quarta-feira, 17 de novembro de 2010

(In)comunicação burocrática na escola - 1.2 Limites e disfunções da burocracia

Os limites do modelo burocrático dependem fundamentalmente na sua entrópica incapacidade de se adaptar à mudança e de lutar contra a incerteza em resultado da sua extrema formalização e regulamentação através das regras impessoais e dos documentos escritos que continuamente produz. A burocracia assenta em tarefas que passam à rotina, perdendo a capacidade de auto-correcção (Crozier). Como consequência desta incapacidade, o modelo burocrático vai ter necessidade de combater as disfunções que ele próprio criou. Assim, vão surgir comportamentos não previstos nos regulamentos, conflitos entre sub-grupos, estratégias de controlo (nas repartições e níveis hierárquicos e funcionais), que conduzem à perda da unidade processual e a um certo entorpecimento dos funcionários; além disso, poderá haver "deslocação dos objectivos" e "ritualismo dos funcionários" (Merton), rotina, etc. Ora, a superação destas disfunções faz-se, dada a incapacidade de a organização burocrática se abrir ao exterior e à mudança, através da produção de novas regras impessoais, do reforço do controlo e centralização das decisões, isolamento dos estratos hierárquicos com reforço da identificação no grupo e maior pressão dos indivíduos nesses quadros (as diferentes categorias tendem a acentuar o seu isolamento e a comunicar cada vez menos entre si de modo a proteger o grupo e o poder que ele detém). Este processo é acompanhado do desenvolvimento do poder paralelo de forma a poder responder ao aumento das regras e normas impessoais. É o "círculo vicioso burocrático" (Crozier; Merton ref. por Freire 1993: 145) que Gouldner caracteriza de uma forma mais simples sendo, também, de âmbito mais restrito: a um abaixamento da motivação do pessoal que o modelo provoca segue-se o desencadeamento de vigilâncias mais atentas; estas vão originar o aparecimento de tensões e a consequente perda de eficácia e funcionalidade às quais a organização responde com a produção de novas regras e normas impessoais para fazer baixar essas tensões; as novas regras e normas vão provocar nova baixa de motivação com o consequente aumento de vigilâncias mais atentas, etc., etc. num processo que só termina quando o modelo burocrático já não conseguir resistir à mudança. Adopta, então, a mudança que lhe é típica: a "mudança em crise" (Freire, 1993: 146): conduzida de cima para baixo, habitualmente acompanhada de perturbações graves e do reforço da iniciativa e poder pessoal, decisões arbitrárias e autocráticas até ao seu ponto de funcionamento normal. Até que nova crise se manifeste e seja obrigada a mudar. "A crise é, pois, a forma própria e particular de mudança de uma organização de tipo burocrático" (Idem, p. 146).

2 comentários:

tacci disse...

Era eu menino e moço quando se contava esta história, muito antipática para as sociedades do Leste, diga-se entre parêntesis:
"- Camarada Director! - gritava o chefe do economato. - Aconteceu uma catástofe!
- Uma catástrofe? Não pode ser, camarada. Na nossa sociedade tudo está regulado, tudo está previsto nas normas.
- Pois é, mas, deta vez não há salvação! O camarada dos abastecimentos deixou acabar os formulários para requisitar formulários..."
Um abraço, Jad.

jad disse...

Bravo, Tacci menino e moço.

Que síntese deliciosa do limite da burocracia! De facto, quando se faz deoender toda a acção, mesmo organizacional, das normas formais escritas, as únicas reconhecidamente válidas e com valor de evidência, corre-se o risco permanente de ser ultrapassado pela dinâmica social que escapa a toda a tentativa de fixação documental.

O drama é que o monstrinho, embora travestido de muitas corpos, mantém-se vivo e de boa saúde.

Abraço