segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Do Silêncio e da Memória

De todas as pérolas guardadas no fundo de nós, o silêncio é, certamente, uma das mais preciosas. Irmão do vazio, da ausência, do não-ser, o silêncio habita-nos no mais íntimo da nossa humana fragilidade. E nós, atentos viajantes deste humano peregrinar, voltamo-nos para dentro e, no silêncio de nós mesmos, buscamos a mais profunda ligação, harmonia, paz. E a luz também. E, nessa luz, que nos habita e transcende, buscamos o Sentido, o Caminho, a Verdade, a Vida. E encontramos, no mais íntimo de nós, no mais profundo esvaziamento de nós, a secreta morada de Deus. Nessa morada repousamos os dias que nos ocupam a vida. Nessa morada encontramo-nos protegidos e amados como no ventre da mãe. A ela regressamos quando o ruído dos dias nos esvazia de nós. Nos alheia de nós. E gostamos. Gostamos de ver nos olhos fechados a luz que nos inunda, nos invade, nos possui. Gostamos de sentir a inefável quietude do silêncio que nos habita. Gostamos do amor que nos liga ao mundo nessa solene musicalidade divina. E re-inventamo-nos. E re-nascemos no sonho do re-encontro, da re-ligação. E, assim renascidos, revigorados, reforçamos a nossa fugaz historicidade. Reconhecemo-nos humanos, limitados, imperfeitos. Em construção. Dignos da luz que se faz no silêncio de nós mesmos. Capazes de amar. E damo-nos conta que todos os mestres viveram o silêncio, amaram em silêncio, amaram o silêncio. Todos os místicos buscaram, no mais íntimo de si mesmos, a luminosa comunhão com a Luz, a Verdade, a Vida. Todos os religiosos desejaram a primordial re-ligação com o Sagrado, o Espírito. Com Deus. E ouvimos o dizer de Sto Agostinho: ”Se Deus não estiver no teu coração, não está em parte alguma”. E compreendemos que o deserto é o silencioso esvaziamento de nós para connosco nos encontrarmos. E olhamos para fora e vemos o outro como igual, habitado da indelével beleza do silêncio que comungamos. E ouvimos o silêncio na plena musicalidade poética da Palavra. E sabemos da força solidária dos braços que se abrem, da dádiva encantada da voz que nos embala, da disponibilidade gratuita do sorriso que se abre, da serena coragem despojada de nós, do sonho que na vida se faz, do caminho, do caminhar, do chegar, do partir. Do amar. Do viver. E sabemos da íntima fraternidade partilhada na mais profunda comunhão, sabemos do encontro nas raízes do que somos, do outro que em nós nos fazemos, de nós que no outro se dá, da festa que no abraço se instala, da ternura, do pão, do vinho. Dos amigos. Dos irmãos. E sabemos que não estamos sós!

Deixamos entrar a memória e vemo-nos no silêncio solene da oração, no silêncio partilhado da refeição, no silêncio apaziguado do sono. Vemo-nos no silêncio majestoso da montanha, no silêncio reservado do retiro, no silêncio habitado do sonho. E sentimos a força do silêncio antigo em cada mergulho na mais íntima memória de nós. E recordamos os amigos. Os que chegaram, os que partiram, os que ficaram. E encontramo-nos no abraço cúmplice da memória que nos une. E sentimo-nos gratos e honrados por termos vivido tudo isto entre mestres e amigos nos nossos verdes anos.

1 comentário:

M. disse...

Maravilha. Vou guardar, se me permite. Porque do silêncio e da memória aprendi imenso. Da perda sabemos quão importante se torna respirar um amigo, um irmão.