quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Talvez poema

Estranho entre estranhos
vagueio sem rumo pela cidade

Ninguém me conhece não conheço ninguém

E, contudo, algo me liga a esta gente que desliza
de rosto cerrado perseguindo a sombra
de um destino que lhe escapa.

Olho-me nesses rostos
nocturnos que descem as avenidas
e vejo-me sozinho
estranho entre estranhos
no meio da solidão
que desliza anónima até ao rio
e se afoga no mar
sem memória e sem remédio.

A guitarra que grita desafinada
no beco adormecido assalta-me o peito
indefeso e nele deposita a sombra
dos dias de cinza em que me vejo
estranho entre estranhos
vagueando pela cidade sem rumo e sem destino.

(Será apenas a mim que esta angústia
atormenta como a chuva miudinha
que me molha sem piedade debaixo do guarda-chuva?)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

1970 - 40 anos

Há 40 anos foi também Melanie Safka e Lay down

Páginas de Caderno

Compromisso

Tenho um compromisso comigo e com os meus alunos: ajudá-los a crescer com o que lhes ensino.

O que lhes ensino vai muito além dos conteúdos programáticos e disciplinares. O que lhes ensino está para além da classificação que corresponde à avaliação que faço do empenhamento e saber de cada um. O que lhes ensino provém da filosofia mas está apara além dos conteúdos programáticos dessa disciplina.

Ensino-lhes a viver, a pensar, a ser homem e mulher eticamente louváveis, sem receio de se verem olhos nos olhos no espelho.

Ensino-lhes a diferença como condição da eticidade do agir, como razão de ser do que se é.

Ensino-lhes o respeito pelo outro, por aquele que não sou eu, por tudo o que me é distinto.

Ensino-lhes a liberdade como “princípio supremo da moralidade” - liberdade de ser, de pensar, de dizer e de fazer.

Ensino-lhes a solidariedade como valor central do reconhecimento da nossa historicidade frágil de homens que se reconhecem imperfeitos, limitados, inacabados, em construção uns com os outros, todos com todos nas suas especificidades.

Ensino-lhes o presente como a dimensão do tempo em que nos é destinado viver.

Ensino-lhes a dinâmica do tempo na sua historicidade e devir no qual todo o presente se faz passado e todo o futuro se fará presente, se se fizer, se se realizar, se se actualizar.

Ensino-lhes a palavra como condição de humanidade no dizer que fazemos uns com os outros.

Ensino-lhes a auto-estima nos textos que constroem. Inicialmente pouco consistentes, hesitantes, descoordenados; depois cada vez mais coerentes, articulados, profundos. Claro que nem todos chegam ao mesmo nível. Mas é também claro que, de modos diferentes, os textos exprimem um amadurecimento intelectual e pessoal que me fazem confiar na dimensão formativa essencial da escrita no crescimento global das crianças e adolescentes.

Ensino-lhes a autonomia como condição da sua própria dignidade pessoal e dos valores que a sustentam: a liberdade, a solidariedade, o respeito, a tolerância.

Ensino-lhes a tolerância como condição da douta ignorância em que se funde todo o processo de busca e construção dos modos de ser, pensar, dizer e fazer.

Ensino-lhes que só quem sabe que não sabe, quem tem a humildade de reconhecer o que sabe como um passo para mais saber está em condições de se construir permanentemente em busca e um aperfeiçoamento progressivo, sem fim.

Ensino-lhes que a humildade é irmã gémea (talvez siamesa) da humilhação e que, portanto, não é necessariamente uma virtude e que, portanto, é necessário manter a humildade nos limites da douta ignorância, nos limites da dignidade e da responsabilidade, reconhecendo-a como passo importante no crescimento pessoal, não como desvalorização humilhante perante o outro e si próprio.

Ensino-lhes que a humildade é uma qualidade ética e a humilhação é uma afirmação de força, de poder. Aquela resulta da nossa disponibilidade para crescer e é, por isso, expressão da nossa força; esta é o resultado da nossa fraqueza.

Ensino-lhes que a ignorância que não se reconhece, que se acha sábia, que nunca tem dúvidas, que nunca se engana é sempre arrogante.

Ensino-lhes o efémero da vida humana e a importância do aprender com aqueles que o tempo não esmagou e cuja memória resiste à usura quotidiana.

Ensino-lhes o rigor e a disciplina como condição de equilíbrio entre o desejo e o dever, entre o ócio e o trabalho, entre o divertimento e o estudo.

Ensino-lhes o estudar e o aprender como condição de crescimento e de elevação pessoal.

Ensino-lhes a vida.

E neste ensinar me vou também alimentando e fazendo.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Recomeço

Regresso hoje ao convívio dos amigos e visitantes deste cantinho blogosférico confiando na benevolência de todos e esperando continuar a merecer a vossa estima, após tamanha ausência da escrita (não da leitura) aqui e nos vossos jardins.

O regresso é sempre um recomeço. Como se alguma coisa tivesse ficado inacabada e a ela voltássemos no regresso de uma viagem que empreendêramos no silêncio do tempo que nos transporta além da vontade, arrastados por circunstâncias que nos habitam os dias em que nos fazemos, alentados na consciência da inevitabilidade da viagem e na crença do regresso. E recomeçamos. É o fado.