terça-feira, 21 de setembro de 2010

Páginas de Caderno

Compromisso

Tenho um compromisso comigo e com os meus alunos: ajudá-los a crescer com o que lhes ensino.

O que lhes ensino vai muito além dos conteúdos programáticos e disciplinares. O que lhes ensino está para além da classificação que corresponde à avaliação que faço do empenhamento e saber de cada um. O que lhes ensino provém da filosofia mas está apara além dos conteúdos programáticos dessa disciplina.

Ensino-lhes a viver, a pensar, a ser homem e mulher eticamente louváveis, sem receio de se verem olhos nos olhos no espelho.

Ensino-lhes a diferença como condição da eticidade do agir, como razão de ser do que se é.

Ensino-lhes o respeito pelo outro, por aquele que não sou eu, por tudo o que me é distinto.

Ensino-lhes a liberdade como “princípio supremo da moralidade” - liberdade de ser, de pensar, de dizer e de fazer.

Ensino-lhes a solidariedade como valor central do reconhecimento da nossa historicidade frágil de homens que se reconhecem imperfeitos, limitados, inacabados, em construção uns com os outros, todos com todos nas suas especificidades.

Ensino-lhes o presente como a dimensão do tempo em que nos é destinado viver.

Ensino-lhes a dinâmica do tempo na sua historicidade e devir no qual todo o presente se faz passado e todo o futuro se fará presente, se se fizer, se se realizar, se se actualizar.

Ensino-lhes a palavra como condição de humanidade no dizer que fazemos uns com os outros.

Ensino-lhes a auto-estima nos textos que constroem. Inicialmente pouco consistentes, hesitantes, descoordenados; depois cada vez mais coerentes, articulados, profundos. Claro que nem todos chegam ao mesmo nível. Mas é também claro que, de modos diferentes, os textos exprimem um amadurecimento intelectual e pessoal que me fazem confiar na dimensão formativa essencial da escrita no crescimento global das crianças e adolescentes.

Ensino-lhes a autonomia como condição da sua própria dignidade pessoal e dos valores que a sustentam: a liberdade, a solidariedade, o respeito, a tolerância.

Ensino-lhes a tolerância como condição da douta ignorância em que se funde todo o processo de busca e construção dos modos de ser, pensar, dizer e fazer.

Ensino-lhes que só quem sabe que não sabe, quem tem a humildade de reconhecer o que sabe como um passo para mais saber está em condições de se construir permanentemente em busca e um aperfeiçoamento progressivo, sem fim.

Ensino-lhes que a humildade é irmã gémea (talvez siamesa) da humilhação e que, portanto, não é necessariamente uma virtude e que, portanto, é necessário manter a humildade nos limites da douta ignorância, nos limites da dignidade e da responsabilidade, reconhecendo-a como passo importante no crescimento pessoal, não como desvalorização humilhante perante o outro e si próprio.

Ensino-lhes que a humildade é uma qualidade ética e a humilhação é uma afirmação de força, de poder. Aquela resulta da nossa disponibilidade para crescer e é, por isso, expressão da nossa força; esta é o resultado da nossa fraqueza.

Ensino-lhes que a ignorância que não se reconhece, que se acha sábia, que nunca tem dúvidas, que nunca se engana é sempre arrogante.

Ensino-lhes o efémero da vida humana e a importância do aprender com aqueles que o tempo não esmagou e cuja memória resiste à usura quotidiana.

Ensino-lhes o rigor e a disciplina como condição de equilíbrio entre o desejo e o dever, entre o ócio e o trabalho, entre o divertimento e o estudo.

Ensino-lhes o estudar e o aprender como condição de crescimento e de elevação pessoal.

Ensino-lhes a vida.

E neste ensinar me vou também alimentando e fazendo.

6 comentários:

tacci disse...

Têm sorte, os teus alunos.
E os teus colegas.
E os teus amigos, já agora.
Um abraço.

jad disse...

E eu também, Tacci, por tudo o que aprendi com todos - professores, colegas, alunos e, especialmente, muito especialmente, os amigos que me ajudaram a fazer-me mesmo quando disso não se deram conta. Como o Rui, por exemplo, que ambos conhecemos.

Numa outra dimensão estão, inolvidavelmente, os meus pais, claro. Mas isso é outra história. Linda, por sinal.

Abraço

Graza disse...

Gostaria de ter sido seu aluno! Por duas razões: ter-me-ia ajudado a descobrir uma série de coisas bastante mais cedo e obviamente, seria hoje um pouco mais novo. :)

Elenáro disse...

E eis que surge um manual de excelência para excelentes professores.

Abraço!

jad disse...

Graza, boa noite.

O que hei-de dizer ao que me diz além de agradecer a confiança na minha forma de estar no ensino e na educação?
Sabe certamente que todos os professores buscam o apreço dos seus alunos quando já não precisam das suas aulas. Quando recebemos um postal, uma carta, um email ou um sorriso que seja isso faz-nos acreditar no sentido do que fazemos.
Qual a dimensão do sorriso perante o que o Graza disse? Da cabeça aos pés é pouco.

Muito grato, Graza.

Abraço

jad disse...

Boa noite, Elenáro.

Cheguei há pouco da escola. Estive lá das 8.20 às 19 em aulas (cerca de um terço do tempo), apoio e reunião.
Do peso que tudo isto tem na nossa actividade docente e educativa sabes tão bem ou melhor do que eu e sobre isso já falámos algumas vezes. Creio, também, termos falado sobre o lado mais interessante da actividade educativa: ajudar os alunos a crescer com o que lhes ensinamos. E é isso que me anima e me faz ser professor. É isso que procuro fazer sempre com a filosofia cmo pano de fundo. Foi isso que tirei do meu caderno e que mereceu o teu apreço, que agradeço muito.

Muito grato, Elenáro.

Abraço