sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Do conhecer e do saber

"O planeta não vai ser salvo por quem tira notas altas nas provas, mas por aqueles que se importam com ele."

A referência encontrei-a em http://filosofarpreciso.blogspot.com/.
Não é difícil perceber aqui uma das questões que alimenta a reflexão à volta da educação e do papel da escola no mundo marcado por uma tripla revolução, como Gardner afirma na entrevista que a revista Nova Escola traz na sua edição de Outubro: “ a globalização”, “a biológica” e “a digital”.
Qual o papel destinado à escola? Transmitir conhecimentos ou construir saberes? Formar gerações que adquirem conhecimentos que lhes permitirão dominar técnicas com as quais desempenharão trabalhos e funções de uma forma eficaz e eficiente, segundo modelos produtivos desligados das finalidades que lhes estão associadas ou contribuir com os saberes que a escola mobiliza na sua permanente actualização (mesmo com a reconhecida incapacidade pro-activa da escola e de actuar (quase) sempre em reacção) para a construção de saberes que envolvam as gerações que a frequentam na busca de soluções para os problemas que nos afectam como sujeitos de um mundo em inter-relação? A ecola deve formar técnicos, cidadãos ou técnicos-cidadãos?
A sociedade do saber que a escola persegue não implica uma umbilical ligação aos valores que nos fazem homens dignos?
Claro que sim!

Eis um pequeno excerto da entrevista acima referida. Para ler e pensar.

Howard Gardner, que se dedica a estudar a forma como o pensamento se organiza, balançou as bases da Educação ao defender, em 1984, que a inteligência não pode ser medida só pelo raciocínio lógico-matemático, geralmente o mais valorizado na escola. Segundo o psicólogo norte-americano, havia outros tipos de inteligência: musical, espacial, linguística, interpessoal, intrapessoal, corporal, naturalista e existencial. A Teoria das Inteligências Múltiplas atraiu a atenção dos professores, o que fez com que ele se aproximasse mais do mundo educacional.

Hoje, Gardner tem um novo foco de pensamento, organizado no que chama de cinco mentes para o futuro, em que a ética se destaca. "Não basta ao homem ser inteligente. Mais do que tudo, é preciso ter caráter", diz, citando o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (1803-1882). E emenda: "O planeta não vai ser salvo por quem tira notas altas nas provas, mas por aqueles que se importam com ele".

O livro [Cinco Mentes para o Futuro] aponta também habilidades associadas a virtudes morais.

GARDNER Uma delas envolve o respeito - e é mais fácil explicar a mente respeitosa do que alcançá-la. Ela começa com o reconhecimento de que cada ser humano é único e, por isso, tem crenças e valores diferentes. A questão é o que fazemos com essa conclusão. Nós podemos matar e discriminar os diferentes ou tentar entendê-los e cooperar com eles. Desde que nascem, os humanos percebem se vivem em um ambiente respeitoso. Observam como os pais se relacionam e tratam os filhos, como os mestres interagem com os colegas e com os estudantes e assim por diante. O respeito está na superfície.

Essa última habilidade se relaciona à ética, certo?

GARDNER Sim. No que se refere à ética, é necessário imaginar-se com múltiplos papéis: ser humano, profissional e cidadão do mundo. O que fazemos não afeta uma rua, mas o planeta. Temos de pensar nos nossos direitos, mas também nas responsabilidades. O mais difícil com relação à ética é fazer a coisa certa mesmo quando essa atitude não atende aos nossos interesses. Ao resumir esses dois últimos tipos de mente, eu diria que pessoas que têm atitudes éticas merecem respeito. O problema é que muitas vezes respeitamos alguém só pelo dinheiro ou pela fama. O mundo certamente seria melhor se dirigíssemos nosso respeito às pessoas extremamente éticas.

4 comentários:

Elenáro disse...

Olá jad!

O problema da ética e de se construir saberes é que, num mundo capitalista e tendencialmente oligárquico, o primeiro impede o lucro a qualquer preço e o segundo é potencialmente perigoso para os poderes instituídos.

jad disse...

Perfeito. Elenáro.
Mas, se não for esse o papel da escola e da educação o que lhe resta? O que sobra a não ser a tão propalado "reprodução do sistema capitalista e a divisão de classes que o suporta"? O que fica senão o reforço da exclusão mais imoral de todas as exclusões: a exclusão pela nascença?
Abraço.

tacci disse...

Jad:
Gardner dá alguma definição de respeito?
Kant diz, p. ex., que o respeito à lei moral deveria ser único o móbil dos nossos actos. Mas não consigo encontrar nada que esclareça essa noção.

jad disse...

Tacci
Não conheço Gardner o suficiente para responder à tua questão.
O que eu penso é que o respeito, enquanto um dos pilares (eu prefiro chamar esteios) da dimensão ética do agir humano, é um valor que implica a consideração do outro na sua diferença como sujeito da acção, como eu sou sujeito da acção, livre e autónomo. Como facilmente se nota, Kant é incontornável. Contudo, escapa-me a universalidade e a necessidade kantianas. O meu outro é histórico, o sujeito kantiano está esvaziado da sua historicidade. Por isso, o respeito kantiano afirma-se por um imperativo indiferente ao devir, indiferente às circunstâncias e ao contexto, indeferente à historicidade humana. O respeito que me é próprio alimenta-se da diferença e do imperativo aberto às circunstâncias e à historicidade do limite e fragilidade humana: "faz ao outro o que queres que te faça a ti". "Faz" e não "Não faças". É um imperativo, um dever afirmativo. Não é a negação do agir. Não basta não fazer mal para que a acção seja ética. É necessário agir. (Também aqui a sombra kantiana é iniludível...).
Isto está a precisar de mais conversa!...

Abraço