domingo, 4 de abril de 2010
sábado, 3 de abril de 2010
sexta-feira, 2 de abril de 2010
Sexta-Feira da Paixão II
A dúvida a dor a mágoa o amor a solidão
a amizade a dádiva o sonho a promessa o pão
o tempo a lua a pressa o poder a cobiça a traição
a esperança a palavra o medo a fome o mar o ar a terra
o sol o sul a sombra a fome a roda a morte a guerra
a paixão o amor a flor a oferta a luz o perdão
a dúvida a dor a mágoa o amor a solidão
a amizade a dádiva o sonho a promessa o pão
o tempo a lua a pressa o poder a cobiça a traição
a esperança a palavra o medo a fome o mar o ar a terra
o sol o sul a sombra a fome a roda a morte a guerra
a paixão o amor a flor a oferta a luz o perdão
a dúvida a dor a mágoa o amor a solidão
Sexta-Feira Santa
A Sexta-feira Santa, ou 'Sexta-feira da Paixão', é a Sexta-feira antes do Domingo de Páscoa. É a data em que os cristãos lembram o julgamento, paixão, crucificação, morte e sepultura de Jesus Cristo, através de diversos ritos religiosos.
Segundo a tradição cristã, a ressurreição de Cristo aconteceu no domingo seguinte ao dia 14 de Nisã, no calendário hebraico. A mesma tradição refere ser esse o terceiro dia desde a morte. Assim, contando a partir do domingo, e sabendo que o costume judaico, tal como o romano, contava o primeiro e o último dia, chega-se à sexta-feira como dia da morte de Cristo.
A Sexta-feira Santa é um feriado móvel que serve de referência para outras datas. É calculado como sendo a primeira Sexta-feira de lua cheia após o equinócio de outono no hemisfério sul ou o equinócio de primavera no hemisfério norte, podendo ocorrer entre 22 de março e 25 de abril.
Fonte
Segundo a tradição cristã, a ressurreição de Cristo aconteceu no domingo seguinte ao dia 14 de Nisã, no calendário hebraico. A mesma tradição refere ser esse o terceiro dia desde a morte. Assim, contando a partir do domingo, e sabendo que o costume judaico, tal como o romano, contava o primeiro e o último dia, chega-se à sexta-feira como dia da morte de Cristo.
A Sexta-feira Santa é um feriado móvel que serve de referência para outras datas. É calculado como sendo a primeira Sexta-feira de lua cheia após o equinócio de outono no hemisfério sul ou o equinócio de primavera no hemisfério norte, podendo ocorrer entre 22 de março e 25 de abril.
Fonte
quinta-feira, 1 de abril de 2010
Educar é normalizar?
Este texto resulta da reflexão despoletada pelo muito interessante comentário que o Elenáro fez ao meu post do dia 23 de Março sobre Indisciplina(s).
Elenáro dizia, e eu concordo, que “é preciso criar algo que seja superior a isto [ao subjectivismo e ao relativismo dos valores]. Não precisam de ser os supostos valores universais no sentido que sejam comuns a todos. É preciso antes, uma situação de compromisso. Uma série de valores que possam ser aceites por todos sabendo que nem todos ganharam na sua "normalização".
Contudo, com o “compromisso”, regressam, creio eu, os valores que, para mim, são fundantes do nosso modo humano de ser: a liberdade, a tolerância, a solidariedade e o respeito. E regressam com eles as questões que nos obrigam a pensar o equilíbrio possível entre os interesses individuais - subjectivos ou não – e os interesses colectivos.
Há muitas perspectivas a tratar esta permanente fonte de conflitos, egoísmos e altruísmos, também. De uma forma ou de outra, é sempre o modo como entendemos o outro que determina o modo como entendemos os valores e a sua consequente implementação.
Centrando-nos numa perspectiva comunicacional (aquela em que me coloco) o outro é sempre a condição da comunicação. Donde, não há falante sem ouvinte, não há comunicação sem partilha, sem pôr em comum (etimologia de comunicar). O outro é, assim, a fundamentação ética da comunicação e, como a comunicação implica acção, como os pragmáticos e Habermas mostraram, o outro torna-se o fundamento da dimensão ética do agir. Consequentemente, as normas éticas, tornados deveres, apenas têm sentido se tornarem possível o justo equilíbrio entre o eu e o outro, entre os meus interesses subjectivos e os interesses do outro. Dito de outro modo: o que torna a minha acção digna são justamente os princípios, as normas, os valores, tornados deveres, que tornam igualmente digna a acção do outro.
Neste sentido, tanto a comunicação como a acção que lhe é própria são sempre intersubjectivas.
Como sabemos, os princípios, as normas, os valores não nascem connosco, não são inatos. São aprendidos. São, pois, ensinados e aprendidos de geração em geração. O outro, que está na sua origem, é, por conseguinte, a razão de ser desses princípios, normas e valores e da educação em que se ensinam e aprendem.
Entendendo a “educação como comunicação normativa”, como eu a entendo, o outro é a sua justificação ética e a liberdade, a solidariedade, a tolerância e o respeito os seus esteios.
Isto supõe que o outro é sempre o outro para mim e eu sou o outro para ele, ou, numa relação comunicacional, o eu é sempre o eu para o tu e o tu sempre o tu para o eu, independentemente de quem seja o tu ou o eu. Justificam-se ou excluem-se mutuamente e são também os seus próprios limites mútuos.
Neste sentido, a educação será o conjunto de todos os processos e procedimentos que tornem possível a vida em comum através do ensinar e do aprender modos de ser, pensar, dizer e de fazer que nos façam homens, isto é, dignos uns dos outros, livres, solidários, tolerantes e respeitadores, e, por isso, conscientes que apenas nos fazemos humanos quando nos fazemos com o outro. O outro é, assim, a nossa razão de ser e o nosso limite.
Há, pois, limites. Nem tudo vale. Nem tudo tem valor. Nem tudo o que somos, pensamos, dizemos e fazemos tem valor porque nem sempre respeita os valores estruturantes da nossa humanidade. Por isso, são necessárias normas, regras, leis que normalizem, justifiquem e dêem sentido ao que fazemos. E quais serão elas?
A minha convicção é esta: tendo embora a marca da nossa historicidade, fora da qual nos esvaziaríamos da nossa humanidade e nos encheríamos de coisa nenhuma, e, portanto, podendo ser diferente a sua expressão circunstancial, as normas, as regras, as leis terão sempre que estar determinadas pelos valores que temos vindo a referir: a liberdade, a tolerância, a solidariedade e o respeito. Todo o modo de ser, pensar, dizer e de fazer que escape a esta determinação ética perde o sentido e deve ser normalizado.
Poder-se-ia considerar que os princípios, as normas, as leis, que dão dignidade ética a todo o modo humano de ser, pensar, dizer e de fazer devem ser universais nos seus fundamentos e particulares no seu uso. Portanto, nem uniformização de usos, nem relativização de princípios. Será no justo equilíbrio entre eles que se fará a educação.
Se se quiser, poder-se-ia traduzir neste imperativo: “Faz ao outro o que queres que te faça a ti”.
(Bem vistas as coisas, não anda muito longe do categórico kantiano: “Age de tal modo que a máxima da tua acção se possa tornar uma lei universal”. Ou andará?! Solicita-se ajuda.)
Elenáro dizia, e eu concordo, que “é preciso criar algo que seja superior a isto [ao subjectivismo e ao relativismo dos valores]. Não precisam de ser os supostos valores universais no sentido que sejam comuns a todos. É preciso antes, uma situação de compromisso. Uma série de valores que possam ser aceites por todos sabendo que nem todos ganharam na sua "normalização".
Contudo, com o “compromisso”, regressam, creio eu, os valores que, para mim, são fundantes do nosso modo humano de ser: a liberdade, a tolerância, a solidariedade e o respeito. E regressam com eles as questões que nos obrigam a pensar o equilíbrio possível entre os interesses individuais - subjectivos ou não – e os interesses colectivos.
Há muitas perspectivas a tratar esta permanente fonte de conflitos, egoísmos e altruísmos, também. De uma forma ou de outra, é sempre o modo como entendemos o outro que determina o modo como entendemos os valores e a sua consequente implementação.
Centrando-nos numa perspectiva comunicacional (aquela em que me coloco) o outro é sempre a condição da comunicação. Donde, não há falante sem ouvinte, não há comunicação sem partilha, sem pôr em comum (etimologia de comunicar). O outro é, assim, a fundamentação ética da comunicação e, como a comunicação implica acção, como os pragmáticos e Habermas mostraram, o outro torna-se o fundamento da dimensão ética do agir. Consequentemente, as normas éticas, tornados deveres, apenas têm sentido se tornarem possível o justo equilíbrio entre o eu e o outro, entre os meus interesses subjectivos e os interesses do outro. Dito de outro modo: o que torna a minha acção digna são justamente os princípios, as normas, os valores, tornados deveres, que tornam igualmente digna a acção do outro.
Neste sentido, tanto a comunicação como a acção que lhe é própria são sempre intersubjectivas.
Como sabemos, os princípios, as normas, os valores não nascem connosco, não são inatos. São aprendidos. São, pois, ensinados e aprendidos de geração em geração. O outro, que está na sua origem, é, por conseguinte, a razão de ser desses princípios, normas e valores e da educação em que se ensinam e aprendem.
Entendendo a “educação como comunicação normativa”, como eu a entendo, o outro é a sua justificação ética e a liberdade, a solidariedade, a tolerância e o respeito os seus esteios.
Isto supõe que o outro é sempre o outro para mim e eu sou o outro para ele, ou, numa relação comunicacional, o eu é sempre o eu para o tu e o tu sempre o tu para o eu, independentemente de quem seja o tu ou o eu. Justificam-se ou excluem-se mutuamente e são também os seus próprios limites mútuos.
Neste sentido, a educação será o conjunto de todos os processos e procedimentos que tornem possível a vida em comum através do ensinar e do aprender modos de ser, pensar, dizer e de fazer que nos façam homens, isto é, dignos uns dos outros, livres, solidários, tolerantes e respeitadores, e, por isso, conscientes que apenas nos fazemos humanos quando nos fazemos com o outro. O outro é, assim, a nossa razão de ser e o nosso limite.
Há, pois, limites. Nem tudo vale. Nem tudo tem valor. Nem tudo o que somos, pensamos, dizemos e fazemos tem valor porque nem sempre respeita os valores estruturantes da nossa humanidade. Por isso, são necessárias normas, regras, leis que normalizem, justifiquem e dêem sentido ao que fazemos. E quais serão elas?
A minha convicção é esta: tendo embora a marca da nossa historicidade, fora da qual nos esvaziaríamos da nossa humanidade e nos encheríamos de coisa nenhuma, e, portanto, podendo ser diferente a sua expressão circunstancial, as normas, as regras, as leis terão sempre que estar determinadas pelos valores que temos vindo a referir: a liberdade, a tolerância, a solidariedade e o respeito. Todo o modo de ser, pensar, dizer e de fazer que escape a esta determinação ética perde o sentido e deve ser normalizado.
Poder-se-ia considerar que os princípios, as normas, as leis, que dão dignidade ética a todo o modo humano de ser, pensar, dizer e de fazer devem ser universais nos seus fundamentos e particulares no seu uso. Portanto, nem uniformização de usos, nem relativização de princípios. Será no justo equilíbrio entre eles que se fará a educação.
Se se quiser, poder-se-ia traduzir neste imperativo: “Faz ao outro o que queres que te faça a ti”.
(Bem vistas as coisas, não anda muito longe do categórico kantiano: “Age de tal modo que a máxima da tua acção se possa tornar uma lei universal”. Ou andará?! Solicita-se ajuda.)
Suicidou-se outro professor
Tomei conhecimento do suicídio do colega José António Fernandes Martins, professor de Matemática e Ciências da Natureza na Escola EB 2,3 de Vouzela no Profblog.
Lembrei-me, então, da entrevista de Christophe Dejours, publicada no Público no dia 1 de Fevereiro do ano corrente, já referenciada e reverenciada aqui no Nós.
Vale a pena recuperar um excerto que nos possa ajudar a compreender o que se está a passar entre nós.
Para quem ainda não leu a entrevista pode lê-la aqui.
Mas como é que o trabalho pode conduzir ao suicídio? Só acontece a pessoas com determinada vulnerabilidade?
Só muito recentemente é que percebi que uma pessoa podia ser levada ao suicídio sem que tivesse até ali apresentado qualquer sinal de vulnerabilidade psicopatológica. Fiquei extremamente surpreendido com um caso em especial, do qual não posso falar muito aqui, porque ainda não foi julgado, de uma mulher que se suicidou na sequência de um assédio no trabalho.
A Polícia Judiciária [francesa] tinha interrogado os seus colegas de trabalho e, como a ordem vinha de um juiz, as pessoas falaram. Foram 40 depoimentos que descreviam a maneira como essa mulher tinha sido tratada pelo patrão (apenas uma contradiz as restantes 39). E o que emerge é que, devido ao assédio, ela caiu num estado psicopatológico muito parecido com um acesso de melancolia.
Ora, o que mais me espantou, quando procurei sinais precursores, é que não encontrei absolutamente nada. E, pela primeira vez, comecei a pensar que, em certas situações, quando uma pessoa que não é melancólica é escolhida como alvo de assédio, é possível fabricar, desencadear, uma verdadeira depressão em tudo igual à melancolia. Quando essa pessoa se vai abaixo, tem uma depressão, autodesvaloriza-se, torna-se pessimista, pensa que não vale nada, que merece realmente morrer.
Era uma mulher hiperbrilhante, muitíssimo apreciada, muito envolvida, imaginativa, produtiva. Tinha duas crianças óptimas e um marido excepcional. Falei com os seus amigos, o marido, a mãe. Não encontrei nenhum sinal precursor, nem sequer na sua infância.
Aconteceu sem pré-aviso?
Houve um período crítico que terá durado um mês. As pessoas à sua volta deram por isso. Viram que ela estava muito mal, o médico do trabalho foi avisado e obrigou-a a parar de trabalhar e pediu a alguém que a levasse para casa. Mas ela não queria parar, insistia que queria fazer o que tinha a fazer. A família também percebeu que algo estava a acontecer, ela consultou um psiquiatra, mas é impossível travar este tipo de descompensação. Foi para casa da mãe, mas quando pensaram que estava a melhorar um pouco, relaxaram a vigilância e ela atirou-se pela janela.
Pelos testemunhos recolhidos pela polícia, vê-se claramente que ninguém se atreveu a ajudá-la; todos dizem que tinham medo. Tinham medo do patrão, que era um tirano. Também assediava sexualmente as mulheres e esta mulher era muito bonita. Não consegui saber se tinha havido assédio sexual, mas várias pessoas evocam no seu depoimento que ela terá caído em desgraça porque se tinha recusado a fazer o que ele queria.
O caso da France Télécom foi muito mediático, com 25 suicídios. O suicídio é mais frequente nas grandes empresas?
Não. Nas grandes empresas pode ser mais visível, mas há também muitas pequenas empresas onde as coisas correm muito mal, onde os critérios são incrivelmente arbitrários e onde o assédio pode ser pior. Nas grandes empresas, subsiste por vezes uma presença sindical que faz com que os casos venham a público. Foi assim na France Télécom. Mas não acredito que a destruição actual do mundo do trabalho esteja a acontecer apenas nalgumas grandes multinacionais. E é importante salientar que também há multinacionais onde as coisas correm bem.
Quantas pessoas se suicidam por ano, em França e noutros países?
Não há estatísticas do suicídio no trabalho. Em França, foi constituída uma comissão ministerial onde pela primeira vez foi dito claramente que é urgente aplicar ferramentas que permitam analisar a relação entre suicídio e trabalho. Mas, por enquanto, isso não existe. Nem na Bélgica, nem no Canadá, nem nos Estados Unidos, não existe em sítio nenhum.
Na Suécia, por exemplo, há provavelmente tantos suicídios no trabalho como em França. Mas não há debate. Em muitos países não há debate, porque não existe esse espaço clínico, essa nova medicina do trabalho que estamos a desenvolver em França. De facto, a França é dos sítios onde mais se fala do assunto. O debate francês interessa muita gente, mas também mete muito medo.
Em França, foi feito um único inquérito, há quatro anos, pela Inspecção Médica do Trabalho, em três departamentos [divisões administrativas], passando pelos médicos do trabalho, e chegaram a um total de 50 suicídios em cinco anos. É provavelmente um valor subestimado, mas, extrapolando-o a todos os departamentos, dá entre 300 e 400 suicídios no trabalho por ano.
Falou de “qualidade total”. O que é exactamente?
É uma segunda medida que foi introduzida na sequência da avaliação individual. Acontece que, quando se faz a avaliação individual do desempenho, está-se a querer avaliar algo, o trabalho, que não é possível avaliar de forma quantitativa, objectiva, através de medições. Portanto, o que está a ser medido na avaliação não é o trabalho. No melhor dos casos, está-se a medir o resultado do trabalho. Mas isso não é a mesma coisa. Não existe uma relação de proporcionalidade entre o trabalho e o resultado do trabalho.
É como se em vez de olhar para o conteúdo dos artigos de um jornalista, apenas se contasse o número de artigos que esse jornalista escreveu. Há quem escreva artigos todos os dias, mas enfim... é para contar que houve um acidente de viação ou outra coisa qualquer. Uma única entrevista, como esta por exemplo, demora muito mais tempo a escrever e, para fazer as coisas seriamente, vai implicar que o jornalista escreva entretanto menos artigos. Hoje em dia, julga-se os cientistas pelo número de artigos que publicam. Mas isso não reflecte o trabalho do cientista, que talvez esteja a fazer um trabalho difícil e não tenha publicado durante vários anos porque não conseguiu obter resultados.
Passados uns tempos, surgem queixas a dizer que a qualidade [da produção ou do serviço] está a degradar-se. Então, para além das avaliações, os gestores começam a controlar a qualidade e declaram como objectivo a “qualidade total”. Não conhecem os ofícios, mas vão definir pontos de controlo da qualidade. É verdadeiramente alucinante.
Para além de que declarar a qualidade total é catastrófico, justamente porque a qualidade total é um ideal. É importante ter o ideal da qualidade total, ter o ideal do “zero-defeitos”, do “zero-acidentes”, mas apenas como ideal.
Em diabetologia, por exemplo, os gestores introduziram a obrigação de os médicos fazerem, para cada um dos seus doentes, ao longo de três meses, a média dos níveis de hemoglobina glicosilada A1c [ri-se], que é um indicador da concentração de açúcar no sangue. A seguir, comparam entre si os grupos de doentes de cada médico – é assim que controlam a qualidade dos cuidados médicos. [ri-se]
Só que, na realidade, quando tratamos um doente, às vezes o tratamento não funciona e temos de perceber porquê. E finalmente, o doente acaba por nos confessar que não consegue respeitar o regime alimentar que lhe prescrevemos, porque inclui legumes e não féculas e que os legumes são mais caros... Tem três filhos e não tem dinheiro para legumes. E então, vamos ter de encontrar um compromisso.
Da mesma forma, se um doente diabético é engenheiro e tem de viajar frequentemente para outros fusos horários, torna-se muito difícil controlar a sua glicemia com insulina. Mais uma vez, vai ser preciso encontrar um meio-termo. E isso é difícil.
Mesmo uma central nuclear nunca funciona como previsto. Nunca. Por isso é que precisamos de “trabalho vivo”. A qualidade total é um contra-senso porque a realidade se encarrega de fazer com que as coisas não funcionem de forma ideal. Mas o gestor não quer ouvir falar disso.
Ora, quando o ideal se transforma na condição para obter uma certificação, o que acontece é que se está a obrigar toda a gente a dissimular o que realmente se passa no trabalho. Deixa de ser possível falar do que não funciona, das dificuldades encontradas. Quando há um incidente numa central nuclear, o melhor é não dizer nada.
Isso é extremamente grave.
É. E em medicina passa-se a mesma coisa. Faz-se batota. Hoje, existem nos hospitais as chamadas “conferências de consenso” – acho que existem em toda a Europa – onde são feitas recomendações precisas para o tratamento de tal ou tal doença. E quando um médico recebe um doente, tem de teclar no computador para ver o que foi estabelecido pela conferência de consenso. O médico, que tem o doente à sua frente, pensa que essa não é a boa abordagem – porque sabe que o doente tem problemas com a mulher, com os filhos e não vai conseguir fazer o tratamento recomendado. Mas sabe também que se não fizer o que está lá escrito, e se por acaso as coisas derem para o torto, poderá haver um inquérito, a pedido da família ou de um gestor, e vão dizer que foi o médico que não fez o que devia. O problema da qualidade total é que obriga muitos de nós a viver essa experiência atroz que consiste em fazer o nosso trabalho de uma forma que nos envergonha.
Lembrei-me, então, da entrevista de Christophe Dejours, publicada no Público no dia 1 de Fevereiro do ano corrente, já referenciada e reverenciada aqui no Nós.
Vale a pena recuperar um excerto que nos possa ajudar a compreender o que se está a passar entre nós.
Para quem ainda não leu a entrevista pode lê-la aqui.
Mas como é que o trabalho pode conduzir ao suicídio? Só acontece a pessoas com determinada vulnerabilidade?
Só muito recentemente é que percebi que uma pessoa podia ser levada ao suicídio sem que tivesse até ali apresentado qualquer sinal de vulnerabilidade psicopatológica. Fiquei extremamente surpreendido com um caso em especial, do qual não posso falar muito aqui, porque ainda não foi julgado, de uma mulher que se suicidou na sequência de um assédio no trabalho.
A Polícia Judiciária [francesa] tinha interrogado os seus colegas de trabalho e, como a ordem vinha de um juiz, as pessoas falaram. Foram 40 depoimentos que descreviam a maneira como essa mulher tinha sido tratada pelo patrão (apenas uma contradiz as restantes 39). E o que emerge é que, devido ao assédio, ela caiu num estado psicopatológico muito parecido com um acesso de melancolia.
Ora, o que mais me espantou, quando procurei sinais precursores, é que não encontrei absolutamente nada. E, pela primeira vez, comecei a pensar que, em certas situações, quando uma pessoa que não é melancólica é escolhida como alvo de assédio, é possível fabricar, desencadear, uma verdadeira depressão em tudo igual à melancolia. Quando essa pessoa se vai abaixo, tem uma depressão, autodesvaloriza-se, torna-se pessimista, pensa que não vale nada, que merece realmente morrer.
Era uma mulher hiperbrilhante, muitíssimo apreciada, muito envolvida, imaginativa, produtiva. Tinha duas crianças óptimas e um marido excepcional. Falei com os seus amigos, o marido, a mãe. Não encontrei nenhum sinal precursor, nem sequer na sua infância.
Aconteceu sem pré-aviso?
Houve um período crítico que terá durado um mês. As pessoas à sua volta deram por isso. Viram que ela estava muito mal, o médico do trabalho foi avisado e obrigou-a a parar de trabalhar e pediu a alguém que a levasse para casa. Mas ela não queria parar, insistia que queria fazer o que tinha a fazer. A família também percebeu que algo estava a acontecer, ela consultou um psiquiatra, mas é impossível travar este tipo de descompensação. Foi para casa da mãe, mas quando pensaram que estava a melhorar um pouco, relaxaram a vigilância e ela atirou-se pela janela.
Pelos testemunhos recolhidos pela polícia, vê-se claramente que ninguém se atreveu a ajudá-la; todos dizem que tinham medo. Tinham medo do patrão, que era um tirano. Também assediava sexualmente as mulheres e esta mulher era muito bonita. Não consegui saber se tinha havido assédio sexual, mas várias pessoas evocam no seu depoimento que ela terá caído em desgraça porque se tinha recusado a fazer o que ele queria.
O caso da France Télécom foi muito mediático, com 25 suicídios. O suicídio é mais frequente nas grandes empresas?
Não. Nas grandes empresas pode ser mais visível, mas há também muitas pequenas empresas onde as coisas correm muito mal, onde os critérios são incrivelmente arbitrários e onde o assédio pode ser pior. Nas grandes empresas, subsiste por vezes uma presença sindical que faz com que os casos venham a público. Foi assim na France Télécom. Mas não acredito que a destruição actual do mundo do trabalho esteja a acontecer apenas nalgumas grandes multinacionais. E é importante salientar que também há multinacionais onde as coisas correm bem.
Quantas pessoas se suicidam por ano, em França e noutros países?
Não há estatísticas do suicídio no trabalho. Em França, foi constituída uma comissão ministerial onde pela primeira vez foi dito claramente que é urgente aplicar ferramentas que permitam analisar a relação entre suicídio e trabalho. Mas, por enquanto, isso não existe. Nem na Bélgica, nem no Canadá, nem nos Estados Unidos, não existe em sítio nenhum.
Na Suécia, por exemplo, há provavelmente tantos suicídios no trabalho como em França. Mas não há debate. Em muitos países não há debate, porque não existe esse espaço clínico, essa nova medicina do trabalho que estamos a desenvolver em França. De facto, a França é dos sítios onde mais se fala do assunto. O debate francês interessa muita gente, mas também mete muito medo.
Em França, foi feito um único inquérito, há quatro anos, pela Inspecção Médica do Trabalho, em três departamentos [divisões administrativas], passando pelos médicos do trabalho, e chegaram a um total de 50 suicídios em cinco anos. É provavelmente um valor subestimado, mas, extrapolando-o a todos os departamentos, dá entre 300 e 400 suicídios no trabalho por ano.
Falou de “qualidade total”. O que é exactamente?
É uma segunda medida que foi introduzida na sequência da avaliação individual. Acontece que, quando se faz a avaliação individual do desempenho, está-se a querer avaliar algo, o trabalho, que não é possível avaliar de forma quantitativa, objectiva, através de medições. Portanto, o que está a ser medido na avaliação não é o trabalho. No melhor dos casos, está-se a medir o resultado do trabalho. Mas isso não é a mesma coisa. Não existe uma relação de proporcionalidade entre o trabalho e o resultado do trabalho.
É como se em vez de olhar para o conteúdo dos artigos de um jornalista, apenas se contasse o número de artigos que esse jornalista escreveu. Há quem escreva artigos todos os dias, mas enfim... é para contar que houve um acidente de viação ou outra coisa qualquer. Uma única entrevista, como esta por exemplo, demora muito mais tempo a escrever e, para fazer as coisas seriamente, vai implicar que o jornalista escreva entretanto menos artigos. Hoje em dia, julga-se os cientistas pelo número de artigos que publicam. Mas isso não reflecte o trabalho do cientista, que talvez esteja a fazer um trabalho difícil e não tenha publicado durante vários anos porque não conseguiu obter resultados.
Passados uns tempos, surgem queixas a dizer que a qualidade [da produção ou do serviço] está a degradar-se. Então, para além das avaliações, os gestores começam a controlar a qualidade e declaram como objectivo a “qualidade total”. Não conhecem os ofícios, mas vão definir pontos de controlo da qualidade. É verdadeiramente alucinante.
Para além de que declarar a qualidade total é catastrófico, justamente porque a qualidade total é um ideal. É importante ter o ideal da qualidade total, ter o ideal do “zero-defeitos”, do “zero-acidentes”, mas apenas como ideal.
Em diabetologia, por exemplo, os gestores introduziram a obrigação de os médicos fazerem, para cada um dos seus doentes, ao longo de três meses, a média dos níveis de hemoglobina glicosilada A1c [ri-se], que é um indicador da concentração de açúcar no sangue. A seguir, comparam entre si os grupos de doentes de cada médico – é assim que controlam a qualidade dos cuidados médicos. [ri-se]
Só que, na realidade, quando tratamos um doente, às vezes o tratamento não funciona e temos de perceber porquê. E finalmente, o doente acaba por nos confessar que não consegue respeitar o regime alimentar que lhe prescrevemos, porque inclui legumes e não féculas e que os legumes são mais caros... Tem três filhos e não tem dinheiro para legumes. E então, vamos ter de encontrar um compromisso.
Da mesma forma, se um doente diabético é engenheiro e tem de viajar frequentemente para outros fusos horários, torna-se muito difícil controlar a sua glicemia com insulina. Mais uma vez, vai ser preciso encontrar um meio-termo. E isso é difícil.
Mesmo uma central nuclear nunca funciona como previsto. Nunca. Por isso é que precisamos de “trabalho vivo”. A qualidade total é um contra-senso porque a realidade se encarrega de fazer com que as coisas não funcionem de forma ideal. Mas o gestor não quer ouvir falar disso.
Ora, quando o ideal se transforma na condição para obter uma certificação, o que acontece é que se está a obrigar toda a gente a dissimular o que realmente se passa no trabalho. Deixa de ser possível falar do que não funciona, das dificuldades encontradas. Quando há um incidente numa central nuclear, o melhor é não dizer nada.
Isso é extremamente grave.
É. E em medicina passa-se a mesma coisa. Faz-se batota. Hoje, existem nos hospitais as chamadas “conferências de consenso” – acho que existem em toda a Europa – onde são feitas recomendações precisas para o tratamento de tal ou tal doença. E quando um médico recebe um doente, tem de teclar no computador para ver o que foi estabelecido pela conferência de consenso. O médico, que tem o doente à sua frente, pensa que essa não é a boa abordagem – porque sabe que o doente tem problemas com a mulher, com os filhos e não vai conseguir fazer o tratamento recomendado. Mas sabe também que se não fizer o que está lá escrito, e se por acaso as coisas derem para o torto, poderá haver um inquérito, a pedido da família ou de um gestor, e vão dizer que foi o médico que não fez o que devia. O problema da qualidade total é que obriga muitos de nós a viver essa experiência atroz que consiste em fazer o nosso trabalho de uma forma que nos envergonha.
1970 - 40 anos
Há 40 anos foi Camarade de Jean Ferrat.
A força da palavra na nudez de uma voz inconfundível no mês da sua morte.
Jean Ferrat. Camarade (1970)
C’est un joli nom Camarade C’est un joli nom tu sais Qui marie cerise et grenade Aux cent fleurs du mois de mai Pendant des années Camarade Pendant des années tu sais Avec ton seul nom comme aubade Les lèvres s’épanouissaient Camarade Camarade
C’est un nom terrible Camarade C’est un nom terrible à dire¶ Quand, le temps d’une mascarade Il ne fait plus que frémir Que venez-vous faire Camarade Que venez-vous faire ici Ce fut à cinq heures dans Prague Que le mois d’août s’obscurcit Camarade Camarade
C’est un joli nom Camarade C’est un joli nom tu sais Dans mon cœur battant la chamade Pour qu’il revive à jamais Se marient cerise et grenade Aux cent fleurs du mois de mai
A força da palavra na nudez de uma voz inconfundível no mês da sua morte.
Jean Ferrat. Camarade (1970)
C’est un joli nom Camarade C’est un joli nom tu sais Qui marie cerise et grenade Aux cent fleurs du mois de mai Pendant des années Camarade Pendant des années tu sais Avec ton seul nom comme aubade Les lèvres s’épanouissaient Camarade Camarade
C’est un nom terrible Camarade C’est un nom terrible à dire¶ Quand, le temps d’une mascarade Il ne fait plus que frémir Que venez-vous faire Camarade Que venez-vous faire ici Ce fut à cinq heures dans Prague Que le mois d’août s’obscurcit Camarade Camarade
C’est un joli nom Camarade C’est un joli nom tu sais Dans mon cœur battant la chamade Pour qu’il revive à jamais Se marient cerise et grenade Aux cent fleurs du mois de mai
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