sexta-feira, 7 de maio de 2010

Poema

O Homem que Contempla

Vejo que as tempestades vêm aí
pelas árvores que, à medida que os dias se tomam mornos,
batem nas minhas janelas assustadas
e ouço as distâncias dizerem coisas
que não sei suportar sem um amigo,
que não posso amar sem uma irmã.

E a tempestade rodopia, e transforma tudo,
atravessa a floresta e o tempo
e tudo parece sem idade:
a paisagem, como um verso do saltério,
é pujança, ardor, eternidade.

Que pequeno é aquilo contra que lutamos,
como é imenso, o que contra nós luta;
se nos deixássemos, como fazem as coisas,
assaltar assim pela grande tempestade, —
chegaríamos longe e seríamos anónimos.

Triunfamos sobre o que é Pequeno
e o próprio êxito torna-nos pequenos.
Nem o Eterno nem o Extraordinário
serão derrotados por nós.
Este é o anjo que aparecia
aos lutadores do Antigo Testamento:
quando os nervos dos seus adversários
na luta ficavam tensos e como metal,
sentia-os ele debaixo dos seus dedos
como cordas tocando profundas melodias.

Aquele que venceu este anjo
que tantas vezes renunciou à luta.
esse caminha erecto, justificado,
e sai grande daquela dura mão
que, como se o esculpisse, se estreitou à sua volta.
Os triunfos já não o tentam.
O seu crescimento é: ser o profundamente vencido
por algo cada vez maior.

Rainer Maria Rilke
 O Livro das Imagens
Tradução de Maria João Costa Pereira
daqui

2 comentários:

tacci disse...

E também, uma vez por outra, vencer coisas cada vez maiores.
Ou, pelo menos, ir à luta.

jad disse...

Também tens razão, Tacci: crescemos no confronto com o que nos supera e, por isso, nos atrai e desafia. Uma vez por outra, descobrimo-nos vitoriosos sobre tal obstáculo e tal dificuldade. Mas resta sempre o "Eterno" e o "Extrordinário", no dizer de Rilke.

É quase como o descortinar de Heisenberg: vamos afastando cortina após cortina e quando pensamos que já não há mais, eis que surge outra e outra e outra e outra... Vamos ultrapassando dificuldade após dificuldade mas ... não somos deuses, pois não?!

Abraço, Tacci.