segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Da Inutilidade dos Professores

Não é propósito de “Nós” publicar textos longos. Abrimos a primeira excepção para esta ficção que lemos no “De rerum natura”.

Sem preâmbulo, sem considerações, sem constrangimentos.
Ei-la:

O ano é 2.209 D.C. - ou seja, daqui a duzentos anos - e uma conversa entre avô e neto tem início a partir da seguinte interpelação:

“Vovô, por que o mundo está acabando?”. A calma da pergunta revela a inocência da alma infante. E no mesmo tom vem a resposta:

“Porque não existem mais PROFESSORES, meu anjo.

“Professores? Mas o que é isso? O que fazia um professor?”

O velho responde, então, que professores eram homens e mulheres elegantes e dedicados, que se expressavam sempre de maneira muito culta e que, muitos anos atrás, transmitiam conhecimentos e ensinavam as pessoas a ler, falar, escrever, se comportar, localizar-se no mundo e na história, entre muitas outras coisas. Principalmente, ensinavam as pessoas a pensar.”

“Eles ensinavam tudo isso? Mas eles eram sábios?”

“Sim, ensinavam, mas não eram todos sábios. Apenas alguns, os grandes professores, que ensinavam outros professores, e eram amados pelos alunos.”

“E como foi que eles desapareceram, vovô?”

“Ah, foi tudo parte de um plano secreto e genial, que foi executado aos poucos por alguns vilões da sociedade. O vovô não se lembra direito do que veio primeiro, mas sem dúvida, os políticos ajudaram muito. Eles acabaram com todas as formas de avaliação dos alunos, apenas para mostrar estatísticas de aprovação. Assim, sabendo ou não sabendo alguma coisa, os alunos eram aprovados. Isso liquidou o estímulo para o estudo e apenas os alunos mais interessados conseguiam aprender alguma coisa. Depois, muitas famílias estimularam a falta de respeito pelos professores, que passaram a ser vistos como empregados de seus filhos. Estes foram ensinados a dizer: «estou pagando e você tem que me ensinar, ou «para quê estudar se meu pai não estudou e ganha muito mais do que você», ou ainda «meu pai me dá mais de mesada do que você ganha.» Isso quando não iam os próprios pais gritar com os professores nas escolas. Para isso muito ajudou a multiplicação de escolas particulares, as quais, mais interessadas nas mensalidades que na qualidade do ensino, quando recebiam reclamações dos pais, pressionavam os professores, dizendo que eles não estavam conseguindo gerenciar a relação com o aluno. Os professores eram vítimas da violência física, verbal e moral que lhes era destinada por pobres e ricos. Viraram saco de pancadas de todo mundo. Além disso, qualquer proposta de ensino sério e inovador sempre esbarrava na obsessão dos pais com a aprovação do filho no vestibular, para qualquer faculdade que fosse. Ah, eu quero saber se isso que vocês estão ensinando vai fazer meu filho passar no vestibular, diziam os pais nas reuniões com as escolas. E assim, praticamente todo o ensino foi orientado para os alunos passarem no vestibular. Lá se foi toda a aprendizagem de conceitos, as discussões de idéias, tudo, enfim, virou decoração de fórmulas. Com a Internet, os trabalhos escolares e as fórmulas ficaram acessíveis a todos, e nunca mais ninguém precisou ir à escola para estudar a sério. Em seguida, os professores foram desmoralizados. Seus salários foram gradativamente sendo esquecidos e ninguém mais queria se dedicar à profissão. Quando alguém criticava a qualidade do ensino, sempre vinha algum tonto dizer que a culpa era do professor. As pessoas também se tornaram descrentes da educação, pois viam que as pessoas bem sucedidas eram políticos e empresários que os financiavam, modelos, jogadores de futebol, artistas de novelas da televisão, sindicalistas... Ah, mas teve um fator chave nessa história toda. Teve uma época longa chamada ditadura, quando os milicos colocaram os professores na alça de mira e quase acabaram com eles, que foram perseguidos, aposentados, expulsos do país, em nome do combate aos subversivos e à instalação de uma república sindical no país. Eles fracassaram, porque a tal da república sindical se instalou, os tais subversivos tomaram o poder, implantaram uma tal de educação libertadora que ninguém nunca soube o que é, fizeram a aprovação automática dos alunos com apoio dos políticos... Foi o tiro de misericórdia nos professores. Não sei o que foi pior «os milicos» ou os tais dos «subversivos».

“Não conheço essa palavra. O que é um milico, vovô?"

"Era, meu filho, era, não é. Também não existem mais..."

12 comentários:

Manuel de Castro Nunes disse...

Estive para comentar em De Rerum Natura. Não valia a pena. Estaríamos a perturbar a sanidade pública. De modo que estou de acordo consigo.
Comentários? Sem.

Elenáro disse...

Costumo sempre concordar com o que aqui é escrito e publicado, mas desta vez não o posso fazer.

Acho o texto exagerado no seu sentido. Passo a explicar.

1- Põe os professores no papel de vitimas inocente e perseguidas por poderes escondidos. Parece-me muita teoria da conspiração e esquece a quantidade de outras profissões igualmente honradas que foram, são e serão "perseguidas" ou, pelo menos, mal tratadas.

2- Põe os professores num pedestal como se todos fossem um prisma do cidadão e civilidade moderna quando todos sabemos que há os bons, os maus, e os assim-assim, como em todo o lado. Decorrente disto penso que até é arrogante e dum egocentrismo narcisista terrível que me parece evitável.

Não me vou alongar mais. Acrescento apenas que, se bem que a mensagem subjacente ao texto, que é a diminuição da qualidade do ensino, parece-me que se acaba por perder no meio de tanto queixume.

Por último, pergunto: se o ensino está assim tão mal, porque não vão os professores para a rua protestar sobre o assunto? São só as ADD que motivam manifestações em massa? Onde estão as qualidades que o texto enaltece na classe dos professores? Onde está então a dedicação e gosto pelo ensino?

Desculpa, jad, desta vez penso que não estamos de acordo.

Um abraço!

tacci disse...

Não tenho a certeza de concordar com tudo, palavra por palavra.
Mas espero que, daqui a duzentos anos, "o tempo em que havia professores" não tenha de ser transformado em mito e os avôs não se vejam obrigados a dizer que "isso era quando Deus andava pela terra".
Um professor medíocre - ou mesmo mau - é muito melhor do que nenhum.
Creio que não há velhote, da minha idade ou mais ainda, que não venha dizer que o professor dele, antigamente, "é que era" (e esquecer as reguadas, claro, faz parte dessa mitificação).
Pelo contrário, um Ministério da Educação mau é muitíssimo pior do que nenhum.
Digo eu.

Graza disse...

Sempre disse, mesmo ainda antes desta “guerra” que era preciso restituir aos professores uma dignidade que perderam algures no tempo entre o antes e o depois de Abrll. Foi a massificação do ensino, foi muita coisa “ad hoc”, muita gente andou prá frente quando deveria ter marcado paço e alguns deles, não nos iludamos, tiveram como saída profissional o Ensino. Muita coisa junta confluiu para que alguma coisa tivesse estourado no seio da Escola. O resultado foi a chegada ao palco de pais e também professores, preparados na escolaride daquele caldeirão fantástico que nos inebriou. Há pais muitíssimo mal preparados e o resultado é visivel na escola, mas mais uma vez também existem professores que fizeram esse percurso escolar...

Tenho na família um exemplo de como o que se está a impor na escola é de uma tremenda insensatez e injustiça e o exemplo que alguma coisa não está a ser bem feito, mas também arrasto uma luta interna comigo que tem a ver com a minha descrença no sindicalismo. Lutei por solidariedade em guerras sidicais que não eram as minhas, mas de há algum tempo que me venho confrontando com o paradoxo de me parecer estar a defender uma das coisa que mais abomino e contra a qual lutei: o Corporativismo. A grande dúvida é
parece-me ser, como poderão os professores contribuir sem cairem nesse terreno minado?

Desculpe-me Jad, esta não é a minha área e isto não é pró nem contra, são apenas as minhas “dúvidas” ditas em voz alta.

Manuel de Castro Nunes disse...

Cara Graza.

A sua espontânea manifestação de surpresa, de desorientação e de dúvida é a sábia plataforma da qual temos que partir para qualquer outra coisa. Esta é a sua área. É domínio de todos, da comunidade, não só dos professoes e dos alunos, dos pais e do sistema. É sua.

Abraço.

jad disse...

Arteminvenite Manuel de Castro Nunes, estaremos de acordo que será pouco crível que deixe de haver professores. Por conseguinte, esta ficção não justifica que lhe dediquemos grande atenção. Contudo, penso que há indícios que, hiperbolizados, nos lançariam na suspeita de uma situação próxima da ficcionada. Estou a pensar, por exemplo, na hiperbolização das TIC e do elearning e, na consequente, dispensabilidade dos professores porque são mais caros e menos controláveis. Ficção? Claro.

Concordo consigo: há assuntos muito mais prementes na educação do que o longínquo 2209.
Obrigado.

jad disse...

Elenáro,

A colocação deste texto no Nós pretendia constiruir-se como um desafio ao modo como concebemos o papel do professor e a sua responsabilidade cultural, educativa e social.

Tens razão Elenáro nos reparos que fazes. Concordarás, contudo, que a desvalorização da função educativa dos professores e, paradoxalmente, a sua responsabilização pelo estado da educação constituem um perigo que vale a pena não desprezar.

Penso que sabes o que penso sobre os pontos do teu reparo e sobre os quais estamos de acordo.

Obrigado, Abraço

jad disse...

Subscrevo, Tacci, o que dizes (excepto na referência ao "velhote").

200 anos, o tempo da transfiguração de um acontecimento em mito, com tudo o significa no nada que é (à volta de Pessoa).

Tu, que escreves ficção (entre outras coisas), sabes muito melhor do que eu quanto a projeccção imaginária se alimenta do devir. E isso assusta. Assusta inventar mundos que nos são familiares e onde nos sentimos estranhos. Há aqui uma espécie de esquizofrenia: simultaneamente, nos reconhecemos identificados e nos estranhamos.

Creio que, em muito do que vamos vivendo na educação, se podem ver sintomas desta erosão da idenficação docente e consequente perda do seu sentido. E é preocupante.

jad disse...

Graza

Faço minhas as palvras de Manuel de Castro Nunes (excepto no género associado ao nome, claro. MCN, Graza é masculino).

Estou de acordo com Hameline quando diz (cito de memória portanto...) que há demasiada "bavarderie" à volta da educação e, portanto, o melhor é o silêncio.

Não é o caso de Graza. De modo algum. Pensa bem e questiona bem sobre assuntos que acompanha e conhece. Que mais podemos pedir a quem connosco se dispõe a conversar, mesmo quando o meio é a virtualidade de um blogue?

Obrigado. Abraço.

jad disse...

Abraço também para Manuel de Castro Nunes e Tacci, claro.

Elenáro disse...

"Concordarás, contudo, que a desvalorização da função educativa dos professores e, paradoxalmente, a sua responsabilização pelo estado da educação constituem um perigo que vale a pena não desprezar." - jad

Aqui, sem dúvida que estamos de acordo.

jad disse...

Regressamos, então, ao essencial: ajudar os alunos a crescer com as ferramentas que vamos inventando, salvaguardando a dignidade, a honorabilidade e a indispensabilidade de quem ensina para que quem aprende as salvaguarde também.

Abraço