sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A euforia no portátil

Havia um trabalho em grupo para fazer. Organizados para dar continuidade ao trabalho já desenvolvido fora da escola abrem as mochilas e tiram o portátil.
Estamos numa escola de província. O acesso aos centros de informação é limitado pela distãncia e pelos raros, caros e difíceis transportes. A biblioteca escolar é uma sala com enciclopédias generalistas e pouco profundas mas poucos livros. O acesso à informação tem que fazer-se via internet. Nós sabêmo-lo e os alunos também.
De um momento para o outro há sete portáteis com ligação móvel à internet na sala de aula. Tudo acessível por um clique. E é aqui que começa a euforia e, receio-o, o desencanto. O acesso fácil à informação reforça a transparência das vidas fáceis que os conteúdos mediáticos juvenis definem e estimulam. Reforça, portanto, a dimensão identitária das crianças e adolescentes com o ideal de sucesso dos seus heróis.
Eles não o sabem mas nós sabêmo-lo: o sucesso ou a melhoria do aprender e do ensinar e a consequente melhor ou pior preparação para a escola e para a vida não depende das TIC, depende do uso inteligente do trabalho intelectual que se desenvolve no processo de apropriação da informação, venha ela por que via vier.
Não é a informação que nos forma, que nos faz o que somos. É a apropriação inteligente da informação. De nada serviria a informação se não soubéssemos o que fazer com ela, se dela não fizéssemos um exercício pessoal, reflectido, articulado, organizado, disciplinado, coerente, se dela não construíssemos um texto, quer dizer, um discurso que torne entendível o mundo que construímos. Um discurso pessoal, escrito, partilhável na leitura e interpretação que despoleta a sua inteligibilidade e comunicabilidade.
É importante não esquecer que apenas nos fazemos uns com os outros na comunicação e na linguagem com a qual e pela qual nos identificamos e somos. A promoção dessa dimensão comunicacional, enquanto actividade humana por excelência, apresenta-se, então, como um dever educativo. Pedagógico também. Assume, por conseguinte, um carácter ético.
Nestas circunstâncias, se não promovermos a comunicação interpessoal como processo de humanização e o texto escrito como exercício maior de intelecção do real, continuaremos ao lado do progresso, ao lado do sucesso, ao lado daquilo que nos garante o desenvolvimento pessoal, social, intelectual, mental de cada um e de todos. Só esse é durável.
O portátil é uma ferramenta eufórica. É fácil de usar e dá ao utilizador a sensação divinal de omnisciência e omnipotência: com um pequeno toque poderá saber tudo sem esforço. Este poder torna-o eufórico. E o caso não é para menos.
O livro também é uma ferramenta. Mas não é fácil, nem transparente, nem absoluto no saber que possibilita. São precisos muitos livros, muito esforço, muito estudo para saber.
Não é difícil perceber a euforia colada às TIC e descolada dos livros entre as crianças e adolescentes.
Mas, sabêmo-lo bem, o sucesso não está nas TIC, nem nos livros. O sucesso está no uso que deles fizermos. Aí se encontrará também o encanto ou o desencanto.
Aí se encontra também o exercício do dever pedagógico e educativo.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Talvez Poema

9. 
Jardim de Outono

Há uma flor
no jardim de Outono
ardendo no fogo nocturno
dos sonhos
dos homens
que guardam despertos
o tempo sem mácula
das roseiras em flor

Amam
Crêem
Vivem

Perseguem sua sombra
e vêem-se inteiros
na solidão da flor
perdendo as pétalas
no jardim de Outono

Estão sós

Aguardam o Inverno
em que as camélias florirão

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A Música das músicas

Há 280 anos foi o encantamento na estreia por Bach em Leipzig,
Há 180 anos foi o re-encantammento na re-estreia por Mendelssohn em Berlim
Hoje somos nós a encantar-nos com a "música das músicas"

domingo, 25 de outubro de 2009

O Factor Peter Pan na educação

Este texto tem por base um comentário feito para o Profavaliação (http://www.profblog.org/). Na discussão que se desenvolveu a partir do post de Ramiro Marques sobre ”o peso do factor X”, factor correspondendo à influência que a leitura de “Uma Aventura”, que acompanhou muitos dos professores com menos de 35 anos, poderá ter na aceitação da ministra da educação Isabel Alçada por parte dos professores, Wegie, a certa altura coloca a seguinte questão: “ A Geração X também é conhecida por Geração Peter Pan. Poderemos falar então de um factor Peter Pan?” O que se segue é a minha resposta a essa questão.

Penso que sim, que há um factor (ou complexo) Peter Pan na educação e que se prende com dois ou três aspectos que me parecem acompanhar a actividade docente:

1. Há como que uma interrupção do devir temporal no facto de todos os anos trabalharmos com alunos que têm sempre 5, 7, 12, 15, 20, 25 anos. Mesmo sendo outros, a idade é a mesma. Claro que, quando nos aparecem mais tarde como colegas ou os encontramos noutras funções, descobrimos que estão mais velhos e nós, enfim, com sobressalto, acabamos por reconhecer que "já passaram uns anitos". Velhos é que não!

2. Temos um medo terrífico da nossa sombra que, evidentemente, procuramos encerrar num qualquer sítio para que não nos atormente. São as dúvidas, a imponderabilidade do que nos escapa ou, simplesmente, questiona as certezas que nos iluminam. Não faltam exemplos [a ilustrar este medo de duvidar, este medo de pôr permanentemente em dúvida as certezas em que fundamos os saberes que organizam o nosso modo de ser, pensar, dizer e fazer. Este medo, enfim, de que a sombra nos anteceda e nos escape].

3. Não desejaremos viver eternamente, como professores, na "Terra do Nunca", onde o "Capitão Gancho" não possa de modo algum atingir-nos? E isso não é um desejo que pretende perpetuar um estado de graça que nos permitisse continuarmos a voar? Que nos permitisse continuar a sonhar e a viver no sonho?

Todos sabemos que não crescemos matando Peter Pan.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

1969 - 40 anos

Há 40 anos foi Sua Estupidez de Erasmo e Roberto Carlos.
O calor tropical, o sotaque tropical, o sabor tropical
em duas das suas vozes: Roberto Carlos e Gal Costa

Poema

Juventude

Sim, eu conheço, eu amo ainda
esse rumor abrindo, luz molhada,
rosa branca. Não, não é solidão,
nem frio, nem boca aprisionada.
Não é pedra nem espessura.
É juventude. Juventude ou claridade.
É um azul puríssimo, propagado,
isento de peso e crueldade.

Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Saramago e a desmitificação

Estive sem computador durante uma semana e acesso incipiente à Internet. Esta impossibilidade tecnológica justifica o meu silêncio a propósito de uma das mais interessantes iniciativas promovidas pela CM de Penafiel. A Escritaria homenageou, nesta segunda edição, José Saramago. Entre colóquios, teatro, cinema e animação de rua desenvolveu-se, entre os dias 15 e 18 de Outubro, uma actividade cultural, pouco habitual nas cidades portuguesas e muito menos em cidades pequenas de província, que culminou com o lançamento mundial de Caim, o mais recente romance de Saramago, e com as mais de duas horas e meia de autógrafos aos vários livros que cada pessoa lhe apresentou no fim da sessão de lançamento. E eram mais de três centenas.

Não é meu propósito falar de Caim. Não é igualmente meu propósito participar na polémica que se está a instalar com a igreja católica. O meu propósito prende-se com um episódio passado na tarde de domingo (18.10.09), que me parece merecer uma reflexão. Passo a contar.

Na sequência de intervenções apologéticas da obra e da pessoa de Saramago pelos intervenientes dessa tarde, o autor homenageado agradeceu, introduziu alguma água na fervura apologética e a dado momento contou o seguinte: “Vou dizer-lhes uma coisa de que a Pilar não vai gostar. Há já algum tempo fomos a Itália. Eu fui dar uma conferência à Universidade de Pádua e, durante os cumprimentos, referindo-se à minha mulher [que na véspera tinha apelidado como “a minha meia laranja”] um professor diz: “Ah! A mítica Pilar”. Ela não gosta mas não há nada a fazer. Estar casado com um mito é qualquer coisa de extraordinário. Não há nada a fazer. Ela é um mito e eu gosto disso”. Mais adiante, depois de Pilar o ter interrompido para falar da Fundação José Saramago, exclamou: “Vejam a sorte: é um mito que fala”.

É aqui que se coloca a minha reflexão: o mito e a sua desmitificação. É consensual a ideia segundo a qual a obra de Saramago se ocupa da desmitificação dos mitos comuns do ocidente, seja qual for a sua natureza. (Essa foi, de resto, a ideia defendida numa das intervenções da tarde de sábado). Ora, se analisarmos o episódio de Pádua não deixa de ser interessante verificar quanto Saramago valoriza os mitos. Desde que possa viver com eles e que falem. É aqui que nasce o equívoco.

Saramago espanta-se com a sorte de o “seu” mito falar. Conhece certamente a avisada sentença de Pessoa: “Um mito é um nada que é tudo”, conhece certamente os estudos de Cassirer, de Barthes, de Strauss, entre outros, e a dimensão cosmogónica que lhe é atribuída. Conhece certamente a função simbólica do mito e, por isso, a sua função dinamizadora da integridade pessoal e socio-cuultural. Ora, tudo isto apenas é possível porque o mito fala, o mito diz, de geração em geração, o que é fundamental, o que é vital para a comunidade que o reconhece. Para a comunidade e não para o indivíduo. Não há mitos individuais. Os mitos são colectivos porque dão sentido ao cosmos, ao mundo, à vida. Também de Saramago. Mesmo que o mito se chame Pilar e ele goste.

Barthes mostrou bem a importância dos mitos na sociedade de consumo e na cultura de massas (e Mitologias é de 1957 !...). Mostrou igualmente quanto dessa importância resulta daquilo que “está perfeitamente de acordo com a sua etimologia: o mito é uma fala” (BARTHES, R (1978) Mitologias, Lisboa, Ed 70: 181). E porque é uma fala “é um sistema de comunicação” (ibid). E porque é um sistema de comunicação diz o que dá sentido a uma época,  uma cultura, um modo de ser, de dizer e de fazer. E é este processo identitário que nos fez ao longo do nosso humano caminhar. Lado a lado com o mais elevado exercício racional, lado a lado com a filosofia e a ciência. Foi assim com Platão, foi assim com Nietzsche, foi assim com Einstein. Sem os mitos não teríamos certamente saído da caverna. Apenas com eles não teríamos certamente chegado à lua. É, pois, estranho o empenho desmitificador de Saramago. É estranho o orgulho embevecido pelo mito com que vive. Sem reservas. É estranho querer desmitificar os mitos recorrendo a processos em si mesmos efabuladores e mitificadores na promoção identitária com as personagens romanescas. É estranho inventar mundos habitados por blimundas e baltazares e querer prendê-los ao grilhão da materialidade física. É estranho. É estranho ele não estranhar.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Poema

Já fui rico, fui amado,
entre os meus iguais prezado:
mas, pelos anos curvado,
pelo tempo devorado,
hoje sou mais desprezado
do que o lixo abandonado,
comendo pão mendigado,
dormindo em leito emprestado,
com o rosto desgraçado
por amor nenhum tocado!

Nesta miséria me afundo;
nem em mais nada me afundo:
minha casa é só o mundo,
que percorro, vagabundo.
Já fui feliz e fecundo,
fácil, faceto, facundo,
até no jogo jocundo,
primeiro em tudo no mundo,
hoje nem mesmo segundo:
apenas um vagabundo.

Hugo, primaz de Orléans (sec. XI-XII)

Talvez Poema

8.
Do velho que estende a mão à indiferença apressada
que agita os passos de quem passa
e todos os dias habita a esquina da rua
onde gente sem rosto faz compras apressadas
nada sei além de que usa óculos escuros mas não é cego,
usa bengala mas não coxeia,
traz banco desdobrável mas não se senta.

É velho
estende a mão à indiferença dos passos apressados,
guarda as lágrimas na escuridão dos óculos
e deposita-as inteiras
no quarto onde adormece a solidão dos dias
que a sombra há-de abandonar
e a esquina desabitar.

Faltará então à indiferença
dos passos apressados a mão estendida.

E toda a gente notará.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

1969 - 40 anos

1969 – 40 anos

Há 40 anos foi “A Formiga Bossa Nova”




Hoje é "Abandono" (1962) e a homenagem com palavras de poeta (David Mourão-Ferreira) e Voz do Fado Português

domingo, 4 de outubro de 2009

1969 - 40 anos

Há 40 anos foi "Mujeres argentinas" com "Alfonsina y el mar"
Hoje é a homenagem a "la negra"
no dia da sua morte.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Talvez poema

Como me deslumbra o tempo que a lareira consome
no vagar afectado do sonho!

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

1969 - 40 anos

Há 40 anos foi o amor a alimentar a esperança na voz de poetas e cantores