quinta-feira, 25 de março de 2010

"Me llaman calle"

Da conversa à mesa da cantina da escola soltou-se Manu Chao e "Me llaman calle"

Talvez Poema

Às vezes julgando-me poeta
escrevo linhas ambiciosas
com que pretendo mergulhar no mistério do mundo
e afastar as cortinas que do sentido da vida
me separam.

Incapaz de tamanha ambição
regresso à minha condição
de homem que pensa
sonha tropeça cai.

E se levanta.

terça-feira, 23 de março de 2010

Indisciplina(s)

A indisciplina exprime-se de múltiplas formas.

Na escola ou fora dela são diversas as formas de comportamentos destoantes, desviantes ou mesmo antagónicos quanto às regras definidas pela comunidade escolar, educativa ou outra. Fora ou nas margens da disciplina, portanto.

A definição de regras, de normas, deveres ou leis, reconhecidos importantes ou mesmo fundamentais para a vida em comum, para nos fazermos humanos uns com os outros, é uma prerrogativa que, de modo algum, poderá ser menosprezada e muito menos esquecida pela sociedade ou comunidade a que a escola pertence. A escola deve, por conseguinte, assumir o dever estruturante da definição de valores, normas e regras que lhe permitirão cumprir o seu destino educativo: ajudar as crianças e jovens que a frequentam a crescer, equilibrada e globalmente, com aquilo que lhes ensina.

O problema que deveremos colocar não está ligado à necessidade das regras, dos valores e dos deveres (mal estaríamos se o estivesse). O problema diz respeito às próprias regras, aos valores, aos deveres e aos objectivos, metas e finalidades que se deseja para a escola e para a educação.

Todos sabemos que o desrespeito pela lei torna a acção ilegal. Mas deveremos obediência a uma lei iníqua, emitida pelo órgão com poder legislador de um qualquer país, instituição ou organização? Deveremos respeito a normas que em nada contribuam para a elevação individual e colectiva ou, pior, que a inibam? Deveremos gastar o poder normativo e normalizador, competência de adultos e educadores, para disciplinar comportamentos, que lhes são estranhos na sua estranheza e diferença ou porque são eticamente inaceitáveis ao violarem valores fundantes do nosso modo humano de ser, pensar, dizer e fazer: a liberdade, o respeito, a solidariedade e a tolerância? Deveremos, enquanto professores e educadores, disciplinar modos de ser, pensar, dizer e fazer infantis, adolescentes ou outros segundo uma ideia de sociedade que habitamos?

Deveremos disciplinar? Deveremos normalizar? Deveremos penalizar?

O caso passou-se vai para vinte e cinco anos numa escola de uma zona classe A de Lisboa, numa turma do 10º ano. A turma era constituída por bons alunos, muito jovens e … barulhentos. Não era fácil trabalhar com eles. Na disciplina de Físico-Química a professora, cansada certamente do ruído que os alunos faziam, todos os dias mostrava o seu desgosto pelo facto de os alunos não se calarem. Passadas semanas, sem que nada o fizesse suspeitar, na aula de Físico-Química os alunos permaneceram calados, absolutamente calados, mesmo quando solicitados directamente pela professora, durante toda a aula. O resultado já o sabemos: a professora não conseguiu dar a aula e mergulhou num choro desesperado na sala de professores. Os alunos estavam radiantes porque “mesmo a Leonor (nome fictício) não respondeu às perguntas da professora” (A Leonor era uma menina sentada na primeira carteira frente ao professor, sempre muito atenta e calada).
O ano restante continuou sem problemas assinaláveis.

A indisciplina manifesta-se de muitas maneiras.
Ou não será indisciplina?

Como lidar com situações como esta?
Porque não aconteceu nas outras disciplinas da turma?
Porquê, porquê, porquê?

domingo, 21 de março de 2010

Talvez Poema

O que dizer
quando o dizer
não é bastante ?

Indaga-se a alma
no silêncio do olhar

e diz-se tudo
o que está aquém e além
do nomear

Bom dia!

Hoje há primavera
no canto do chapim
e no gaio que vem buscar
as bolotas ao carvalho
do teu jardim.

sábado, 20 de março de 2010

Poema

O Silêncio

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.


Eugénio de Andrade

1970 - 40 anos

Há 40 anos foi também Across the universe.

1970 - 40 anos

Ainda o álbum Bridge over troubled waters.
(O filme foi realisado pelos jovens alunos que aparecem no fim...)

quarta-feira, 17 de março de 2010

Talvez Poema

Para o Rui

Um amigo ofereceu-me
um cofre
com um segredo embrulhado
em palavras.

As palavras dizem coisas
fazem coisas
escondem coisas
desvendam coisas

espreitam-nos o olhar
e aguardam o tempo oportuno
em que o gesto
se faz sua voz

e  assim pouco a pouco
como quem desfolha uma flor
as palavras foram desembrulhando
o segredo do cofre
que o meu amigo
me ofereceu embrulhado
em palavras.

Chopin - 200 anos

A esta hora da noite fui assaltado pelo insuspeito desejo do nocturno nº 1 de Chopin e pelas velas iluminando o som do piano de Maria João Pires.
No segundo centenário do nascimento do pianista que tocava como quem abraça: com ternura e humilde esvaziamento de si entre os braços que nos acolhem.

terça-feira, 9 de março de 2010

1970 - 40 anos

Há 40 anos foi The Boxer que ouvimos, ouvimos, ouvimos.

sábado, 6 de março de 2010

"Podem ajudar-me a destruir a minha escola com os professores lá dentro?"

O que se segue é um documento impressionante sob variados pontos de vista: o discurso de uma criança de 9 anos, a relação com os adultos que a atendem ao telefone, a organização da comunicação da empresa e acima de tudo o desencanto da criança em relação à escola e aos professores porque, pelo que diz no telefonema (salvaguardando outras razões que nos escapam), lhe marcaram trabalhos da casa na sexta feira. "Ninguém gosta dos professores", proclama.
Voltam as questões aterradoras: que escola andamos a criar? Que crianças andamos a educar? Que mundo andamos a fazer? Que educação andamos a promover que leva uma criança de 9 anos a desejar a sua destruição com os professores lá dentro? Porque tem que fazer trabalhos de casa à sexta-feira ou porque estamos a educá-las para o desejo, para o prazer, para o sucesso esquecendo os seus opostos que os acompanham como sombras: a frustração, a dor, o fracasso?

Para ouvir e reflectir.



Agradecimentos à Otelinda.

quinta-feira, 4 de março de 2010

"Todos batem em todos"

Boa noite a todos os amigos e visitantes.
Estive sem internet e arredado da blogosfera por uns dias. Regresso hoje e começo por aqui porque não se pode calar o sentido da morte de uma criança que "estava farto de levar pancada" ou porrada, tanto faz.

A morte de uma criança na escola ou por causa dela devia obrigar-nos a parar para nos olharmos bem no espelho, de olhos nos olhos e nos perguntarmos que raio de escola, de educação, de filhos, de pais andamos a criar? É que, já o dissse aqui e noutros espaços, os filhos não nascem crescidos e os pais já foram filhos, já foram alunos. E nós, crescidos, adultos, pais, professores, economistas, gestores, políticos o que fizemos? O que fazemos? Dar-nos-emos conta que estamos a formar os adultos, pais, professores, economistas, gestores, políticos, médicos, funcionários, operários e trabalhadores de amanhã? E com que modelos os estamos a formar ou são eles que se estão a fazer a si mesmos, entregues a um vazio normativo e modelar de que nos havemos de lamentar ainda mais, muito mais?

É redundante mas é necessário insistir: os filhos não nascem crescidos. Os alunos também não. Crescem com aquilo que lhes dermos. Seria bom que, mais uma vez, regressássemos ao espelho e de olhos nos olhos lhe disséssemos o que fizemos, o que fazemos para ajudarmos a crescer os bebés, que hão-de ser crianças, adolescentes, jovens, adultos. E não vale a pena afastar o olhar: o espelho persegue-nos como a sombra que trazemos colada aos pés. E não vale olhar para o vizinho: ele próprio olhará para nós e assim nos distraímos uns com os outros e nos alheamos do que é verdadeiramente importante: ajudar os alunos a crescer.

E há ainda uma outra dimensão assustadora nesta tragédia: a dimensão mimética do comportamento humano, especialmente nas crianças e adolescentes. O que farão todos os pequenos, vítimas dos grandes, que sentem a mesma impotência e falta de solidariedade dos colegas e adultos da escola? O que farão para calar a revolta, a indignação, a fragilidade perante a manifesta indiferença da escola perante o sucedido e o seu anúncio?

E os pais? O que farão com a sublimação má-consciente da culpa da ausência que sabem também ser sua?

E os empregadores? O que farão com a indiferença perante o drama alheio e o narcísico centramento no umbigo, emoldurado com o jargão economês de um liberalismo ressuscitado que nos há-de levar à sepultura?

E os políticos e governantes? O que farão com o progressivo esvaziamento do discurso e da acção em que se atolam e nos afundam?

É verdade que " com a orte de uma andorinha não acaba a primavera" mas também é verdade que com a morte de uma criança há muito de nós que morre com ela.