domingo, 30 de maio de 2010

Talvez Poema

25. O tempo da cereja

Nasceram-me arco-íris no olhar
o mundo enfeitou-se de borboletas
deliciado com a transparente leveza
do sorriso com que me recebeste
entre alfazema e alecrim
com que perfumas o canto encantado
do chapim no carvalho do teu jardim.

Era o tempo da cereja

Os corpos douravam-se no trigo
e amavam-se desesperados no luar
com que vestíamos
o silêncio de sonhos
que só os grilos ouviam
e confirmavam no coro
desenfreado do seu grigriar.

E nós víamo-nos inteiros
nas palavras que nos dizíamos
no olhar que habitávamos

e éramos felizes
sem mágoa e sem mácula
nas promessas que nos fazíamos

No tempo da cereja.

13 comentários:

Andrea de Godoy Neto disse...

Jad, que imagem mais linda essa do arco-íris no olhar, da alfazema e alecrim...do tempo da cereja...

cerejeiras em flor é uma das coisas mais belas que conheço, e com frutos, uma das mais gostosas

teu poema tem imagens, cores, cheiros e gosto muito bons!

abraço

Jorge Pimenta disse...

a cereja é o fruto do amor... conheces o conto "destinos", de miguel torga? inesquecível!
belíssimo texto, jad! tem as cores do verão, como o fruto!
um abraço!

jad disse...

Bom dia, Andrea.

Peço desculpa por não ter respondido há mais tempo. Estive sem poder aceder ao blog até 2ªF e ontem fiquei sem disponibilidade mental e física depois de ter estado 12 horas (!!!) na minha escola, com intervalo de 1 hora para almoço.

Grato pelas simpáticas palavras que me endereças. Receio irem além do meu merecimento. Muito grato.

Em miúdo ansiávamos pela alvura das cerejeiras em flor e pela mancha vermelha, branca ou preta que pintalgava os caminhos. Era ao longo dos caminhos que estavam as cerejeiras. Era dos caminhos que subíamos à cerejeira e comíamos e nos enfeitávamos com "brincos" e pequenos ramos de cerejas (as "nocas"), que exibíamos como troféus, ou como báculo, sei lá, ao longo do caminho que nos levava à aldeia.
Creio que era o verão que mais nos entusiasmava nas cerejeiras pintalgadas de vermelho, branco ou preto. Com elas vinham os mergulhos no rio que, para nós, era uma ribeira.
É tudo isto que também me liga às palavras que, como dizemos, são como as cerejas...

Abraço

tacci disse...

E há ainda a canção, lembras-te?

"Quand nous chanterons le temps des cerises
et gai rossignol et merle moqueur
seront tous en fête..."

Um abraço.

jad disse...

Boa tarde, Jorge.

Torga foi o meu autor de eleição durante muitos, muitos anos. Dele li praticamente tudo. São as minhas raízes beirãs, muito próximas da rudeza agreste do granito, do frio e do sincelo, do aroma quente do rosmaninho e da bela-luz, do calor infernal do estio, da altura dos montes e do encanto das vozes espalhadas pelos vales no trigo, na batata, na vinha
das terras de Galafura de Torga.
Nele me vi e me entendi também.

Hoje mantenho a admiração, a ternura, a ligação com Torga e o nosso mundo mas o mundo não é Torga. É ele e muito mais. É esse excesso que me ocupa, preocupa e estimula. As raízes são-nos vitais mas se delas não sairmos morremos enterrados.

Obrigado, Jorge. Tuas palavras são como as cerejas.
Abraço
Damas

jad disse...

Boa tarde, caríssimmo Tacci.

Encanta-me reconhecer que não abandonaste este cantinho!

A canção Le temps des cerises não sei alguma vez a terei ouvido.

Fui, por isso, à google, ao youtube, à wiki á procura dela e, zás! lá estava ela em múltiplas versões e interpretações. E tive que a colocar no post de hoje (devia dizes "postar" mas não gosto mesmo nada deste termo. De resto, à maneira ricoeuriana designo-o por termo e não por palavra. E fui a correr (há expressões a que dificilmente escapamos. "Ir a correr" é uma delas. Mesmo sentados pomo-nos a correr de blogue em blogue, de site em site, de música em música. E, claro, às tantas recostamo-nos na cadeira, suspiramos e exclamamos como quem acaba de chegar de uma viagem: "finalmente sentado!").

Grato, pela visita, pela canção e pelo resto.

jad disse...

Jorge,
Não era suposto colocar o nome pelo qual sou habitualmente conhecido no comentário que fiz ao teu comentário. Não sou freudiano mas é verdade que andava há uns dias a pensar publicá-lo...

Abraço

Em@ disse...

Jad:
eu deixei aqui um comentário, não ficou?

Elenáro disse...

Oh Em@, tu e os comentários... lol Começa a ter piada.

jad

Tens de publicar mais vezes... a gente desespera à espera de coisas novas.

Em@ disse...

Elenáro:
tu 'tás a gozar com moi?
mas porque raio me desaparecem os comentários??? eu faço tudo direitinho, juro!

Em@ disse...

Gosto (muito) do teu “talvez poema”.
Das imagens com que descreves o momento cor-de-rosa do amor:
“Nasceram-me arco-íris no olhar
o mundo enfeitou-se de borboletas”
Ambos efémeros…duram só um momento. Mas que valha o tempo que durar.
“E nós víamo-nos inteiros
nas palavras que nos dizíamos
no olhar que habitávamos”
É aquilo que todos os amantes desejam. Seja no tempo das cerejas ou num outro qualquer.
Também gosto delas, assim como do alecrim e alfazema. Ligam bem com o amor. (D)escreveste bem e bonito essa fase.
beijo, jad-Damas :))

jad disse...

Boa noite, Elenáro.

Procuro sempre que as pessoas com quem lido, trabalho ou vivo se sintam bem. Por isso, como remédio para o desespero de quem espera pelo que aqui publico, procurarei editar com muito mais assiduidade. Mas... são tantas as solicitações e os imponderáveis!

Abraço

jad disse...

Boa noite, Em@.

Uma vez Ary dos Santos foi à escola de Benfica, onde na altura eu ensinava, falar com os alunos do 10º ano. Eu não pude estar. Os meus alunos vieram no dia seguinte ter comigo desgostosos porque o poeta não sabia explicar o que tinha escrito num poema que eles estavam a ler. Lá lhes expliquei que o poeta escreve a vida, o amor, a morte sem alguma vez se preocupar com a intepretação e muito menos com a explicação do que escreve. Essa é tarefa dos leitores e dos estudiosos. Esses sim lerão, interpretarão e explicarão o que o poema diz naquilo que diz.
Obrigado, Em@, pela visita, a leitura e a interpretação do "talvez poema".

Abraço.