ou inventar. De uma forma ou de outra, escapa-nos o futuro, que desconhecemos mas imaginamos. Como tal, resta-nos viver o presente em tudo o que faz dele o tempo que nos é dado viver. Apenas o presente nos é possível viver. Apenas no presente nos é possível a felicidade. Não viver o que a vida nos possibilita no presente que temos à nossa disposição é um desperdício, é escolher o inacessível de um futuro que poderá nunca acontecer, é trocar o possível pelo desejável, trocar a vida que construímos em cada momento em que nela nos envolvemos, alimentados pelos valores que nos fazem gostar de nós e dos outros, ou melhor, que nos fazem gostar de nós porque nos sentimos bem gostando dos outros, pelo desejo de um sonho que nos encanta e nesse encantamento poderá ofuscar-nos, paralisar-nos e devorar-nos como uma serpente.

Por isso, disse Bento Amaral na minha escola, “deve viver-se o presente em toda a sua plenitude” e “ser feliz agora” “sem esperar pelo amanhã. Por isso também, “preferia voltar a passar pelo que passei”, apesar de ter sido tão doloroso e traumático, simplesmente porque “me tornei melhor pessoa” e “percebi melhor as outras pessoas e o que significa ser feliz”, acrescentando que, antes do acidente, vivia confiado na sua auto-suficiência, contando apenas consigo mesmo. Com o acidente descobriu a sua fragilidade e os outros. Descobriu, enfim, a impossibilidade de ser feliz sozinho.

É espantosa a força, a coragem, a simpatia, o bem-estar que irradia Bento Amaral. E era exactamente essa vontade contagiante de viver que interessava acentuar no encontro com os alunos do ensino secundário, marcados pelo vazio dos modelos telenovelescos. O que nas mensagens hedonistas das telenovelas adolescentes é conseguido sem esforço, numa perversa apologia do ócio e do prazer, é em Bento Amaral promovido como resultado de trabalho, de esforço, de dedicação, de carinho, de envolvimento pessoal na construção da própria vida. Era também isso que importava acentuar a adolescentes em construção.

Não se pode ficar indiferente a tamanho sorriso sentado numa cadeira de rodas, dependente em quase tudo de terceiros. Não no amor. Bento ama e é amado. E esse amor vê-se no brilho do olhar que lhe habita o sorriso no rosto luminoso como apenas os rostos felizes o podem ser. E isso é imperdível, insuspeito, iniludível. E também isso nos importa. Sobretudo quando nos ocupamos com minudências, com insignificâncias que nos gastam os dias e nos afastam de nós e dos outros. E nessas minudências nos vamos esvaziando até nada termos para dar. E quando nada tivermos para dar o que poderemos receber? E quem no-lo dará?

Apenas poderá dar quem não se tiver esvaziado da sua humanidade, da disponibilidade para fazer do outro a razão da sua própria humanidade, da disponibilidade para dar cada dia o que espera receber. Quem se mantiver além do desgaste quotidiano do egocentrismo solipsista no qual o mundo apenas se encontra justificado no eu narcísico que se mira a si mesmo e nesse mirar-se se consome.

Olhando Bento Amaral temos de estar optimistas: a vida é possível, o amor é possível. E a felicidade também. Possíveis, não dadas: é preciso construí-las e cuidá-las. Bem!

7 comentários:

Graza disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Graza disse...

Tinha duas sessões abertas, numa ouvia a música residente do meu blog, Ennio Morricone, o tema de "The Mission", e na outra lia este post e isto soou-me como um hino. Parabéns pela sensibilidade que nele transmitiu.

Saudações.

jad disse...

Obrigado, Graza. Também pela associação à música.

Abraço.

tacci disse...

Dá para pensar, não dá?
Nós que queríamos que os nossos filhos (e todas as outras pessoas, a começar pelos alunos) fossem maximamente felizes, esquecemo-nos do valor da provação.

A tua escola tem sorte em lá te ter.
Um abraço.

jad disse...

Obrigado, Tacci.
Dá, de facto, que pensar. Podes imaginar o abanão que os miúdos do 11º ano e os professores que estiveram presentes levaram! Pessoalmente tinha-o levado aquando da audição do "Heróis como nós" e dos vídeos do youtube. Sobretudo porque no ano passado tinha trabalhado com os meus alunos do 10º ano o "Mar Adentro" e eles tinham ficado muito impressionados com tamanho desejo de morrer. Agora, ficaram impressionados com tamanho desejo de viver.

Sabes que o Bento e a Carmo abriram o baile do seu casamento com ela sentada no colo dele?
Não te parece uma doçura, um encantamento, ambos rodando numa cadeira de rodas como se fosse um ninho, onde a imobilidade é apenas aparente?

E gastamo-nos nós, tantas vezes, com minudências de tanta ordem!

Abraço grande.

Graza disse...

Fiz a desta aula um pequeno mas merecido eco.

Saudações

jad disse...

Não esperava tanto, Graza. Obrigado.