Li esta entrevista no Terrear e, porque gosto muito de ver cientistas de áreas exteriores às ciências sociais e humanas pronunciarem-se sobre domínios pedagógicos e educativos e, o máximo de desplante para alguns pensadores da nossa praça, afirmar que “podemos e devemos tratar a educação como uma ciência”, aqui fica para gáudio e/ou perplexidade dos leitores e visitantes do Nós.
Gazeta de Física - É verdade que os seus alunos costumam atribuir-lhe boas notas? E como consegue isso?Eric Mazur - Quando comecei a ensinar, em 1984, ensinava tal como eu próprio tinha sido ensinado. Afinal, que outras formas há de ensinar? É natural, foi como nós aprendemos e, além disso, temos tendência para projectar a nossa própria experiência nas pessoas que nos rodeiam. O que pensamos é: "Eu aprendi assim e, por isso, eles também devem aprender assim". Ao fazer isto, acho que se cometem dois erros. Se olhar para a forma como fui ensinado percebo que aprendi, não devido a esse ensino, mas apesar dele.
P. - Como é que mudou os seus métodos de trabalho?
R. - Não mudei imediatamente porque considerava que estava a ensinar bem. Os meus alunos tinham boas classificações nos exames e também me atribuíam boas notas no inquérito final de avaliação dos professores...
P. - Então o método tradicional funcionava bem...
R. - Tinha quatro e meio numa escala de cinco. Era a nota mais alta na área de Física.
P. - Em suma, os alunos estavam satisfeitos e o professor
também...
R. - Exactamente! E era por isso mesmo que eu achava que estava a fazer um bom trabalho. Seis anos mais tarde, colegas da Califórnia mostraram-me artigos sobre testes com questões muito fáceis. Por exemplo: "Um carro colide com um camião. A força exercida pelo camião sobre o carro é maior ou menor que a força do carro sobre o camião?". A confusão era grande.
(...)
P. - Como é que mudou os seus métodos de trabalho?
R. - Não mudei imediatamente porque considerava que estava a ensinar bem. Os meus alunos tinham boas classificações nos exames e também me atribuíam boas notas no inquérito final de avaliação dos professores...
P. - Então o método tradicional funcionava bem...
R. - Tinha quatro e meio numa escala de cinco. Era a nota mais alta na área de Física.
P. - Em suma, os alunos estavam satisfeitos e o professor
também...
R. - Exactamente! E era por isso mesmo que eu achava que estava a fazer um bom trabalho. Seis anos mais tarde, colegas da Califórnia mostraram-me artigos sobre testes com questões muito fáceis. Por exemplo: "Um carro colide com um camião. A força exercida pelo camião sobre o carro é maior ou menor que a força do carro sobre o camião?". A confusão era grande.
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Devo salientar dois pontos. O primeiro é que a educação é mais do que transferência de informação, é um processo em que desenvolvemos um modelo mental para assimilar essa informação. Mas numa aula convencional não há tempo para pensar, espera-se que essa assimilação seja feita após a aula. O segundo ponto tem a ver com as tecnologias de informação. Não estou a falar de computadores mas da invenção de Gutenberg, há quinhentos anos.
P. - Os livros.
R. - Sim, mas antes de haver livros a transmissão de conhecimentos de uma geração para a outra era feita oralmente, como hoje nas aulas. Depois vieram os livros, e os livros são uma boa fonte de informação, mas passámos a lê-los aos alunos nas aulas. É ridículo! Se eu fosse professor de Literatura, por exemplo, não diria aos alunos que na aula seguinte iríamos ler “Sonho de uma Noite de Verão” mas sim que o lessem antes da aula. Assim, decidi que a primeira coisa que iria fazer seria retirar a transferência de informação da sala de aula. O que agora faço é dizer aos meus alunos que estudem um assunto em casa para posteriormente o discutirmos na aula.
P. - Os livros.
R. - Sim, mas antes de haver livros a transmissão de conhecimentos de uma geração para a outra era feita oralmente, como hoje nas aulas. Depois vieram os livros, e os livros são uma boa fonte de informação, mas passámos a lê-los aos alunos nas aulas. É ridículo! Se eu fosse professor de Literatura, por exemplo, não diria aos alunos que na aula seguinte iríamos ler “Sonho de uma Noite de Verão” mas sim que o lessem antes da aula. Assim, decidi que a primeira coisa que iria fazer seria retirar a transferência de informação da sala de aula. O que agora faço é dizer aos meus alunos que estudem um assunto em casa para posteriormente o discutirmos na aula.
P. - E os alunos fazem isso?
R. - Têm de fazer. Esse trabalho representa 20 por cento da nota final. Mas voltemos atrás. Uma vez estudado determinado assunto, posso explicar aos alunos o seu significado.
P. - A chamada aprendizagem conceptual.
R. - Exactamente. E faço-o usando uma técnica a que chamamos"Peer Instruction".
P. - Mas essa técnica não é nova...
R. - Não, de facto não se trata de uma novidade mas eu também não sabia nada da literatura especializada sobre a aprendizagem colaborativa... Só conhecia Sócrates! O que se passou numa aula foi o seguinte. Estava a discutir o teste conceptual com alguns alunos e a tentar explicar
alguns problemas. Expliquei-os durante dez minutos e percebi pelas expressões deles que não estavam a entender.
Pelo contrário, estavam ainda mais confusos. Eu não sabia o que fazer, não sabia explicar melhor. Resolvi então dizer-lhes para discutirem as suas dúvidas com o colega do lado e fiquei surpreendido com a agitação que se criou. De repente estavam todos a falar uns com os outros.
Decidi formalizar este procedimento e o que faço hoje em dia é isso mesmo. Digo aos alunos para estudarem antes da aula, depois faço uma breve introdução (não mais de cinco minutos senão eles adormecem) e coloco uma pergunta (a que chamo teste conceptual) no retroprojector.
São perguntas conceptuais que não se podem resolver por equações. Por exemplo, há um barco no lago com uma pedra dentro. Se tirarmos a pedra o que acontece ao nível da água do lago? É uma questão contra-intuitiva, temos de perceber bem o Princípio de Arquimedes. Os alunos têm um minuto para pensar sobre a pergunta e em seguida votam na opção que consideram correcta (uso cartões com as letras A, B, C, etc.).
(...)
P. - E qual é o papel que resta para o professor?
R. - O professor é o treinador. Concluindo, os alunos discutem o problema durante mais dois minutos e votam novamente. O que acontece é incrível: o número de respostas correctas aumenta consideravelmente. E no final do semestre a aprendizagem conceptual também melhorou.
(..)
P. - O senhor é um cientista, um físico, e agora está envolvidoem pedagogia. Acha que a educação é uma ciência, no sentido tradicional da palavra?
R. - Tenho que lhe dizer que fiquei fascinado com a pedagogia e a psicologia do ensino-aprendizagem e passei a respeitar muito mais os meus colegas do departamento de Psicologia. É uma ciência? Penso que podemos e devemos tratar a educação como uma ciência. Eu encaro
os dados das minhas experiências laboratoriais da mesma maneira que trato os resultados das minhas aulas, que também são um laboratório.
in Gazeta de Física
P. - A chamada aprendizagem conceptual.
R. - Exactamente. E faço-o usando uma técnica a que chamamos"Peer Instruction".
P. - Mas essa técnica não é nova...
R. - Não, de facto não se trata de uma novidade mas eu também não sabia nada da literatura especializada sobre a aprendizagem colaborativa... Só conhecia Sócrates! O que se passou numa aula foi o seguinte. Estava a discutir o teste conceptual com alguns alunos e a tentar explicar
alguns problemas. Expliquei-os durante dez minutos e percebi pelas expressões deles que não estavam a entender.
Pelo contrário, estavam ainda mais confusos. Eu não sabia o que fazer, não sabia explicar melhor. Resolvi então dizer-lhes para discutirem as suas dúvidas com o colega do lado e fiquei surpreendido com a agitação que se criou. De repente estavam todos a falar uns com os outros.
Decidi formalizar este procedimento e o que faço hoje em dia é isso mesmo. Digo aos alunos para estudarem antes da aula, depois faço uma breve introdução (não mais de cinco minutos senão eles adormecem) e coloco uma pergunta (a que chamo teste conceptual) no retroprojector.
São perguntas conceptuais que não se podem resolver por equações. Por exemplo, há um barco no lago com uma pedra dentro. Se tirarmos a pedra o que acontece ao nível da água do lago? É uma questão contra-intuitiva, temos de perceber bem o Princípio de Arquimedes. Os alunos têm um minuto para pensar sobre a pergunta e em seguida votam na opção que consideram correcta (uso cartões com as letras A, B, C, etc.).
(...)
P. - E qual é o papel que resta para o professor?
R. - O professor é o treinador. Concluindo, os alunos discutem o problema durante mais dois minutos e votam novamente. O que acontece é incrível: o número de respostas correctas aumenta consideravelmente. E no final do semestre a aprendizagem conceptual também melhorou.
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P. - O senhor é um cientista, um físico, e agora está envolvido
R. - Tenho que lhe dizer que fiquei fascinado com a pedagogia e a psicologia do ensino-aprendizagem e passei a respeitar muito mais os meus colegas do departamento de Psicologia. É uma ciência? Penso que podemos e devemos tratar a educação como uma ciência. Eu encaro
os dados das minhas experiências laboratoriais da mesma maneira que trato os resultados das minhas aulas, que também são um laboratório.
in Gazeta de Física
4 comentários:
não me surpreende, caro amigo. os homens das ciências ditas exactas observam, esquartejam, uniformizam, analisam e concluem generalizando sobre seja a borracha sejam os sentimentos. para uma boa parte deles, qual é a diferença!?...
um abraço humanista!
Pois é, Jorge.
Nem a ciência é indiferente ao modo humano de pensar e buscar as razões que justificam o acontecer, seja ele social, seja natural, seja educativo, nem a pedagogia se faz indiferente ao rigor analítico de quem ensina. O problema está no equívoco assente na ideia segundo a qual na escola só se aprende e, como tal, estimulam-se as capacidades dos alunos segundo os seus próprios interesses. Estranha estimulação esta!...
Abraço
This is very useful post
Parabéns pelo Blog...
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