quinta-feira, 1 de abril de 2010

Educar é normalizar?

Este texto resulta da reflexão despoletada pelo muito interessante comentário que o Elenáro fez ao meu post do dia 23 de Março sobre Indisciplina(s).

Elenáro dizia, e eu concordo, que “é preciso criar algo que seja superior a isto [ao subjectivismo e ao relativismo dos valores]. Não precisam de ser os supostos valores universais no sentido que sejam comuns a todos. É preciso antes, uma situação de compromisso. Uma série de valores que possam ser aceites por todos sabendo que nem todos ganharam na sua "normalização".

Contudo, com o “compromisso”, regressam, creio eu, os valores que, para mim, são fundantes do nosso modo humano de ser: a liberdade, a tolerância, a solidariedade e o respeito. E regressam com eles as questões que nos obrigam a pensar o equilíbrio possível entre os interesses individuais - subjectivos ou não – e os interesses colectivos.

Há muitas perspectivas a tratar esta permanente fonte de conflitos, egoísmos e altruísmos, também. De uma forma ou de outra, é sempre o modo como entendemos o outro que determina o modo como entendemos os valores e a sua consequente implementação.

Centrando-nos numa perspectiva comunicacional (aquela em que me coloco) o outro é sempre a condição da comunicação. Donde, não há falante sem ouvinte, não há comunicação sem partilha, sem pôr em comum (etimologia de comunicar). O outro é, assim, a fundamentação ética da comunicação e, como a comunicação implica acção, como os pragmáticos e Habermas mostraram, o outro torna-se o fundamento da dimensão ética do agir. Consequentemente, as normas éticas, tornados deveres, apenas têm sentido se tornarem possível o justo equilíbrio entre o eu e o outro, entre os meus interesses subjectivos e os interesses do outro. Dito de outro modo: o que torna a minha acção digna são justamente os princípios, as normas, os valores, tornados deveres, que tornam igualmente digna a acção do outro.

Neste sentido, tanto a comunicação como a acção que lhe é própria são sempre intersubjectivas.

Como sabemos, os princípios, as normas, os valores não nascem connosco, não são inatos. São aprendidos. São, pois, ensinados e aprendidos de geração em geração. O outro, que está na sua origem, é, por conseguinte, a razão de ser desses princípios, normas e valores e da educação em que se ensinam e aprendem.

Entendendo a “educação como comunicação normativa”, como eu a entendo, o outro é a sua justificação ética e a liberdade, a solidariedade, a tolerância e o respeito os seus esteios.

Isto supõe que o outro é sempre o outro para mim e eu sou o outro para ele, ou, numa relação comunicacional, o eu é sempre o eu para o tu e o tu sempre o tu para o eu, independentemente de quem seja o tu ou o eu. Justificam-se ou excluem-se mutuamente e são também os seus próprios limites mútuos.

Neste sentido, a educação será o conjunto de todos os processos e procedimentos que tornem possível a vida em comum através do ensinar e do aprender modos de ser, pensar, dizer e de fazer que nos façam homens, isto é, dignos uns dos outros, livres, solidários, tolerantes e respeitadores, e, por isso, conscientes que apenas nos fazemos humanos quando nos fazemos com o outro. O outro é, assim, a nossa razão de ser e o nosso limite.

Há, pois, limites. Nem tudo vale. Nem tudo tem valor. Nem tudo o que somos, pensamos, dizemos e fazemos tem valor porque nem sempre respeita os valores estruturantes da nossa humanidade. Por isso, são necessárias normas, regras, leis que normalizem, justifiquem e dêem sentido ao que fazemos. E quais serão elas?

A minha convicção é esta: tendo embora a marca da nossa historicidade, fora da qual nos esvaziaríamos da nossa humanidade e nos encheríamos de coisa nenhuma, e, portanto, podendo ser diferente a sua expressão circunstancial, as normas, as regras, as leis terão sempre que estar determinadas pelos valores que temos vindo a referir: a liberdade, a tolerância, a solidariedade e o respeito. Todo o modo de ser, pensar, dizer e de fazer que escape a esta determinação ética perde o sentido e deve ser normalizado.

Poder-se-ia considerar que os princípios, as normas, as leis, que dão dignidade ética a todo o modo humano de ser, pensar, dizer e de fazer devem ser universais nos seus fundamentos e particulares no seu uso. Portanto, nem uniformização de usos, nem relativização de princípios. Será no justo equilíbrio entre eles que se fará a educação.

Se se quiser, poder-se-ia traduzir neste imperativo: “Faz ao outro o que queres que te faça a ti”.

(Bem vistas as coisas, não anda muito longe do categórico kantiano: “Age de tal modo que a máxima da tua acção se possa tornar uma lei universal”. Ou andará?! Solicita-se ajuda.)

3 comentários:

Elenáro disse...

Isto merece um comentário, de facto. Voltarei cá mais loguito.

Obrigado pela referência, jad.

jad disse...

És sempre bem-vindo.

Abraço

Elenáro disse...

"Faz ao outro o que queres que te faça a ti."

Esta frase encerra bem o problema em mãos. Quando queremos normalizar, geralmente, esquece-se o que está também normalizado do outro lado.

É a tal diferença entre o Eu e o Tu. O Eu pode achar que está a normalizar o que lhe é diferente e, de facto, até está. No entanto, normalizar o Tu, se este estiver já normalizado com outro conjunto de valores, pode ser uma renormalização.

Ou seja, o que muitas vezes se procura fazer não é respeitar os outros mas simplesmente optar pelo caminho mais fácil que é tornar tudo igual. Com isto perde-se o respeito por aquilo que é diferente.

A educação não pode ser um instrumento de uniformização da sociedade e das suas gentes. A normalização aqui não ser encarada com este ponto de vista. A normalização aqui tem de ser vista, e voltando ao que disse no outro post, como uma maneira de normalizar para a diferença. Isto é, há que normalizar as pessoas para serem capazes de perceber que a sua "norma" não é, nem tem de ser, única e universal. Pode haver e haverão outras "normas" igualmente válidas.

A normalização aqui tem de ser na criação do respeito pelos indivíduos, sua cultura, sua maneira de pensar e ser.

Daí eu ter falado no compromisso o qual também foi citado e referido neste post.

Certo que isto não é um caminho fácil e, muito provavelmente, será daqueles caminhos a percorrer mas cujo o fim nunca será verdadeiramente alcançado. No entanto, o percorrer deste caminho é já um factor positivo.

Por isso digo que a educação é normativa mas não pode ser normativa restritiva mas antes normativa abrangente.

"Isto supõe que o outro é sempre o outro para mim e eu sou o outro para ele, ou, numa relação comunicacional, o eu é sempre o eu para o tu e o tu sempre o tu para o eu, independentemente de quem seja o tu ou o eu. Justificam-se ou excluem-se mutuamente e são também os seus próprios limites mútuos."

Como tu dizes aqui é preciso educar para que se entenda isto mesmo e, como tal, nasce a "norma" do respeito sabendo que todos os valores são subjectivos a cada cultura e/ou sociedade ou grupo social.

O principal problema aqui é saber até onde a subjectividade e a norma poderão ir sem que com isso de destrua aquilo que é de todos independentemente de todos os "subjectivismos" e "normas". Isto é, voltando mais uma vez atrás, saber o que é aceitável para todos.