No dia em que meu pai morreu não chorei;
ainda a ausência não se anunciara irreversível.
Chorei mais tarde quando a memória já não era capaz
de guardar a ausência no canto da alma
que meu pai habitava.
O tempo
- esse insidioso embrulho dos dias –
secou-me as lágrimas
e adoçou, na mais pura candura do gesto inocente,
a memória dos dias que não tivemos.
Hoje recordo a notícia insuspeita dessa noite sombria
e, apaziguado, alimento a memória
nos sonhos que meu pai gosta de me ver.
E sorrio.
E vejo-o sorrindo
no encantamento do olhar iluminado
saltando do rosto envelhecido.
Soltam-se-me as lágrimas.
Com elas rego a memória com que faço
os sonhos do tempo que habito.
E sorrimos.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
10 comentários:
É uma homenagem belíssima, jad.
A tua alma sorriu na saudade das palavras e vive nos sonhos em que entregues esse amor eterno. Secam-se as lágrimas porque dás lugar ao que há de melhor ... ao sol dessa união que em cada raio te mostra porque vale a pena continuar a sorrir.
Um grande beijinho!
P.S. Obrigada do coração pelas palavras que sempre me dedicas lá no meu cantinho. São de uma força e beleza extraordinárias!
Muito obrigado, JB.
É como dizes: há que dar lugar ao sol que aquece o que nos une aos que amamos e, de um modo mais geral, a todos os que se dão conta que não são os únicos a olhar o céu! (desculpa mas hoje levei o Zé Pedro dos Xutos à minha escola e ainda estou a arrumar-me do que representou para os miúdos que se fizeram fotografar com ele, que receberam carinho e resposta a todas as perguntas que lhe fizeram, que nunca lhes passou pela cabeça que pudessem ter a sua guitarra com que tocam nos intervalos das aulas autografada pelo Zé Pedro... E o que representou para os professores e os funcionários?!).
A beleza e a força são reflexo da qualidade das cores e dos aromas que lá nos ofertas. Mereces bem os elogios e agradecimentos que lá deixo.
Bem... imagino o ambiente vivido!!!
Deve ter sido o máximo!!! Até nós gostamos... quanto mais os alunos, devem ter vivido um sonho... e às vezes só precisam de uma oportunidade que só se consegue quando há esse empenho e dedicação!
Beijinho
jad, caro amigo,
toda a poesia é intimismo, interioridade, insondáveis abismos, mas há uns que se tornam quase inexpugnáveis. nada há que mais toque e comova que as homenagens àqueles que não se perdem no tempo por serem eles mesmos o tempo. faço, desde aqui, uma reverência sentida perante esta homenagem que não ouso comentar; ainda assim, permite-me juntar-me a vós, ambos, no sorriso com que fechas o poema.
um forte abraço!
Arrepiou-me este teu poema, Jad.
Entre a lágrima e o sorriso, a memória do que nos constrói.
um grande abraço pra ti
Não podemos deixar de nos sentir tocados por tanta ternura e carinho. Dizer que foi talvez porque também tivemos um pai, é não fazer jus á bonita homenagem que lhe fez e partilhou connosco.
Boa noite, JB.
A vinda do Zé Pedro insere-se numa actividade que procura pôr os alunos em contacto com personalidades que possam constituir modelos positivos e ajudá-los a crescer também por essa via. Com o Zé Pedro foi excelente. Excelente já havia sido no ano anterior com o Bento Amaral e creio que o será também com os próximos convidados (não os divulgo porque ainda não confirmadas as datas:):)).
O trabalho educativo faz-se sobretudo, sabemo-lo bem, pela qualidade dos caminhos que apontamos. É verdade que nunca saberemos se os percorrerão mas nunca poderão percorrê-los se não souberem que existem. Apontá-los é, pois, um dever, é um imperativo ético. Não podemos escapar-lhe enquanto professores, educadores e cidadãos livres. Se o formos.
Abraço, JB, com muita gratidão.
Boa noite, caríssimo Jorge.
Uma perda é sempre uma perda. Contudo, mais do que a falta do conforto físico do abraço que deixa de se ter importa-me o calor do sorriso que continuo a receber do olhar encantado de meu pai quando me via chegar e me recebia entre os seus braços. É esse olhar que me arrasta as lágrimas de emoção e saudade. É esse olhar que quero alimentar na memória do sorriso naquele rosto elegante respirando dignidade. É esse olhar que me faz sorrir.
Abraço, Jorge. Muito grato pelo teu comentário. É sempre muito estimulante receber-te.
Viva, Andrea. Já estava com saudades da tua presença aqui neste cantinho.
Este "Talvez poema" impôs-se-me (literalmente) numa tarde ao descer as escadas de uma faculdade da universidade de Lisboa após saber da morte do pai de uma amiga minha. Meu pai tinha falecido cerca de vinte anos antes e naquele momento tudo regressou: a surpresa, a incredulidade da morte, a tristeza, a dor, a esperança, a memória, o sorriso, o olhar. Tudo e a convicção firme da presença.
Muito grato, Andrea.
Abraço deste lado frio do Atlântico.
Muitíssimo grato, Graza.
É verdade que o facto de termos um progenitor não faz dele necessariamente um pai. Por isso, quando falamos no pai (a mãe é ainda outra coisa!) é de um laço que nos une à vida que vai além do sangue que nos corre nas veias. E é esse laço que nos abraça à vida e à memória com que a fo(r)mos fazendo. E é também essa intangível ligação que nos faz sorrir de saudade, de orgulho e de emoção.
Abraço, Graza. É com muito encanto que o recebo aqui.
Enviar um comentário